Avaliação do ensino superior
Lafaiete Neves*

 

Recentemente, o Ministério da Educação divulgou os resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). O Enade 2004 avaliou 13 cursos do Sistema de Ensino Superior Brasileiro.

A divulgação dos resultados dos cursos avaliados no Paraná, causou uma grande controvérsia entre os dirigentes das instituições de ensino superior do estado. A controvérsia deu-se por causa do bom desempenho dos alunos iniciantes em relação aos alunos concluintes.

Ao circunscrever o debate nesses dois aspectos da avaliação, perdeu-se de vista o real caráter desta avaliação promovida pelo MEC.

É necessário resgatar a visão geral que explica a lógica deste processo de avaliação nacional de cursos para entender suas particularidades, senão o risco será a análise particular de uma parte avaliada em relação à totalidade dos cursos de nível superior ofuscar a visão da política de ensino superior, que comanda esse processo de avaliação.

A avaliação do Ensino Superior, no Brasil surgiu no início dos anos 90 por exigência das agências internacionais de financiamento como do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Os relatórios do Banco Mundial, na década de 90, trazem um diagnóstico do ensino superior brasileiro em que busca demonstrar o grande desperdício de recursos públicos na educação superior em detrimento do ensino fundamental. Analisa ainda o divórcio existente entre a universidade e o sistema produtivo e defende a necessidade de o governo brasileiro ser mais austero com os gastos públicos eliminando a gratuidade no ensino superior. Com esta análise afirma a necessidade de um sistema rígido de avaliação do ensino em todos os níveis, para que economize recursos para pagar os juros das dívidas interna e externa.

Este diagnóstico do Banco Mundial é assumido por todos os governos na esfera federal a partir dos anos 90. Teve início com Collor de Mello, que devido ao impeachment não pode avançar nessa política. Ao assumir o governo em 1994, Fernando Henrique Cardoso, nomeou ministro da Educação Paulo Renato de Souza, então consultor do Banco Mundial e, logicamente, muito afinado com a política dessa instituição internacional.

O governo FHC criou vários mecanismos de avaliação, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e o Exame Nacional de Cursos (Provão).

O governo Lula, em 2003, criou uma comissão para propor um novo modelo de avaliação do ensino superior. A comissão apresentou um relatório no qual propunha um sistema nacional de avaliação. Em dezembro de 2003, por medida provisória, o governo federal instituiu o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes). Em dezembro de 2004, o MEC baixou a Portaria 2.051, que regulamentou os procedimentos de avaliação do ensino superior, sem qualquer debate com a comunidade universitária. Logo se vê que é a implantação de uma medida já acordada anteriormente com os organismos internacionais.

Na regulamentação fica definido que haverá uma avaliação interna, conduzida pela Comissão Própria de avaliação (CPA) de cada instituição de ensino superior e a avaliação externa conduzida pelo MEC e coordenada pelo Inep, que avaliará os cursos de graduação aplicando conceitos numa escala de 1 a 5, sendo o nível 3 o mínimo para credenciamento ou recredenciamento e os níveis 1 a 2, indicando que a instituição na sua avaliação apresenta pontos fracos, sendo que as instituições enquadradas nesses níveis devem assinar um protocolo com o MEC para superar suas dificuldades.

Nesses termos, o Enade tem um caráter punitivo, devendo constar no currículo do aluno o período que ele fez o exame. Ao definir um escala de 1 a 5, acaba criando um ranking entre as instituições, o que refletirá no futuro da vida profissional do aluno, quer seja na procura de emprego ou cursos de pós-graduação.

Então a lógica do Enade é a mesma do Provão, que foi tão criticado pelo seu caráter punitivo e pela parcialidade da avaliação que acabava destacando na mídia e na opinião pública apenas o resultado da prova do aluno. Dessa forma esconde as diferenças substantivas entre as várias instituições de ensino superior, suprimindo suas diferenças em relação à estrutura de ensino, pesquisa e extensão, o nível de titulação do corpo docente, a produção acadêmica de professores e alunos. Ou seja, acaba nivelando por baixo as instituições de ensino superior. Além de gritantes distorções feitas por este tipo de avaliação parcial, que divulga a baixa nota de um curso, como por exemplo, o de Serviço Social da PUCPR, em que os alunos, por decisão de seus fóruns nacionais, deliberaram de forma democrática, que não concordavam com este tipo de avaliação e por isso iriam boicotar indo até o local da prova para cumprir uma exigência e entregar as provas em branco. Logo, esse curso não foi avaliado. Mas, como precisava ter uma nota mínima, deram nota 1, já que 4% dos alunos responderam alguma pergunta. O Curso de Serviço Social da PUCPR é uma referência nacional em Serviço Social e tem um corpo docente e uma produção acadêmica das mais destacadas da instituição. O caráter punitivo deste tipo de avaliação fica evidente quando se ameaça não autorizar o curso de mestrado em Serviço Social da PUCPR. É assim que se destrói o sentido educativo de um processo de avaliação, negando todos os paradigmas de um verdadeiro processo de educação para a liberdade.


* Lafaiete Neves é Doutor em Economia pela UFPR, professor aposentado da UFPR e professor dos Cursos de Economia e Serviço Social da PUCPR.

 

Fonte: ANDES-SN, 11/05/2005.


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