Licença para gastar
 

A fórmula correta é cortar gastos e impostos. O governo aumenta os dois e revolta a sociedade


Montagem sobre foto Orlando Brito

A insatisfação com a derrama de impostos e com o desperdício de dinheiro público chegou ao ponto de fervura na semana passada. O resultado das contas do governo brasileiro em 2004 mostrou que, depois de um primeiro ano de restrições orçamentárias severas, as torneiras dos gastos foram reabertas. O dispêndio com passagens aéreas, água, luz, cafezinho, telefone, consultorias e pagamentos a terceiros aumentou 25% em relação a 2003. De bate-papo em bate-papo, de viagem em viagem e de gole em gole, o certo é que a conta chegou a inacreditáveis 13 bilhões de reais. A folha de pagamento aumentou outros 7 bilhões e o déficit da Previdência fechou o ano em 32 bilhões de reais – o maior rombo de sua história. Aumentar gastos não é luxo do governo Lula. Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que nos últimos cinco anos não houve um país sequer que tenha diminuído suas despesas gerais. Nenhum. Zero. E ainda muitos são acusados de neoliberais.

A gastança no Brasil, porém, tem cores mais dramáticas e, de certa forma, macula a responsabilidade que deu o tom da gestão pública no primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como se sabe, os gastos têm de ser financiados por quem produz riqueza, ou seja, a sociedade brasileira. Portanto, não é surpresa que o gasto recorde sobrevenha de arrecadação recorde. Foi o que ocorreu no Brasil em 2004. O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, admitiu pela primeira vez que a carga tributária federal cresceu ainda mais em 2004. "Arrecadamos mais, gastamos mais, mas economizamos uma parte", disse ele. Com isso, o peso dos impostos nacionais subiu de 35,5% do PIB para 36,5%, calcula o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) – o maior volume de impostos em 505 anos de história brasileira.

Juntos, os aumentos simultâneos do gasto público e da carga tributária tornaram mais do que atuais as palavras do filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790), para quem "não existe arte que um governo aprenda do outro com maior rapidez do que a de extrair dinheiro do bolso da população". A indignação veio forte. Uma frente de empresários, economistas e a chamada sociedade civil – Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), à frente –­ levantou-se contra a derrama. Para que a energia não seja toda gasta em indignação, VEJA adianta alguns tópicos que poderiam nortear um processo de redução simultânea da carga tributária e dos gastos públicos no Brasil.

Combate à sonegação

Impostos nas alturas geram sonegação. Diminuí-la é uma maneira eficaz de aumentar a receita do governo. No caso brasileiro, é preciso agir rápido antes que a sonegação passe a ser vista, como está começando a ocorrer, não apenas como um furto puro e simples mas como uma medida heróica de resistência ao totalitarismo fiscal do Estado.

Com 40% de sua economia na informalidade, ou seja, na sonegação, o Brasil só encontra paralelo na Rússia, onde esse número é de 46%. Itália, Grécia e Espanha conseguiram reduzir a informalidade de 30% para menos de 20% do PIB, com imediatos efeitos benéficos sobre as finanças públicas. Pesquisa realizada pela consultoria McKinsey, a pedido do instituto Etco, mostra que uma redução de 20% da informalidade, que nada mais é do que sonegação de impostos, aumentaria a arrecadação a tal ponto que os juros poderiam cair e a taxa de crescimento do Brasil subiria pelo menos 1,5 ponto porcentual.

Transparência

É preciso saber exatamente onde o governo gasta o dinheiro dos impostos. Hoje, na planilha de contas da União, programas como o Merenda Escolar são somados às despesas com cafezinho e passagens aéreas. No balaio-de-gatos que são as contas públicas, o contribuinte não sabe em que seu dinheiro está sendo utilizado. "A única forma de enfrentar o gasto público é saber para onde vai o dinheiro e onde cortar, o restante são medidas paliativas", diz Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. A consulta ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), restrita aos parlamentares, deveria ser de acesso público. O Siafi tem o controle dos gastos em tempo real.

Modernização

A competitividade que rege e impulsiona o mundo dos negócios deveria chegar aos governos. Segundo o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, o termo competitividade deveria ser uma preocupação central do setor público: "Num mundo globalizado, os governos competem entre si. Muitas vezes, como companhias privadas. É por isso que a eficiência da administração é fundamental para atrair investimentos e criar um bom ambiente de negócios".

Qualidade do gasto

Os recursos deveriam ser mais bem aplicados e a eficácia das iniciativas deveria ser medida constantemente. Distorções e desperdícios invertem a lógica do investimento social nacional. Exemplos: 65% do dinheiro da Previdência é apropriado pelos 20% mais ricos da população. Os programas de renda mínima e as transferências para portadores de deficiência cobriam, em 2000, um naco de apenas 2,3% das famílias pobres – 54% dos recursos eram desviados para famílias que não eram classificadas como as mais necessitadas.

Reforma da Previdência

As várias reformas já feitas não conseguiram estancar o déficit da Previdência, o de maior peso nas contas da União. O brasileiro ainda pode se aposentar muito cedo, e sua expectativa de vida não pára de crescer. O resultado é que hoje só os 3,5 milhões de benefícios concedidos pelo INSS consomem 7,4% do PIB. Um estudo do Ipea mostra que, se não forem feitas novas reformas, a despesa chegará a 10% das riquezas produzidas no país em 2030. Uma das saídas seria elevar gradualmente a idade mínima para a aposentadoria já a partir de 2010.

Novo pacto tributário

Impostos como o ICMS deveriam ser unificados e simplificados. Além disso, são necessárias reformas para tirar contas das costas do governo federal e reverter o princípio da Constituição de 1988, que obrigou a União a transferir quase metade da arrecadação do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados para os estados e municípios sem transferir também a responsabilidade de manter escolas e hospitais e de construir rodovias e portos.

Essas e outras providências obrigariam a burocracia do Estado a aceitar um ajuste semelhante ao que sofreram famílias e o setor privado na década de 90. As empresas enfrentaram a concorrência dos produtos importados, perderam mercado e tiveram de se ajustar. Isso quando simplesmente não fecharam as portas. A estrutura de gastos também mudou nos lares brasileiros. Tornou-se mais enxuta. Aumentaram as despesas com impostos e taxas e sobrou menos dinheiro para o consumo propriamente dito, o que inclui lazer, roupas, transporte e educação. Basta. Agora, chegou a vez de o Estado economizar.

  

Com reportagem de Chrystiane Silva, Carlos Rydlewski e Carina Nucci

Fonte: Revista Veja, Leandra Peres, Edição 1890, 2/2/2005.


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