A avaliação da pós-graduação no governo Lula
Nivaldo Eduardo Rizzi*
 

Parte I

Que, com esta visão, delega poderes para os responsáveis atuais pela Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - consolidarem um processo engendrado nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso que, a nosso ver, muitas vezes, não constrói uma pós-graduação e não consolida a Ciência e Tecnologia de interesse nacional. Fazer uma análise sobre a atuação da Capes é muito difícil, pois, no meio acadêmico, isto é muitas vezes passível de rotulação de ser contrário ao processo de avaliação.

A atual administração da Capes omite-se em responder a duas grandes questões: o que vem primeiro, a pesquisa ou a pós-graduação? Qual é o cenário ideal de correlação entre avaliação pela produtividade e a formação de recursos humanos pelos programas de pós-graduação? Não respondendo a essas questões, trata a pós-graduação no varejo e atrela a Agência ao exercício do domínio do saber por grupos institucionais e acadêmicos. À medida que exige pesquisador com alta produtividade e grupos de pesquisa consolidados como pré-requisito para criação de novos programas, a Capes mantém o sistema e faz a política de "reserva de mercado".

Poderia ser mais cômodo mostrar que a UFPR, no último triênio da avaliação, teve 13 programas melhorados em seus conceitos e, atualmente, 75% de seus programas de Mestrado e Doutorado possuem conceito igual ou superior a 4 (o mínimo é 3). Poderia também dizer que os atuais 45 cursos de Mestrado e os 27 Doutorados, em 2003, produziram 650 mestres e 160 doutores e também 5.256 itens de produção intelectual, incluindo artigos técnicos científicos. Ou ainda, que a UFPR edita 28 revistas técnico-científicas, importantes veículos de disseminação e universalização da produção do conhecimento e que, agora, através do Siste-ma Eletrônico de Revistas (SER), as coloca em meio eletrônico e conseqüentemente de circulação internacional.

Já em registro sobre o Programa de Excelência Acadêmica (Proex/Capes), afirmava que a atual administração da Capes se caracteriza por uma visão de "centro de excelência" que concentra ainda mais a pós-graduação, retirando das Instituições de Ensino Superior (IES) a discussão solidária e democrática de desenvolvimento de um sistema de pós-graduação próprio e integrado. A visão cartesiana, tão própria de muitos setores do governo, não pode, em hipótese alguma, ser adotada por Agência que deve primar por uma visão integrada do conjunto dos programas de pós-graduação, onde, assim como é necessário um programa com conceito 7, também é necessário um com conceito 3 na mesma área de conhecimento. Além do mais, historicamente tem perdido sentido a propalada descentralização da C&T pelo simples fortalecimento dos denominados "pólos irradiadores" ou mais recentemente denominados "centros de excelência".

É necessária uma melhor definição da concepção da pós-graduação por parte da Capes pois atualmente existe uma maximização de critérios de produtividade intelectual em detrimento de critérios de capacitação de recursos humanos (titulação de mestres e doutores), que deve ser o marco teórico de avaliação dos programas de pós-graduação. Avaliação da pós-graduação que maximiza critérios quantitativos e ignora aspectos qualitativos, desconsiderando a importância do programa para o desenvolvimento regional e formação de recursos humanos localizados, "engessa" o sistema e não permite sua expansão para atender a demanda social.

Há necessidade de mudança de critérios de gerenciamento do sistema de pós-graduação que respeitem as especificidades de áreas e regiões. As IES devem ser parceiras na estruturação de políticas de ciência, tecnologia e inovação que mantenham uma interação com a comunidade local e participem das políticas públicas de desenvolvimento regional. A introdução de variáveis de competitividade e concorrência entre programas de mesma área não interessa para o desenvolvimento da pós-graduação, pois não considera a importância relativa de cada programa no conjunto do desenvolvimento da área de conhecimento.


Parte II

Em recente artigo intitulado "O Sentido Democrático da Avaliação", o atual diretor de Avaliação da Capes, dr. Renato Janine Ribeiro, afirma que "resumindo, a avaliação deve sempre ser entendida como uma ponte para o futuro, não como uma ferramenta punitiva ou como mera descrição". Continuando, afirma "portanto, a avaliação, se ela deve destacar os aristoi, os melhores, não pode nem deve conferir a eles o poder, a cracia, sobre a sociedade". Mais ainda, "a avaliação - sendo além de mais custosa - não pode constituir um fim em si mesmo. Não tem sentido apenas dar notas, nem mesmo dar notas somente para delinear uma hierarquia de atribuição de recursos. O objetivo sempre deve ir adiante disso. Por exemplo, no caso da avaliação dos cursos, a meta tem de ser: como fazer que os grupos de pesquisadores e de formação de mestres e doutores socializem o melhor possível tanto o conhecimento quanto a transmissão do mesmo? Finalmente, "ainda, é preciso levar em conta que a avaliação, embora permita o melhor uso de geralmente escassos recursos públicos, não deve ser entendida simplesmente como uma maneira de repartir a pobreza". Escrito está, compartilhado também, mas longe da prática política administrativa da atual administração da Capes.

A crise é, portanto, de concepção e, conseqüentemente, da definição das variáveis que possam levar à consolidação e ampliação do sistema de pós-graduação nacional e esta não deve se resolver apenas com a elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação, pois, apesar de indicar as diretrizes de um modelo nacional de pós-graduação, depende da vontade política e das concepções individualizadas dos dirigentes da Capes. A estrutura organizacional da Capes permite a universalização da discussão de concepções, muito embora os Comitês Técnicos de Áreas (CTAs) e Comitê Técnico Científico (CTC) precisem ser sensibilizados para essa discussão.

Não há como expandir a graduação com qualidade sem o mínimo de docentes qualificados em nível de Doutorado e com atuação em pesquisa e, portanto, a pós-graduação deve ser entendida como requisito para a expansão do sistema federal de ensino superior. A expansão do sistema de pós-graduação depende da relação ótima de orientado por professor, de políticas permanentes de capacitação de doutores, bem como de reformulação de critérios de avaliação dos programas, orientando-a para absorção de novos alunos e incorporação de doutores no sistema de pós-graduação das IES - Instituições de Ensino Superior.

Há necessidade de se inverter a ótica atual de formulação de política de ensino, ciência e tecnologia pelas Agências Nacionais, trazendo para o debate, como parceiras nessas formulações, as IES de forma a respeitar editais específicos e regionais de desenvolvimento. As IES devem ter autonomia e serem apoiadas com recursos financeiros na definição de políticas de ciência e tecnologia que priorizem, através de planejamento estratégico, áreas, linhas e projetos que considerem, em consonância com políticas estaduais, mais importantes para sua região.

Há necessidade de reverter a ótica exclusivista de internacionalização dos programas pela publicação de artigos em revistas editadas no exterior. O critério de internacionalização, além da publicação em revistas editadas no exterior, deve também considerar revistas técnico-científicas nacionais (de circulação nacional e internacional). Para isto, as agências nacionais devem adotar políticas de internacionalização de revistas nacionais, o que implica aporte de recursos. Além do mais, a internacionalização deve contemplar outras atividades dos programas, como, por exemplo, titulados estrangeiros, convênios e realização de seminários internacionais.

As denominadas listas "Qualis A", como instrumento de avaliação, estão viciadas na origem pois são definidas em função de indexadores internacionais que primam pelo controle da informação, controlam a disseminação do saber e, muitas vezes, cobram pelo serviço. A ótica dessas listas é mercadológica. Muitas IES têm hoje revistas técnicas em impresso e meio eletrônico que universalizam o conhecimento e são classificadas em última escala de pontuação. Mas a tendência à inércia da prática também acena para listas de Congressos e Seminários e listas de Livros, que mostram a visão estereotipada e elitista na produção do conhecimento e na disseminação do saber.

Com este fim, é necessário que a Capes repense sua função de fomento da pós-graduação, que efetivamente introduza concepções, que mantenha a qualidade da pós-graduação, mas que se incorpore na perspectiva do governo federal de ampliação da pós-graduação. O processo de avaliação dos programas de pós-graduação internaliza essas questões de fundo conceitual, realidade esta com a qual a Capes não está preocupada. É, portanto, necessário equacionar os seguintes aspectos: - exercício de concepções individualizadas dos avaliadores - análise quantitativa e qualitativa dos programas - avaliação da tendência temporal de melhoria dos indicadores - incompatibilidade de opiniões de avaliadores com as diretrizes da Capes - concepção do ideal dimensionamento e estruturas administrativas dos programas - engessamento da potencialidade de expansão na produção de mestres e doutores - coerência no processo de criação dos comitês técnicos de áreas - representatividade dos CTAs quanto à diversidade e regiões do país - novas variáveis são introduzidas sem ampla discussão com a comunidade - critérios soberanos para a internacionalização dos programas - desconsideração quanto à realidade da ciência & tecnologia de outros países - comportamento distinto dos vários comitês técnicos de áreas - classificação de periódicos dissociados da realidade editorial brasileira (listas qualis) - qualidade de ensino pelo aporte de conhecimento do docente - impactos negativos produzidos por uma avaliação sem compromisso de expansão.

* Nivaldo Eduardo Rizzi é pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPR, doutorado em Saneamento Ambiental e pós-doutorado em Gestão da Água pela Universidade de Cantábria, Espanha.

 

Fonte: Gazeta do Povo, 11/1/2005.


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