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A armadilha
do Fox
 

 

 

Oito donos do carro da Volkswagen perderam parte do dedo ao rebater o banco traseiro.
A empresa descarta fazer recall

O primeiro carro do químico Gustavo Funada, de 58 anos, morador de São José dos Campos, São Paulo, foi um Fusca 1972. De lá para cá, Funada já foi proprietário de um Passat, uma Variant, um Gol e uma Kombi – todos carros da Volkswagen. Em dezembro de 2004, a afinidade de Funada com a marca alemã se transformou em trauma. Quando tentava ampliar o espaço do porta-malas de seu Fox, Funada teve parte do dedo médio da mão direita decepado. “Fui rebater o banco para guardar compras. Como não achei a alça, puxei uma argola com o dedo e empurrei o encosto, que desceu com violência. Foi uma dor intensa. Quando percebi, a ponta do meu dedo estava caída dentro do porta-malas”, diz. 

Rebater o banco traseiro do Fox não é uma operação complicada. O usuário deve puxar uma pequena alça flexível que fica presa a uma argola de metal na parte inferior do encosto. O problema é quando alguém ajusta o dedo na argola, como fez Funada. Ao ser destravado, o mecanismo aciona uma mola que puxa a argola para dentro, prendendo assim o dedo do usuário (leia o quadro ). Nos últimos três anos, pelo menos sete pessoas, além de Funada, dizem que perderam parte do dedo assim. Um nono usuário, o pecuarista

 


DECEPADO
O químico Funada sem a ponta do dedo médio, cortada no banco do Fox

Antônio Félix de Souza, de Goiânia, Goiás, afirma que teve a mão esquerda gravemente atingida ao tirar um dedo da mão direita da argola. Segundo ele, o banco parcialmente suspenso caiu sobre sua mão esquerda, apoiada no assoalho. Souza conseguiu reconstruir três dedos esmagados e recuperar os movimentos. 

Para a advogada Maria Inês Dolci, coordenadora da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, há dados suficientes para que a Volkswagen convoque um recall. “Pela quantidade de pessoas prejudicadas com o mesmo problema, o recall já devia ter sido feito”, diz. Em mensagem enviada por e-mail, a assessoria de imprensa da montadora diz que a empresa estudou todos os acidentes e concluiu que o sistema está de acordo com as normas de segurança. O recall foi descartado. “Os procedimentos do manuseio do sistema de rebatimento encontram-se descritos no Manual do Proprietário”, diz. 

A pedido de ÉPOCA, o engenheiro Márcio Montesani, diretor do Núcleo de Perícias Técnicas de São Paulo, analisou o rebatimento do Fox. Especialista em perícias automotivas, ele critica o sistema e o manual: “Há erro de projeto. O dispositivo induz o usuário a colocar o dedo instintivamente na argola, o que pode resultar em mutilação. E o manual deveria prevenir sobre falhas na operação. Dizer como proceder na ausência da alça”. 

De acordo com Montesani, o Fox exportado para a Europa tem um sistema mais seguro. No lugar da alça e da argola, há uma alavanca de metal paralela à base. “Não é possível sofrer esse tipo de ferimento no Fox europeu”, diz. A Volks afirma que as diferenças são decorrentes dos aspectos técnicos e legais de cada mercado: “Na Europa, o veículo é concebido para quatro lugares, enquanto nos demais países é para cinco. Nesse sentido, pode haver diferentes conceitos de produtos”. 

Desde 2004, Funada passou por quatro cirurgias para recuperar a sensibilidade e até hoje relata dores. Ele diz que demorou cinco meses para chegar perto do porta-malas novamente, mas não se desfez do carro: “Não o vendi por medo de mais alguém se machucar”. Dos nove feridos entrevistados por ÉPOCA, só dois ainda não entraram na Justiça contra a montadora: o servidor Marcos Aurélio Dias, de Suzano, São Paulo, acidentado no dia 19 de janeiro, e o técnico de som Pedro Saldanha, do Rio de Janeiro. “Pior que a dor física é a sensação de perder uma parte do corpo”, afirma Saldanha. Os dois disseram que irão à Justiça.

 


Argola desleal

  Entenda o erro que pode decepar o dedo


O manual do Volkswagen Fox orienta o proprietário a fazer o rebatimento do banco pela traseira do carro, com a porta do porta-malas aberta.

 


O primeiro passo para rebater o banco é destravar o encosto. Para isso, basta puxar uma alça flexível que fica presa numa argola de metal.

 


Acidentes ocorrem quando a pessoa, instintivamente, coloca o dedo na argola de metal. Destravado, o mecanismo puxa a argola com força, o que pode decepar a ponta do dedo.

 

Fonte: Rev. Época, Flavio Machado, ed. 507, 31/1/2008.
Foto: Rogério Albuquerque/Ag. Fotogarrafa/ÉPOCA

 


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