Movimentos sociais e ambientalistas temem postura do governo brasileiro
 

Às vésperas do 3º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3) e da 8ª Conferência das Partes da CDB (COP-8), que acontecem em março, em Curitiba, ativistas avaliam que discurso
do governo brasileiro é dúbio.

Comemorada pelo governo, a participação destacada do Brasil na condução dos debates durante as reuniões, ocorridas em Granada (Espanha), de dois Grupos de Trabalho da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CDB) não entusiasmou tanto as organizações dos movimentos sociais. Reunidos em Curitiba nesta terça-feira (7) para uma oficina preparatória ao 3º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3) e à 8ª Conferência das Partes da CDB (COP-8) - que acontecerão em março, também na capital do Paraná - representantes de várias organizações criticaram a postura ambígua do governo brasileiro nas negociações multilaterais e no debate político interno, e manifestaram desconfiança quanto às posições que tomará o Brasil nesses dois grandes eventos internacionais.

“O governo brasileiro tem dois discursos, um da porta pra fora e outro da porta pra dentro. No cenário das negociações multilaterais, o governo defende o princípio da precaução e a adoção de um regime internacional de repartição de benefícios, entre outras posições avançadas. No debate interno, no entanto, adota posição muito mais recuada em relação a assuntos como a liberação dos transgênicos ou o reconhecimento dos direitos das populações tradicionais”, afirmou Sérgio Leitão, membro do Greenpeace e do Fórum de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS). Para ele, o governo brasileiro “abriga uma situação antagônica” que torna incerta a posição do Brasil na MOP-3 e na COP-8: “De um lado está o Ministério do Meio Ambiente (MMA) que, apesar das críticas que fazemos, tem posição muito próxima aos movimentos sociais. De outro lado temos o eixo do mal formado pelos ministérios da Agricultura (Mapa) e da Ciência e Tecnologia (MCT) e pelo Itamaraty”, disse.

Advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Fernando Mathias lamentou a “sistemática frustrante” das reuniões de Granada e os rumos da discussão sobre a adoção de um regime internacional de repartição de benefícios: “O governo brasileiro aceitou as regras do jogo. Está se valendo da posição de maior país megabiodiverso que tem o Brasil somente com o intuito de ganhar também o seu quinhão com a exploração da biodiversidade. Nas discussões multilaterais, o Brasil não se opõe à idéia dominante sobre propriedade intelectual e patentes que vigora no planeta. Infelizmente, a discussão sobre repartição de benefícios está sendo travada nessa lógica de monetarização da biodiversidade”, disse. Mathias também se queixou da ambigüidade do governo: “O governo brasileiro apóia publicamente os termos da CDB nos fóruns internacionais, mas não aplica esses termos no próprio país”, disse.

Membro da Assessoria a Serviços e Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos , Gabriel Fernandes lamentou que, nas recomendações que serão enviadas à MOP-3 e à COP-8, os GTs reunidos em Granada não tenham incluído a reafirmação da moratória total para os pedidos de pesquisa e comercialização das Técnicas Genéticas de Restrição de Uso (Gurts, na sigla em inglês), também conhecidas como sementes suicidas. “Esperávamos que a moratória, decidida em 2001, fosse reafirmada antes da MOP-3 e da COP-8, mas isso não ocorreu. O risco de um retrocesso em Curitiba é grande”, avaliou. A proposta de que cada país analise caso a caso os pedidos relativos às Gurts que lhes forem encaminhados, também parte da carta de recomendações elaborada na Espanha, foi outro motivo de crítica: “Empurrar para as legislações nacionais o poder de decidir caso a caso é uma jogada para sepultar de vez a moratória”, disse Fernandes.

Brasil da Syngenta?

A aposta dos movimentos será forçar ao máximo o diálogo com a delegação brasileira durante os eventos internacionais de Curitiba. “A MOP-3 e a COP-8 representam uma oportunidade única que têm as organizações da sociedade civil para agir junto a seus governos e impactar as políticas públicas. É preciso exercer pressão. Nesses processos de discussão multilateral sobre textos de protocolos internacionais, muitas vezes um funcionário do Itamaraty tem mais poder de mudar as coisas do que um senador da República”, afirmou Sérgio Leitão. O ambientalista indaga qual Brasil será visto em Curitiba: “Será o Brasil que pensa igual à Syngenta?”, disse, fazendo referência à presença na delegação brasileira em Granada do empresário Joaquim Machado, representante do Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (Cebedes) e ligado a segunda maior empresa de biotecnologia do planeta.

Dirigente da ONG Terra de Direitos, Maria Rita rechaça a idéia, defendida por alguns setores do governo, de que as discussões internas do Brasil não sejam tornadas públicas durante a MOP-3 e a COP-8. “Ao contrário, as discussões travadas em Curitiba vão influenciar enormemente o andamento dos projetos e debates sobre biodiversidade aqui no Brasil, tanto nos ministérios quanto no Congresso”, disse. Maria Rita afirma temer que um retrocesso nas discussões internacionais possa atrasar as coisas também no plano interno. “Se for tomada pela CDB uma decisão ruim como a liberação de algumas modalidades de Gurts, por exemplo, isso servirá como estímulo para que empresários ou parlamentares brasileiros atuem abertamente contra o meio ambiente. Eles se sentirão respaldados por uma espécie de selo de qualidade verde internacional”, imagina.

Apesar dos temores e desconfianças , as organizações dos movimentos sociais vão usar o tempo que resta até a MOP-3 e a COP-8 para tentar influenciar positivamente o governo brasileiro no sentido da adoção de uma posição avançada em Curitiba: “Esperamos que o Brasil, na condição de anfitrião e presidente da COP pelos próximos dois anos, atue firmemente na defesa dos princípios da CDB e destaque todos os possíveis impactos sociais e ambientais dos novos temas em discussão”, disse Gabriel Fernandes.
 

Fonte: Ag. Carta Maior, Curitiba, 7/2/06.


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