Protocolo de Kyoto: apenas um grande negócio

 

          

Para pesquisadores presentes à 60ª Reunião Anual da SBPC, mecanismo de desenvolvimento limpo transformou o acordo mundial em um novo sistema financeiro
 

As medidas propostas no Protocolo de Kyoto para a redução de emissões de gases de efeito estufa, assim como sua condução por parte da União Européia, têm sido alvo de críticas em todo o mundo. Em conferência proferida nesta quinta-feira [17], na 60ª Reunião Anual da SBPC, a geógrafa italiana Teresa Isenburg, pesquisadora da Universidade de Milão, fez coro a esse posicionamento. 

“O comércio de cotas é oportunista e pode diminuir obrigações daqueles que jogam CO2 na atmosfera. Reduzir emissões na Europa custa mais que na China, por exemplo. Por trás dessas escolhas há razões econômicas muito claras”, afirmou. 

Um exemplo apontado por Isenburg foi o da Itália, que organizou um fundo de carbono, junto com o Banco Mundial, para investir em países como China e Marrocos por ter aumentado fortemente suas emissões. “Em vez de diminuir 5%, o país aumentou a emissão em 15% ou mais. São 95 milhões de toneladas de CO2 que precisam ser reduzidos até 2012, mas que serão trocados por créditos na China. É um imenso negócio”, afirma. 

José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (Nessa/USP), concorda com a pesquisadora. Para ele, o balanço com relação à condução do acordo, por parte da União Européia, é altamente negativo. 

“O Protocolo de Kyoto não serve para absolutamente nada, foi uma piada histórica. Onde ele foi levado mais a sério? Na Europa, que montou um novo mercado financeiro, que afeta pouquíssimos”, disse. 

O pesquisador entende que os atores que negociaram o protocolo não acreditaram nas previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). “Não digo que eles acreditaram na tese oposta, porque nesse caso não haveria razão para fazer protocolo nenhum, mas eles tinham muitas dúvidas sobre o que hoje vem sendo apresentado como certeza”. 

O poder de decisão concentrado nas mãos da Comissão Européia é também condenado. “Trata-se de uma tecnoestrutura poderosíssima, que governa uma porção muito rica do mundo, e que tem um poder decisional e executivo sobre o protocolo, longe da sociedade civil”, aponta Isenburg. 

Apesar das críticas, a pesquisadora destaca dois aspectos positivos do Protocolo de Kyoto. Um deles é a negociação multilateral, a partir da conferência Rio 92, dentro de uma conjuntura internacional particular e favorável, já que os EUA estavam empenhados na Guerra do Golfo e a União Soviética tinha acabado de ruir. 

O outro ponto foi a existência de principio de responsabilidade comum e ao mesmo tempo diferenciado. “A atmosfera diz respeito a todo o mundo, mas uns têm mais responsabilidade, aqueles que nela jogam ou jogaram gases de efeito estufa, que são os que primeiro viveram a revolução industrial”, explica. 

E, na avaliação da pesquisadora, o principal mérito do acordo foi despertar o mundo para o aquecimento global. “No sentido quantitativo entendo que o protocolo é inócuo, porque propõe uma quantidade absolutamente ridícula para redução das emissões, mas ele é importante por chamar a atenção internacional sobre o assunto”, apontou. 

Propostas 

José Eli da Veiga ressalta que os EUA, independentemente do resultado das eleições presidenciais, discutirão no próximo ano as bases de uma lei de controle de emissões de gases de efeito estufa. 

Segundo ele, três principais lobbies estão sendo formados. O mais importante apóia esse sistema do “cap and trade” (captura e comércio), com apoio de grandes empresas. O mecanismo, que já vigora na Europa, surgiu nos EUA para combater as emissões de dióxido de sulfúreo, causadoras de chuva ácida. 

Outro lobby, formado por economistas e cientistas, defende a cobrança de impostos sobre a emissão. Esse grupo acredita que a estratégia do "cap and trade" não funciona para o carbono na mesma medida em que o caso da chuva ácida, por dois motivos principais: o grande número de emissores e a falta de soluções tecnológicas adequadas. 

Uma terceira proposta – ainda pouco conhecida, mas que na avaliação de José Eli é bastante criativa – entende ser necessário estabelecer cotas não sobre as emissões, mas sobre o fornecimento de energias fósseis. A torneira estaria no uso das energias fósseis, encarecendo o fornecimento de energia para o consumidor final, com compensação para quem usar menos. 

Para Teresa Isenburg, as negociações para o pós-Kyoto iniciadas este ano retomam o multilateralismo, com a entrada da China na discussão. A pesquisadora alerta quanto ao risco de manutenção do descolamento entre a gravidade da situação e as iniciativas políticas, e defende uma participação maior da sociedade civil na tomada de decisões pelos governos.

 

Fonte: SBPC, JC e-mail, n. 3557, Daniela Oliveira, 18/7/08.

 


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