Entrevista
Prof. Marco Antônio Rodrigues Dias

"Os acordos da Alca e da OMC são, no mínimo, preocupantes"


Um dos maiores críticos do desmonte do sistema público de educação, o professor brasileiro Marco Antônio Rodrigues Dias não mede palavras para denunciar os riscos que os países latino-americanos correm quando o assunto é Alca. Ex-diretor da divisão de ensino superior da Unesco e atual consultor da Universidade das Nações Unidas, o professor vive em Paris mas continua atento aos acordos que estão sendo feitos muitas vezes na surdina no âmbito da Organização Mundial do Comércio e nas reuniões temáticas da Área de Livre Comércio das Américas. Marco Antônio Dias explica por que a universidade precisa resistir a estes acordos e como grandes interesses econômicos estão por trás da proposta de incluir a educação nas negociações do setor de serviços.

 

Que papel exerce a OMC no mundo atual?
O grande problema com a Organização Mundial do Comércio é que, sem que as opiniões públicas do mundo inteiro fossem advertidas, criou-se um governo econômico mundial, ao qual devem submeter-se todos os países membros, abdicando de pontos importantes de sua soberania.
Vejam bem o que aconteceu com a União Européia. Os povos europeus renunciaram a aspectos importantes de sua soberania por exemplo o de cunhar suas próprias moedas. Mas, tudo isto foi debatido e, mais que isto, o tratado foi submetido a plebiscito em todas as nações. Além disso nem todos os países europeus aprovaram a moeda única, alguns preferiram ficar fora.
Com a OMC é diferente. Ela foi criada em 1995 e ficou estabelecido, entre outras coisas, que os países deverão, sem consultar suas populações, modificar suas constituições e legislações para adequá-las aos acordos firmados dentro da OMC.
Esta organização engloba poderes executivos, legislativos e judiciários, mantendo uma espécie de tribunal, cujas decisões, na prática, não comportam revisões e que não podem ser revistas pelos tribunais nacionais.

E a educação, como entra nestes tratados?
Para ser gentil, diria que de maneira preocupante. Nos acordos firmados no quadro da OMC, em particular no Acordo Geral de Comércio de Serviços, estabeleceu-se que todos os serviços devem submeter-se às normas da organização.
A exceção são os serviços fornecidos no exercício da autoridade governamental e não sejam providos numa base comercial nem permitam a competição. Mas o secretariado da OMC deixou claro que a educação pode ser tratada como serviço comercial. E, mais tarde, elaborou uma lista de serviços que inclui praticamente todas as funções governamentais, inclusive meio ambiente, saúde e educação.

E que impacto estas discussões, caso sejam colocadas em prática, podem ter sobre as políticas educacionais do país?
O diretor geral da OMC, que nisso é seguido por vários governantes e diplomatas na América Latina, disse que isto não cria nenhum problema, porque os países são livres para colocar em jogo a abertura dos serviços educacionais.
Não é seguramente o que pensam os norte-americanos que, embora digam que respeitam os serviços públicos dos demais países, apresentaram reivindicações extremamente detalhadas sobre a liberalização do setor, indicando como obstáculos inclusive as subvenções a instituições nacionais.

E como o ensino superior fica neste contexto?
Acredito que face à situação atual do mundo, a discussão sobre o papel de cada estabelecimento de ensino superior é essencial. E nesse debate a definição de um projeto para cada país ou grupos de países, é fundamental.
Muitos estão dizendo que levantar esta questão é inútil porque a comercialização já está aí. A prova é o fato de 70 a 80% dos estudantes de nível superior estarem matriculados, no Brasil, em estabelecimentos particulares.
Mas este é outro debate. Em direito público, aprende-se que os governos e aí não é só o Executivo, são os outros poderes também, têm o direito de usar do sistema de delegação, concessão ou autorização que permite que instituições de direito privado exerçam funções públicas.
Isto deve ser feito dentro de regras claras, definidas por lei e objeto de discussão com a sociedade. Caso um governo não exerça sua função de defesa da população, de defesa do serviço público, o sistema prevê elementos corretivos, no Legislativo e nos tribunais.
Além disso, os cidadãos bem formados terão sempre a possibilidade de penalizar os governantes nas eleições. Nesta matéria, como em outras, o que é necessário, desde já, é solicitar dos candidatos a presidente e aos demais postos eletivos, posições claras sobre estes temas.

Com a educação reduzida exclusivamente a critérios de mercado, qual seria o impacto na qualidade e acesso à educação no país?
O que está em jogo é toda uma concepção de educação. O que se pretende é inaceitável para quem considere o ensino superior como o local onde se formam cidadãos que vão construir uma nação autônoma e soberana.
A proposta de comercialização visa também a reforçar o pensamento único, a eliminar as diferenças culturais, a impedir o desenvolvimento das especificidades nacionais. Promove-se, assim, a manipulação de consciências para que se aceite a idéia de que a globalização, conduzida nos interesses dos países ricos, é inevitável e que não há outra alternativa para a constituição das sociedades.

O senhor acredita que o capital estrangeiro vai investir pesado no setor de aducação nos países latinoamericanos?
Olhem bem: nesta matéria, a questão do dinheiro não é brincadeira. Estamos falando de bilhões de dólares. Um estudo do banco Merril Lynch calculou o mercado mundial de conhecimento através de internet em 9.4 bilhões de dólares no ano 2000, quantia que subiria a 53 bilhões em 2003.
Em 1996, segundo a própria OMC, os serviços educativos exportados pelos Estados Unidos já eram da ordem de 7 bilhões de dólares, fato que tornou a educação superior o quinto mais importante setor de exportação em serviços daquele país.

Fonte: ANDES-SN (Últimas).

 

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