Terceira versão do projeto de Reforma Universitária chega ao Congresso 

 

Projeto sai do MEC após mais de um ano de debates. A terceira versão
apresenta ajustes pontuais frente à segunda, e será enviada ao
Congresso em meio ao cenário nebuloso da crise política.
Apesar de não fazerem oposição, entidades do setor ainda
acham que há deficiências na proposta.

 

Brasília - Sai ministro, entra ministro, e a proposta de reforma do ensino superior continua como uma das principais ações do Ministério da Educação (MEC). A idéia começou na gestão de Cristóvam Buarque, no primeiro ano de governo, e chega agora ao Palácio do Planalto junto à posse de Fernando Haddad, o terceiro titular da pasta da educação na gestão de Lula. Haddad foi o secretário-executivo e braço direito de seu antecessor, Tarso Genro, e entra com um discurso de continuidade das ações construídas sob a coordenação do agora presidente do PT. A nova edição do anteprojeto de lei apresenta algumas novidades, quase todas de caráter pontual, e, segundo o MEC, melhora a versão anterior com “uma melhor redação, maior adequação aos demais sistemas de ensino e equacionamento quanto ao que se altera à legislação vigente”.

Entre as mudanças está a titulação por meio de diploma para pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado) e certificado para pós-graduação lato sensu (especialização e aperfeiçoamento em educação continuada), o estímulo à inserção internacional e intercâmbio de estudantes e docentes com instituições estrangeiras e o incentivo à pesquisa nas áreas associadas à política industrial, comércio exterior. O novo documento flexibiliza as exigências para a obtenção do título de universidade, garantindo a instituições este título desde que, mesmo sem cursos de graduação suficientes elas possuam o número de cursos de pós-graduação que compense a  exigência mínima. Está proibida também, segundo a nova versão, a criação de franquias no setor privado.

O texto também assegura a exigência de 1/5 de doutores e mestres nas faculdades credenciadas, a aplicação do mínimo de 12% em despesas de outros custeios e capital extra-pessoal, proibição da reeleição de reitores nas universidades federais e aumento de 5% para 9% no limite mínimo dos recursos de custeio destinados à assistência estudantil, reivindicação da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em relação às ações afirmativas, foi estabelecida a garantia de 50% de alunos vindos do ensino médio público e de acordo com percentuais regionais de afrodescendentes e indígenas no prazo de 240 dia após a promulgação da lei na proporção geral e até 2015 na proporção por curso, ponto criticado pelas entidades de lutam por ações afirmativas no ensino superior. Para as instituições criadas após a promulgação da lei, o percentual será obrigatório desde seu primeiro vestibular.

Na cerimônia, Tarso Genro fez uma fala de despedida reafirmando seu discurso de concepção “sistêmica” e “voltada a um projeto de país” da política promovida pelo MEC ao longo de sua gestão, destacando como os principais pontos da visão “integrada” da pasta o Fundo de desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb), o projeto Brasil Alfabetizado, as ações voltadas à formação técnica e a reforma do ensino superior. O presidente Lula ratificou o peso do projeto por ser “exemplo de trabalho do MEC no diálogo com os mais diversos setores da sociedade comprometidos com a justiça social”. O presidente destacou o desafio de expandir o ensino público com a expansão de 25% para 40% do total de vagas na rede pública e a medida que subvincula 75% dos 18% de receita gerada pela arrecadação de impostos à educação superior. Vale lembrar que o índice é alto pois a educação básica é garantida no âmbito dos estados e municípios. O novo ministro, Fernando Haddad, informou que a “subvinculação significará um aumento orçamentário de 20% do sistema como um todo”.

Insatisfação

Entre os representantes de movimentos sociais e entidades presentes, o tom geral era de concordância com o essencial da proposta mas o sentimento de que existem pontos cruciais para avançar na proposta. Algumas das insatisfações são relativas à escolhas do Estado, outras mostram a disputa de interesses entre movimento popular e academia na democratização do acesso à educação superior. Para Frei David, do Educafro (ONG que trabalha com educação e cidadania para Afro-descendentes e carentes), as medidas previstas no anteprojeto para solucionar o gargalo da universidade não contemplam as necessidades dos afro-descendentes. “O Congresso tem mais de 15 projetos sobre cotas e ações afirmativas no ensino superior. Apanhando dos deputados como tem apanhado, ele (o governo) preferiu deixar pra eles a decisão sobre este tipo de política (as ações afirmativas)”.

Na sua opinião, é preciso melhorar o texto da reforma e aprovar os projetos que prevêem ações afirmativas na educação superior mas este não pode ser o condicionante para que as universidades iniciem processos de democratização do acesso. “As universidades que não adotam cotas também não fazem nada para discutir com alunos, funcionários e professores o drama da exclusão. Nós entendemos que é preciso haver um despertar nas universidades, que elas não podem ser omissas e esperar uma lei de cima para baixo. Elas devem ter autonomia para incluir, e não para excluir”, criticou em relação ao prazo de 2015 pra chegar nos 50% exigidos e na liberdade dada para atingir o índice.

Já os representantes dos reitores consideram positiva a liberdade mas acham que a garantia de 50% de suas vagas para estudantes de escolas públicas, afro-descendentes e índios só será garantida com recursos adicionais. “As universidades têm condições de garantir o percentual de várias maneiras, não só através de cotas. É esta liberdade que as instituições querem. Vai depender (o alcance do índice de 50%) do investimento a ser feito. Quando falamos em absorver estudantes oriundos de classe baixa falamos que é preciso moradia, transporte, alimentação, bolsas”, avaliou Osvaldo Batista Filho, da Associação Nacional dos Dirigentes de Ensino Superior (ANDIFES).

“O prazo até 2015 não só é muito tempo como o movimento social não vai permitir que as universidades façam como bem entenderem as ações afirmativas”, contrapõe Frei David. Ele informou que os movimentos populares vão pressionar os parlamentares para garantir melhorias na Lei e também as instituições para que elas voluntariamente adotem ações afirmativas. A pressão popular também foi defendida por Sérgio Custódio, da coordenação nacional do Movimento dos Sem Universidade (MSU). “A sociedade brasileira tem que ser vigilante pois a presença da escola pública na universidade pública está só na marca do pênalti, foi colocado para 2015 e isso nos preocupa”, avaliou criticando o prazo de 10 anos para o alcance do índice de 50%. Para Custódio, outra limitação do projeto é a meta mínima de apenas 30% das vagas diurnas para os cursos noturnos. “O percentual dos estudantes para os cursos noturnos não chega a 50% e isso é difícil pois a maioria das pessoas depende de trabalhar e só pode estudar à noite”.

Os recursos extras mencionados na fala de Batista Filho, da ANDIFES, evidenciam uma outra tensão promovida pelo projeto. Ao definir que a verba para a assistência estudantil sairá de pelo menos 9% dos recursos de custeio, o MEC garantiu uma tímida conquista para o movimento popular e estudantil, pois segundo o representante dos reitores é este o índice já empregado, mas gerou receio na academia. “Mas tem que ver de onde vai sair este dinheiro. Se for uma verba a mais acho extremamente importante, mas se for sair do custeio acho que teremos problemas”, comentou Filho. “É 9% da verba de custeio, recurso este que signfica 12% do orçamento global, o que para nós não parece inatingível, nós achamos factível”, respondeu o novo ministro, Fernando Haddad.

O representante dos reitores destacou em seu discurso outros pontos preocupantes do projeto. “O financiamento precisa garantir a expansão do sistema. Tanto o PNE quanto a lei da reforme prevêem a expansão do ensino público, o que é extremamente salutar, mas o financiamento está aquém da proposta colocada no projeto de Lei. Ele melhorou, é uma proposta razoável pra o que existe hoje. Mas para garantir a expansão (de até 40% das vagas até 2011), e a resolução dos problemas que nós temos em relação ao pessoal, o represamento salarial e também à falta de pessoal, nós teremos dificuldade em relação ao financiamento”, pontuou. “Outro problema é de autonomia. As procuradorias jurídicas estão subordinadas à advocacia geral da União, então quem nos defende não está dentro das universidades”, completou.

Tramitação difícil

Um dos pontos mais questionados foi o processo de tramitação da proposta no Congresso. Desde a eleição de Severino Cavalvanti (PP-PE) para a presidência da Câmara que o governo tem tido muita dificuldade de aprovar seus projetos na casa. Com o estouro da crise, a correlação de forças tem ficado cada vez pior. No Senado, onde a base governista é ainda menor, a situação é mais crítica. “Tem toda condição de aprovar este ano (o projeto da reforma). Já há da parte de vários setores da sociedade o desejo da retomada dos trabalhos do legislativo por que se é verdade que o país precisa ser informado e as contas serem prestadas, também é verdade que há muita gente fora da escola, pessoas que precisam ter o seu horizonte educacional ampliado e isso exige trabalho de todos nós, do executivo em parceria com o legislativo”, respondeu Fernando Haddad.

A fala do novo ministro pode indicar a previsão do Executivo de chumbo grosso na Câmara e na previsão de que no curto prazo é mais possível garantir a aprovação do Fundeb. “Eu tenho toda a vontade de que pelo menos a proposta de emenda constitucional que cria o fundeb seja implementada já no ano que vem”, comentou Haddad. A disputa pelo Fundeb tem pela frente a própria equipe econômica do governo, que com o apoio de Lula pode não constituir um obstáculo muito grande, enquanto a reforma será questionada pela bancada das faculdades privadas, que no último projeto importante do MEC, o Programa Universidade para Todos, conseguiu reduzir o percentual de bolsas de 20% para 8,5%.

O presidente da UNE, Gustavo Petta, manifestou preocupação para Lula sobre eventuais mudanças que o projeto pode sofrer por pressão da ortodoxa equipe de Palocci. “Tememos que alguns pontos, como a subvinculação de 75% dos 18% pra educação superior e a retirada dos inativos da folha de pagamento da educação superior sejam retirados por causa da pressão da área econômica”, advertiu Petta. Na cerimônia, estudantes e dirigentes de ensino superior dividiram o palco com ministros e o presidente, mas um setor histórico do movimento de educação não esteve presente: os docentes. Por conta de profundas críticas ao projeto deixaram de estar nos processos de negociação do texto final que foi entregue à Lula.

 

Fonte: Ag. Carta Maior, Jonas Valente, 31/07/2005


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