CRISE POLÍTICA 
Deputados da esquerda do PT propõem afastamento da Executiva do partido 
 
 

Parlamentares que compõem o bloco de esquerda petista na Câmara divulgam documento no qual propõem a reformulação total da Executiva do partido e o afastamento imediato de todos os dirigentes envolvidos em denúncias. Manifesto foi assinado por 21 deputados do PT. 

No mesmo dia em que o secretário de finanças do PT, Delúbio Soares, pediu afastamento da direção do partido, os deputados federais que compõem o bloco de esquerda petista na Câmara partiram para a ofensiva e divulgaram documento no qual propõem a reformulação total da Executiva do partido e afastamento imediato de todos os dirigentes envolvidos nas acusações de corrupção. Assinado por 21 deputados e divulgado nesta terça-feira (5), o documento é dividido em dez pontos e exige um “choque ético e político” no governo Lula, além de apoiar a concretização da reforma política e pedir uma maior aproximação do governo com os movimentos populares e sociais. O documento alerta contra a “despetização” do governo e defende a manutenção do início do processo de eleições diretas do partido para setembro.

“O documento afirma, sobretudo, que para reverter o mau momento político do governo e do partido são necessárias mudanças na política econômica e na política de alianças. Esta é a única forma de tirar o governo da crise e o PT da defensiva”, afirmou o deputado Ivan Valente (SP), um dos signatários do documento. De partida para São Paulo, onde foi assistir à reunião da Executiva do partido, Valente se disse satisfeito com o pedido de afastamento de Delúbio, mas lembrou que o bloco de esquerda “quer também o afastamento do presidente do partido, José Genoino”. Esse pedido, no entanto, não será feito na reunião da Executiva: “Achamos que o espaço correto para definir isso será a reunião do Diretório Nacional, no próximo fim de semana. Na nossa opinião, aliás, é um absurdo a realização dessa reunião de hoje”, disse o deputado.

Além de Valente, assinam o documento do bloco de esquerda do PT os deputados Chico Alencar (RJ), Antônio Carlos Biscaia (RJ), Walter Pinheiro (BA), João Alfredo (CE), João Grandão (MS), Dr. Rosinha (PR), Maninha (DF), Gilmar Machado (MG), Mauro Passos (SC), Nazareno Fonteles (PI), Orlando Desconsi (RS), Orlando Fantazzini (SP), Paulo Rubem Santiago (PE), Tarcísio Zimmerman (RS), André Costa (RJ), Dra. Clair (PR), Iara Bernardes (SP), Guilherme Menezes (BA) e Luiz Alberto (BA).

Em sua primeira frase, o documento admite que o PT enfrenta hoje “a maior crise de sua história” e afirma que os militantes estão “perplexos” e “inconformados com a dilapidação do patrimônio político e ético do partido”. A nota dos deputados de esquerda afirma também que a crise no governo “deriva de alianças políticas com partidos ideologicamente conservadores e de viés fisiológico, e de uma visão de gestão administrativa onde a barganha política sufoca o compromisso com a moralidade pública”.

Para o deputado Chico Alencar, o documento serve para mostrar que “existe gente no PT muito preocupada com a perda dos valores do partido”. Alencar defende que a militância petista passe para a ofensiva: “Os militantes precisam se conscientizar que a crise no PT é uma crise de liderança e não do partido como um todo. Esse grupo de 21 deputados que assinou o manifesto se sentiu convocado a dizer uma palavra afirmativa dos valores e da história do partido e não adotar justificativas ou discursos defensivos, que é o que a direção nacional do PT vem fazendo até o presente momento”, disse.

Votação para afastar Genoino

Chico Alencar afirmou também que, se Genoino não pedir afastamento nos próximos dias, o grupo de parlamentares da esquerda do partido vai colocar a questão em votação na reunião do Diretório Nacional que se realizará no sábado (9) em São Paulo: “Vamos colocar pra votar o afastamento do Genoino no diretório e, provavelmente, vamos perder novamente. Mas, vamos pedir a votação”. O deputado, no entanto, não atacou o presidente do PT: “Ninguém pode negar a história do Genoino e a sua importância para o partido. A questão, no entanto, é que ele incorreu num grave erro e, por isso, nós achamos que o melhor no momento é ele se afastar, até mesmo para preparar melhor sua defesa”, disse Alencar.

A opção por fortalecer as alianças do governo Lula à esquerda e reafirmar os compromissos do PT com os movimentos sociais também é defendida pelos parlamentares do bloco de esquerda: “Ao invés de insistir em alianças que já não deram certo, o governo deveria se voltar para os movimentos sociais”, afirmou a deputada Maninha. Nessa linha, os parlamentares criticam a proposta de criação de um plano governamental de déficit nominal zero, que seria elaborado em parceria pelo ministro Antonio Palocci (Fazenda) e pelo deputado federal Delfim Neto (PP-SP), que é definido como “czar da economia na ditadura militar” no manifesto do bloco: “Essa proposta, infelizmente, acena com a manutenção da política econômica e a falta de mudanças em curto prazo. Significa mais cortes nos gastos públicos e mais arrocho para pagar a dívida”, avaliou Ivan Valente.

Os deputados do bloco de esquerda do PT são contrários ao adiamento do processo de eleições diretas do partido, programado para começar em setembro: “Nada de adiamento. Se possível, deveríamos até antecipar o processo. A direção do PT perdeu legitimidade e o PED ganha agora uma dimensão de sobrevivência ou não do partido”, afirmou Chico Alencar. O manifesto defende a formação de uma direção provisória que conduza o partido até a finalização do PED e conclama a militância petista “a fazer do momento das eleições internas a oportunidade para substituir a atual direção partidária, responsável maior pela crise em que se encontra o nosso partido e garantir a eleição de companheiro(a)s comprometido(a)s com o resgate da credibilidade de um partido que ainda se reivindique ético, militante, democrático e socialista”.

Divergências

As propostas defendidas pelo bloco de esquerda do PT na Câmara não são completamente incorporadas por outros setores do partido que também mantém postura crítica à direção nacional petista. A deputada Maria do Rosário (RS), que é candidata à presidência do partido pela tendência de centro Movimento PT, defendeu o afastamento “dos membros da direção envolvidos”, mas pediu cautela quanto ao afastamento de Genoino. A mesma posição foi defendida pelo principal dirigente da tendência, o ministro Tarso Genro (Educação): “O Genoino deve sair se quiser. Ele deve avaliar essa possibilidade com muita prudência e com a responsabilidade que ele tem perante o partido e a sociedade”, disse.

O senador Cristovam Buarque (DF) também manifestou cautela quanto ao fortalecimento da aliança com os movimentos sociais: “Se o governo não apurar com rigor as denúncias e essa aliança servir apenas para se utilizar dos movimento sociais, não concordo com ela. Não podemos colocar o MST, por exemplo, para defender o governo sem ter claro se existe essa história de mensalão, pois o movimento pode se contaminar com as denúncias”, disse.

Delúbio pede afastamento

Aguardado ansiosamente pela esquerda do PT, o afastamento de Delúbio Soares da direção do partido virou realidade nesta terça-feira (5). Durante a reunião da Executiva, o secretário de finanças pediu afastamento do partido pelo tempo que durarem as investigações contra ele e outros integrantes da direção nacional. Em nota divulgada pelo PT, Delúbio afirma não temer as investigações em curso e afirma estar colocando seus sigilos bancário, fiscal e telefônico à disposição da CPI dos Correios.

Na carta em que pede afastamento, Delúbio afirma que o PT “é maior que qualquer um de seus dirigentes” e garante sempre ter agido com “seriedade e honestidade” frente aos assuntos financeiros do partido durante o tempo em que ocupou seu cargo: “Não temo as investigações. Tenho a plena consciência de nunca haver transgredido os princípios éticos da prática política. Prova eloqüente disso é meu reduzido patrimônio”, escreveu o agora ex-dirigente do PT.  

Fonte: Maurício Thuswohl – Carta Maior, Brasília  – 05/07/2005 

 


 Manifesto da esquerda defende valores do PT 

Sem medidas urgentes e mudanças na direção política, o PT corre sério riscos, alerta manifesto assinado por 21 parlamentares do partido. Texto defende retomada dos valores que criaram partido.   

Intitulado "Declaração à militância: em defesa dos valores do PT", o manifesto assinado por 21 parlamentares do partido tem o seguinte teor:

1 - O PT enfrenta, hoje, a maior crise de sua história. Seus militantes, filiados e simpatizantes estão perplexos. Inconformados com a dilapidação do patrimônio político e ético do partido, exigem dos seus dirigentes explicações, providências e novos rumos, já. Esta crise deriva de alianças políticas com partidos ideologicamente conservadores e de viés fisiológico, e de uma visão de gestão administrativa onde a barganha política sufoca o compromisso com a moralidade pública. A crise de destino do PT vem também por render-se, no governo federal, a uma política econômica ultra-ortodoxa e essencialmente continuísta, refém do capital financeiro, que não alavanca a prometida retomada do crescimento econômico com justiça social, o que contraria o programa proposto no último Encontro Nacional do PT. Aliás, o prefácio do estatuto do partido afirma que "o Brasil precisa de uma revolução ética, de outro modelo econômico e de reformas sociais e políticas que distribuam a renda, a terra e a riqueza".

2 - Esta crise, que também é desafio de superação, leva à quebra do ânimo militante - marca registrada do petismo - e produz o gravíssimo desgaste da imagem do partido como instrumento de transformação social e ética na política. Este patrimônio, que sempre cimentou nossas práticas de governos transparentes e participativos, está ameaçado por denúncias e depoimentos contraditórios no Conselho de Ética da Câmara Federal e na CPMI dos Correios, veiculados amplamente pela mídia nacional sem terem uma resposta contundente por parte da direção nacional do PT.

3 - Os conservadores de todos os matizes - da direita mais reacionária aos neoliberais modernos - operam intensamente por sua volta ao poder, do qual nunca se afastaram totalmente. Mas inferir daí "movimentos conspiratórios e golpistas" não ajuda a enfrentar os problemas que, em boa parte, nós mesmos criamos. Fazer o jogo da oposição é adotar seus procedimentos, inclusive de tentar inviabilizar CPIs, "blindar" correligionários e apostar exclusivamente nos métodos convencionais de governabilidade, abandonando os elos vivificadores com movimentos e organizações da sociedade.

4 - O governo Lula, neste ano e meio que tem pela frente, precisa produzir um choque ético-político. Deve requalificar sua base de apoio parlamentar, eliminando qualquer acordo baseado em troca de votos por cargos ou liberação de emendas parlamentares. A simples incorporação ao governo de Ministros do pedaço do PMDB comandado pelos senadores Renan Calheiros e José Sarney, "despetizando" a administração, nada agregará. A governabilidade de um governo de esquerda se sustenta, fundamentalmente, em seu programa de mudanças e no apoio dos movimentos populares. A Lei de Diretrizes Orçamentárias deve sinalizar a vontade de implementar a necessária inflexão na política econômica, com retomada da queda dos juros, redução do superávit primário e descontigenciamento de recursos públicos. A cortejada proposta de "déficit zero" capitaneada por Delfim Netto, czar da economia na ditadura militar, com aperto fiscal ainda maior e duplicação de cortes orçamentários, vai na contra-mão da rota mudancista.

5 - A sociedade clama por uma luta sem fronteiras contra a corrupção, "não deixando pedra sobre pedra" nas urgentes apurações, e o Congresso Nacional deve contribuir com o competente trabalho da Polícia Federal, da Controladoraia Geral da União e do Ministério Público. Nesta linha, Ministros acusados de ilícitos pela Procuradoria Geral da República, que respondem a processos no Supremo Tribunal Federal, já deveriam ter sido afastados há muito tempo.

6 - Além da redução dos cargos comissionados, indicamos a priorização, para o seu preenchimento, de servidores de carreira, com competência técnica, reputação ilibada e, sem dúvida, compromisso com as diretrizes de governo. É também imperioso o estabelecimento de fronteiras entre partido e governo, evitando que dirigentes partidários sem funções oficiais façam negociações envolvendo a administração federal. Esta falta de limites claros sempre possibilita a mistura nefasta de interesses públicos e privados e compromete a necessária autonomia partidária.

7 - A retomada da iniciativa tem que se dar também no Congresso Nacional. Que haja, afinal, empenho na Reforma Política, popularizando seus temas, com ênfase no financiamento público exclusivo das campanhas e na fidelidade partidária. Que todos os detentores de cargos eletivos tenham seus sigilos fiscal e bancário abertos durante o exercício dos mandatos, e que também não possam obter, neste período, concessões para exploração de emissoras de rádio e televisão. Além do mais, é fundamental a regulamentação dos mecanismos de democracia direta previstos em nossa Constituição, para se garantir a mais ampla participação popular nos rumos do Governo.

8 - Face à crise de legitimidade e credibilidade que atinge membros da Direção Nacional do Partido, propomos a recomposição da Executiva, sem a presença de todos os dirigentes acusados - que devem dedicar-se à sua defesa - e presidida por quem tenha autoridade moral e isenção política para conduzir o PT até às eleições internas, em setembro. Esta direção provisória precisa restabelecer a democracia interna, estimulando a participação da militância e garantindo total transparência, com a formação de uma Comissão de Sindicância que realize ampla auditoria nas contas partidárias e apure eventuais responsabilidades de dirigentes em relação às denúncias, que devem também ser objeto de Comissão de Ética Interna.

9 - Sem estas iniciativas básicas e urgentes, o governo e o PT, partido político cuja maioria da Direção Nacional vem conflitando com seu programa e estatuto, correm sérios riscos. Mas o abafamento da esperança e o crescente desencanto afetará sobretudo a própria República, que não existe sem cidadania ativa. É agora, ou teremos transformado em fracasso político e ético a chance histórica que 53 milhões de brasileiro(a)s nos concederam.

10 - Por isso, conclamamos a militância petista - nosso patrimônio maior - a fazer do momento das eleições internas (PED) a oportunidade para substituir a atual direção partidária, responsável maior pela crise em que se encontra o nosso partido. E para garantir a eleição de companheiro(a)s comprometido(a)s com o resgate da credibilidade de um partido que ainda se reivindique ético, militante, democrático e socialista.

Brasília, 05 de julho de 2005.

 

Redação Carta Maior, Brasília, 05/07/2005 


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