150 doutores foram para o espaço
Fernando Reinach

  

Um cálculo rápido mostra que com US$ 10 milhões é possível
formar 150 doutores no exterior

Um brasileiro passa esta semana em órbita ao redor da Terra. O governo brasileiro pagou US$ 10 milhões pela viagem.

Assumindo que é importante para o Brasil desenvolver o setor aeroespacial, a questão é saber se enviar um astronauta para o espaço é o melhor uso que o Brasil pode fazer com US$ 10 milhões de impostos.

O desenvolvimento de setores de alta tecnologia depende primordialmente da existência de pessoas qualificadas e de um programa de financiamento consistente.

O programa espacial americano teve na sua origem um grupo de cientistas europeus que migraram para os EUA durante a Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, o surgimento da Embraer, hoje o terceiro maior fabricante de aviões comerciais do mundo, pode ser creditado em grande parte à formação de engenheiros especializados pelo Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), localizado em São José dos Campos.

Será que o Brasil possui um número suficiente de doutores em engenharia aeroespacial?

É difícil determinar o número necessário, mas é possível estimar o número de engenheiros aeroespaciais que se dedicam à pesquisa científica no Brasil. O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) tem um banco de dados (lattes.cnpq.br/) com os currículos dos cientistas que atuam no Brasil.

Uma lista de todos com o título de doutor que se classificam como engenheiros aeroespaciais produziu 124 nomes.

Mesmo que esse número subestime a realidade, é fácil concluir que são poucos - só de zoólogos, a mesma base de dados lista quase 700.

Quantos cientistas é possível formar com US$ 10 milhões? Para formar doutores, o CNPq disponibiliza bolsas de estudo. No Brasil, essas bolsas pagam ao estudante R$ 1.267 por mês.

Formar um doutor no País, o que leva cinco anos, custa ao CNPq R$ 76 mil. Com US$ 10 milhões (R$ 22 milhões), é possível formar 290 novos doutores.

Mas o Brasil, que ainda não possui um programa espacial de primeira linha e cujo último experimento resultou na explosão do foguete ainda na base de lançamento em Alcântara (20 técnicos morreram em agosto de 2003), talvez devesse enviar seus engenheiros para serem treinados no exterior.

Para tanto, o CNPq distribui bolsas de doutoramento que custam ao contribuinte US$ 1.100 por mês. Assumindo que sejam necessários cinco anos para formar um doutor no exterior, ele não sai por menos de US$ 66 mil.

Um cálculo rápido mostra que com US$ 10 milhões é possível formar 150 doutores no exterior.

Mas será que formar mais 150 doutores no exterior faz alguma diferença? As estatísticas no site do CNPq ajudam a compreender o significado desse número.

Em 2000, o CNPq financiava 420 estudantes de doutoramento no exterior. Em dezembro de 2004, esse número havia sido reduzido a 220 doutorandos distribuídos por todas as áreas do conhecimento.

Esse número permite formar 45 doutores por ano. Com o dinheiro gasto para enviar um astronauta ao espaço, o CNPq poderia praticamente duplicar o número de bolsistas de doutoramento no exterior ou formar quase 300 doutores no Brasil.

Infelizmente, esse é mais um caso em que investimentos em educação foram trocados por publicidade.

O que foi para o espaço nesta semana é a possibilidade de formar 150 cientistas. É pena.

* Fernando Reinach é biólogo.
 

Fonte: O Estado de S. Paulo, 5/4/2006.


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