Educação

100% LÁ    X    48% AQUI

 

É essa a desvantagem do Brasil em relação aos países da OCDE num ponto crucial: o número
de professores especializados em suas áreas. Concursos recentes expõem o problema
 

 

Fotos Chris Rchard/New York Times e Alex Silva/AE
Aula nos Estados Unidos (à esq.) e professores no Brasil: eles estimulam o mérito – nós, não.

 

Poucos fatores influenciam tanto o desempenho de um aluno em sala de aula quanto o nível de seu professor. Por essa razão, é especialmente preocupante o que mostra um levantamento recente feito com base no desempenho de 260 000 professores em concursos públicos de quatro das maiores redes de ensino do país – Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo: 73% deles foram reprovados em testes básicos das áreas em que pretendiam lecionar, entre elas matemática, português e física. Quase todos já dão aula em escolas públicas ou particulares. Boa parte dos 27% restantes, esses aprovados, passou raspando. O resultado não é exatamente uma surpresa. Há pelo menos três décadas o padrão dos candidatos vem caindo e não é raro que nem todas as vagas sejam preenchidas no fim de um concurso desse tipo, como acontece mais uma vez agora. O que chama atenção no caso atual é o número recorde de notas vermelhas. O pior exemplo vem de Pernambuco. No exame para recrutar professores de matemática, apenas 0,8% dos candidatos conseguiu responder a questões elementares de geometria e álgebra – 34 dos 4 352 candidatos que se inscreveram. Essa e as demais provas foram submetidas por VEJA a especialistas, que chegaram a uma conclusão nada otimista. Resume o professor de matemática João Meyer, da Universidade Estadual de Campinas: "Quem não passa numa prova dessas não sabe o mínimo necessário para entrar na sala de aula". Mas a maioria entra.

 

 
 

O desastre revelado pelo novo levantamento é reflexo de dois problemas já antigos no Brasil. O primeiro diz respeito à qualidade dos cursos superiores de formação de professores, dos quais apenas 1% atinge a nota máxima na avaliação oficial. Salvo raras exceções, eles despejam nas escolas gente sem o domínio básico das matérias que vai lecionar. Outra questão, igualmente preocupante, se deve ao fato de a carreira de professor não conseguir mais atrair os bons alunos. Uma pesquisa conduzida pela consultoria McKinsey deu os números. Ela mostra que em países de mau ensino os aspirantes a professor pertenciam, na escola, ao grupo dos 30% com as piores notas – um contraste em relação aos países que aparecem no topo dos rankings, onde os 10% melhores estudantes escolhem lecionar.

O típico brasileiro que opta por ser professor de escola se enquadra justamente no primeiro caso, conforme reforçam dados de uma pesquisa da Unesco. Ele vem de família em que os pais não chegaram ao fim do ensino fundamental, estudou em colégio público e procura, antes de tudo, um vestibular mais fácil e um curso mais barato. Também está motivado pela possibilidade de uma carreira estável no setor público. Há ainda um segundo tipo, que entra numa faculdade de matemática ou física sonhando tornar-se cientista, mas, na ausência de uma perspectiva concreta, termina na licenciatura. É gente como a pernambucana Alessandra Primo,

 

Leo Caldas/Titular
O casal Alessandra e Juranildo: como 73% dos professores, eles fracassaram num concurso.

de 28 anos. Professora de química do estado, ela foi reprovada no mês passado ao tentar um novo concurso: "Meu sonho era ser engenheira química, e não professora". Está longe de ser a única. "No Brasil, muitas pessoas acabam na carreira de professor por falta de opção melhor", diz a especialista Maria Inês Fini.

 

Foto: Otavio Dias de Oliveira
O matemático Nunes tirou nota 2 na prova: ele já dá aula em cinco escolas estaduais.

 

Não surpreende o fato de o número de professores especializados nas áreas em que lecionam estar muito aquém do necessário. Segundo o Ministério da Educação, apenas 48% dos professores brasileiros têm formação específica para a disciplina que ensinam. Na física, o número é pior ainda: só 11% se especializaram antes de entrar na sala de aula. A situação brasileira soa absurda nos países em que a educação traz bons resultados – e a carreira de professor figura entre as de maior prestígio, caso da Coréia do Sul e da Finlândia. Para atraírem os melhores, esses países não apenas estabeleceram um bom piso salarial como, sobretudo, conseguiram criar um ambiente em que os professores têm o talento reconhecido e estimulado. Lá, os piores ficam de fora da sala de aula – e precisam enfrentar uma acirrada concorrência caso queiram mesmo lecionar. Eles sabem que conseguir uma vaga lhes custa esforço. No Brasil, ao contrário, mesmo aqueles que tiram notas baixas têm espaço na escola. O matemático Emerson Nunes, de 31 anos, é um deles e resume o pensamento geral: "Diante do que o estado oferece ao professor, somos cobrados demais nos concursos. Eu me sinto perfeitamente apto a ensinar". Nunes tirou 2 (numa escala de zero a 10) no último concurso para professores de matemática em São Paulo. Ele dá aula hoje em cinco escolas estaduais, em regime de contrato temporário.

Não é um cenário exatamente favorável para que os estudantes brasileiros melhorem – e o ensino no país avance.

 

Fonte: Rev. Veja, Camila Pereira, ed. 2063, 4/6/2008.

 

 


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