Reforma da Previdência: dois lados da laranja podre
 

Sociólogo fundador do PT diz que os fundos constitucionais e de pensão estão dando origem a uma nova classe social no Brasil, formada basicamente por intelectuais do PSDB e petistas oriundos do movimento sindical

Em tramitação no Senado Federal, a reforma da Previdência foi objeto de mais um debate na semana passada. Inconformados com os encaminhamentos dados pelo governo federal ao empurrar goela abaixo dos servidores uma reforma que, segundo eles, só trará prejuízos para o país, a Coordenação Nacional de Entidades dos Servidores Federais (CNESF), embora suas bases não estejam mais em greve, realizou um debate com intelectuais sobre o assunto como parte do calendário de mobilizações enquanto a PEC 67 tramita no Congresso.

A participação dos economistas Ivo Loyola, Wilson Cano e Plínio de Arruda Sampaio Júnior, além do sociólogo Chico de Oliveira, da médica Lílian Costallat e do economista Plínio de Arruda Sampaio, foi suficiente para mostrar ao país não só as con­tradições do governo Lula, mas sobretudo o imenso prejuízo que a reforma previdenciária trará para o povo brasileiro.

Para explicar os motivos que levaram os petistas do governo a apoiar a reforma nos moldes que sempre contestaram, o sociólogo Chico de Oliveira foi na raiz da formação do grupo que hoje governa o país. Ele explicou que os fundos constitucionais e de pensão deram origem a uma nova classe social formada basicamente por ex-dirigentes sindicais e ex-intelectuais.

"Criou-se no Brasil uma nova casta ou uma nova classe social. Esta casta ou classe social é, teoricamente, formada, de um lado, por ex-sindicalistas, e de outro por ex-intelectuais, e esse conjunto dirigiu as privatizações das grandes empresas estatais nos últimos anos, sobretudo nos oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso. Por isso é difícil se fazer uma oposição ao PT".

Com esse pressuposto, o sociólogo Chico de Oliveira, fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), mostrou que não há um desvio ideológico por parte dos petistas do governo, na defesa da reforma da previdência determinada pelo Fundo Monetário Inter­nacional (FMI) e pelo Consenso de Washington, contrariando toda a história do PT. A defesa da reforma, segundo ele, é fundamentada em princípios construídos e opiniões formadas ao longo das gestões dos fundos durante as décadas de 1980 e 90.

Na verdade, afirma o sociólogo, a reforma da Previdência promovida pelo atual governo não passa de mais um negócio, "porque o sistema capitalista se move por negócios, por interesses de pessoas, de grupos, de classes". "São por interesses de uma casta que hoje vige a reforma da Previdência", afirma.

A nova casta, no entendimento de Chico de Oliveira, forma o que chama de " a outra metade de uma laranja". De um lado, um conjunto de ex-dirigentes sindicais ou ainda com mandato sindical cuja característica principal, em sua trajetória profissional, é a gestão de fundos; do outro, ex-intelectuais. Os ex-intelectuais atuando em primeiro lugar nos fundos que a Constituição criou, como o de Amparo ao Trabalhador (FAT), o qual alimenta o BNDES. Em segundo lugar, os ex-sindicalistas, gestores dos fundos das empresas estatais, uma criação antiga que vem desde a ditadura militar.

A atuação nesses setores formou o caráter desses grupos gestores de fundos e de privatizações. Todos eles, segundo Chico de Oliveira, migraram do setor público - até mesmo de dentro do governo, como é o caso dos ex-intelectuais - para os bancos e entidades do sistema financeiro. O último que percorreu essa trajetória foi o ex-ministro Pedro Malan, cujo mandato no Ministério da Fazenda foi o mais longo da história re­publicana do Brasil. Ele ficou no cargo durante oito longos anos e, ao sair do governo e passar pela quarentena, tornou-se vice-presidente do Unibanco.

Nos últimos anos, ex-sindicalistas passaram a gerir fundos como o FAT e, no decorrer dessa atuação, procuraram beneficiar sobretudo a lucratividade desses fundos. Essas duas metades (da laranja) formam o que chamam de "modernidade" brasileira. A reforma da Previdência, primeira grande ação do governo Lula no Congresso Nacional, de acordo com o sociólogo, não passa de um grande negócio para favorecimento dos bancos. Por isso, apesar de todos os estudos feitos por entidades sindicais e universidades demonstrando que não há déficit no sistema de seguridade social no Brasil, o governo Lula insiste em aprovar a reforma.

Atentos aos conselhos de Oliveira, os funcionários que participaram do debate entenderam que o Estado brasileiro gastará mais para fazer a reforma previdenciária do que se não a fizesse, porque vai ter de contribuir - e com muito dinheiro profundo -, pois vai ter de alguma maneira de continuar a sustentar a aposentadoria dos que já estão aposentados. O déficit aumentará, pois trata-se apenas de transferir recursos para os fundos de previdência.

Chico de Oliveira afirma que o governo petista está implementando o mesmo projeto de Fernando Henrique. "E alguém ainda acrescentaria, com bom humor, que o saco de maldades cresceu um pouquinho", diz. Ele acha que a única maneira de impedir o go­verno de cumprir as ordens do FMI é conseguir a capacidade de veto. Ele conclamou os funcionários públicos a travar uma batalha no Senado a fim de barrar a reforma e, se não conseguir, recorrer à Justiça disparando recursos judiciais em todas as direções. Caso esses recursos não impeçam a privatização da previdência brasileira, ele aconselha os servidores a desencadear movimentos de desobediência civil nos setores fundamentais do Estado.

 

Fonte: CNESF - Carla Lisboa.


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