Bancos querem mensalão

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo pressionado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) a conceder aos grandes grupos econômicos e financeiros um bilionário mensalão, em forma de perdão de dívida - seja por meio de supressão de juros sobre multas, seja por prescrição de prazo de cobrança de multas e juros da ordem de R$ 25 bilhões, referentes a práticas de corrupção cambial ligadas às importações de mercadorias como escudo para ganhar, especulativamente, com a taxa de juros, durante o período de 1997 a 2003, na era FHC.

As empresas tomavam, nesses seis anos - como continuam fazendo até hoje - recursos baratos no mercado internacional, para liquidar suas dívidas cambiais em 180 dias junto aos bancos. Mas, antes disso, jogavam o dinheiro na especulação dos juros altos. Faturaram bilhões com a taxa de juro básica (Selic), que chegou a 45% em 1997. Isso é mais que o suficiente para pagar multas e juros sobre operações cambiais especulativas aplicadas pela Receita, sobre as quais são cobrados custos financeiros mais baratos, inferiores à TJLP. Criada em 1997, pela MP 1569, para coibir operações de arbitragem entre juros externos (mais baratos) e juros internos (mais altos) - feitas por importadores, em transação com os bancos - a multa de importação passou a ser ludibriada sistematicamente por bancos e empresas desde o momento em que entrou em vigor. Os bancos e as grandes empresas transnacionais, apesar de faturar alto graças ao diferencial de juros internos e externos, passaram a atrasar além dos 180 dias de prazo que já possuíam para liquidar os compromissos cambiais. Por isso, tiveram que suportar a capitalização dos juros sobre as multas. Quem com ferro fere, com ferro será ferido.

OS CLIENTES PAGAM

Para fugir do pagamento das multas engordadas pelos juros, os devedores recorreram à Justiça. Os bancos emplacaram o argumento de que o pagamento das multas, mais os juros capitalizados, somente seria viável mediante maior prorrogação de prazo e fixação de limite de 100% do valor das importações para as multas. Disseram que tal prorrogação seria o tempo necessário para cobrar esse custo financeiro (multa + juros) dos seus clientes. Milhares de demandas judiciais, sob o ritmo lento do Judiciário, têm evitado o pagamento das dívidas dos que descobriram a fórmula da felicidade: multiplicar capital via importações bancadas por empréstimos externos baratos, que, aplicados à taxa Selic, produzem supermensalões bilionários.

Enquanto isso, os clientes dos bancos estarão pagando (amortizando) as dívidas dos banqueiros - em forma de aumento de tarifas e juro de toda a espécie disponível na rede bancária -, que somam R$ 25 bilhões, quantia que o Banco Central (BC) tem cobrado infrutiferamente. Vale dizer: transferência fantástica de renda da sociedade para o sistema financeiro e para grandes grupos empresariais transnacionais e nacionais, que se fartaram (e fartam) na arbitragem financeira especulativa. A renda disponível para o consumo, conseqüentemente, diminui na mesma proporção, em R$ 25 bilhões, intensificando a já elevada insuficiência relativa de demanda global que mantém a economia em forçado banho-maria.

Os bancos jogam com o tempo para obter prescrição dos débitos, na medida em que esticam prazos na Justiça para atrasar pagamentos dos compromissos cambiais. Mais de dois mil contratos poderão ter suas dívidas perdoadas. Funcionários do BC alertam para a possibilidade de até o final de 2005 as prescrições ocorrerem. Três mil processos que foram abertos em 2002, segundo levantamento feito dia 29 de junho pelo jornal Valor Econômico, corriam risco de prescrição - número, no momento, reduzido a 2018, pendentes. Trata-se de irregularidades cometidas antes de 2003, com amplas possibilidades de serem prescritas. O levantamento dá conta de que em setembro havia 2.333 averiguações sobre importações, correspondentes ao universo dos processos administrativos em análise no Banco Central. Os restantes são 237 processos de sonegação de cobertura cambial e 214 de irregularidades cambiais diversas. O trabalho de acompanhamento e fiscalização das intermináveis tentativas dos bancos e das transnacionais de ir empurrando com a barriga na Justiça as dívidas juridicamente caloteadas representa, atualmente, a maior fonte de ocupação dos supervisores do Banco Central. 

MP DO ÓTIMO

Enquanto tentam ganhar prazos mais longos na Justiça, que garantiriam prescrições certas - ou seja, perdão de dívidas -, e simultaneamente elevam sua taxa de lucro aumentando os custos dos serviços oferecidos aos clientes, como forma de precaução, para evitar prejuízos, os bancos cuidam, também, de emplacar nova alternativa capaz de ajudá-los a fugir dos juros sobre as multas.

Para alcançar a vitória de ganhar perdão (supermensalão) bilionário relativo a multas e juros não pagos, de R$ 25 bilhões, eles tentam convencer a ministra Dilma Rosset, da Casa Civil, e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a introduzir na chamada Medida Provisória (MP) do Bem (n. 252) artigo determinando limite de 100% do valor das importações para as multas, de forma retroativa. Antes de 1997, não havia limites para tais multas, calculadas a juros cobrados sobre capital de giro, inferior ao da Selic. Defendem que essa limitação valha para o período anterior a 2003. Vale dizer, que seja perdoada a divida em juros cobrados acima dos 100% do valor das importações para as multas, abrangendo de 1997 a 2003. A MP do Bem se transformaria, para bancos transnacionais, em MP do Ótimo.

Que faz, então, o Banco Central, para tentar garantir a receita dos juros e das multas não pagas, totalizando R$ 25 bilhões? A administração do BC, presidido por Henrique Meirelles - alvo, no momento, de cobrança de multa de R$ 1 milhão, por desvios fiscais - tenta manobrar a situação de forma a favorecer os bancos e as empresas devedoras. O BC conseguiu reduzir a abertura de processos a partir de 2003, com aprovação da Lei 10.755, que impôs teto de 100% do valor das importações para as multas. A lei faculta ao BC arbitrar valores, de modo que quantias até determinado valor sejam deixadas de lado, dado que no balanço de custos e benefícios não valeria a pena ter trabalho de cobrá-las, critério naturalmente subjetivo. Não seria preciso, portanto, abrir processos para apurar “fatos de pouca relevância” ocorridos antes de 2003.

Os bancos não ficaram satisfeitos. A lei estabelece regras para frente. É o que o Banco Central deseja inserir na MP do Bem para transformá-la em MP do Ótimo, beneficiando quem contraiu multas em operações cambiais de elevado valor. Os banqueiros querem mais. Defendem que a lei vigore, igualmente, para trás. Ficariam livres das dívidas acumuladas no período 1997-2003. Assim, o sistema financeiro e as grandes empresas, nacionais e internacionais, buscariam cercar o problema, para tentar anulá-lo. De um lado, jogando com o tempo, para alcançar prescrições sobre dívidas e juros não pagos. De outro, defendendo, retroativamente, perdão sobre a dívida (multas e juros) de R$ 25 bilhões acumulada ao longo de seis anos (1997-2003).

Enquanto isso, o Congresso Nacional se esfacela em torno da discussão sobre a corrupção do mensalão patrocinada pelos empréstimos de pouco mais de R$ 100 milhões tomados em bancos tamboretes, como Rural e BMG, por Marcos Valério, a fim de repassá-los ao PT para sustentar caixa dois eleitoral e apoio ao governo pela base político parlamentar supostamente corrompida. É a briga do milhão contra o bilhão, dos R$ 100 milhões contra R$ 25 bilhões, do mensalão contra o supermensalão, sendo que sobre esse não se toma, no Legislativo, nenhuma providência para investigar os desvios financeiros que impossibilitam a cobrança de tributos sobre os capitais especulativos, ampliados no compasso do elevado endividamento governamental ao ritmo da taxa de juro mais alta do mundo. Lula terá força para barrar as pretensões da Febraban, de modo a privilegiar ações especulativas desencadeadas na era FHC, alvo de combate encarniçado entre governistas e oposicionistas no campo de batalha das CPIs do mensalão e dos Correios?

 

Fonte: BrasildeFato, César Fonseca, ed. n. 136 (6 a 12/10/05), Brasília (DF)


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