O baú das filantrópicas

 

Demora da Previdência em julgar mais de 1.700 processos envolvendo filantrópicas abre caminho para perdão de dívida de entidades irregulares
 

Um verdadeiro baú com 1.765 processos está lacrado no Ministério da Previdência Social (MPAS). Nele estão esquecidos recursos administrativos formulados contra decisões do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que concederam Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas). 

Pela lei que regulamenta os processos administrativos (Lei 9.784/99), o ministro da Previdência tem até 30 dias para julgar recursos contra decisões do CNAS. Na prática, porém, esse prazo tem se estendido por até dez anos, o que pode beneficiar as instituições com a prescrição dos impostos devidos. É que enquanto os casos estiverem nas mãos do ministro, o governo não pode acionar essas entidades na dívida ativa. 

O Congresso em Foco teve acesso, com exclusividade, à pilha dos recursos contra decisões do CNAS pendentes de julgamento. Nela há, por exemplo, dois processos que deram entrada na Consultoria Jurídica do MPAS em 1997 e outros dois em 1998. Ao todo, são 640 recursos movidos por órgãos públicos, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Super Receita, contra a concessão ou a renovação dos certificados de filantropia de 597 instituições. Em busca de certificados, há até pressão de parlamentares.

PROCESSOS PARADOS

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Fonte: Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social.

 

Arrecadação comprometida 

Até agora, ninguém sabe exatamente o montante devido à União pelas entidades cujo título de filantrópicas está sub judice. Mas a demora do Ministério da Previdência, última instância administrativa em matéria de Cebas, pode atrapalhar os planos da Super Receita de reaver o valor que deixou de ser cobrado das instituições que tiveram seus registros de filantropia cancelados.  

Isso porque o artigo 45 da Lei 8.212/91 estipulou o prazo de dez anos para que o INSS cobrasse os créditos da seguridade social que não tivessem sido recolhidos espontaneamente pelos contribuintes. Esse período é conhecido como prazo de decadência. 

Mas uma interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já acolhida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello, reduz esse prazo para cinco anos, conforme prevê o Código Nacional Tributário, o que abre espaço para o perdão de uma série de dívidas. O julgamento definitivo do caso só deve ocorrer no início do próximo ano, após pronunciamento do Plenário do Supremo sobre o assunto. 

Certificado valioso 

Essa lista de processos parados no ministério mostra recursos do INSS contra universidades, colégios privados e hospitais de referência no país. Enquanto os recursos não são julgados, e os Cebas não são anulados, as entidades continuam tendo a isenção de contribuições da seguridade social, que hoje são arrecadadas e fiscalizadas pela Super Receita. 

Nesses casos parados, o INSS pede a retirada do Cebas de 597 entidades, por considerar que elas não são beneficentes de assistência social ou porque elas não atenderam aos requisitos do artigo 3° do Decreto 2.536/98, que trata do assunto. 

Ao todo são 11 requisitos. O principal deles é o que obriga as instituições de oferecem, pelo menos, 20% de serviços gratuitos nas áreas de educação e assistência social e 60% na área de saúde. Os percentuais são calculados sobre a receita bruta das entidades. 

Fraudes ou inclusão de serviços, que não são considerados filantropia para se atingir esses percentuais, são comuns entre os processos adormecidos no Ministério da Previdência.

O Cebas é importante para as entidades beneficentes de assistência social porque possibilita, a isenção das contribuições da seguridade social – como a cota patronal do INSS, a Cofins, o PIS e a CPMF. O título também permite receber recursos públicos, isenções de tributos estaduais e municipais. 

População 

Os valores de renúncia tributária nesses casos poderiam custear a saúde, previdência e assistência social da população, mas seguem sendo usados por entidades que, segundo os auditores, não cumprem a lei. 

Não há um cálculo fechado entre as autoridades sobre quanto a seguridade social deixa de arrecadar com esses processos sem decisão, mas, de janeiro de 2006 a setembro de 2007, a Previdência contabilizou R$ 21 bilhões em isenções fiscais. Desse total, R$ 7,8 bilhões (37%) se referem às instituições filantrópicas. 

No sistema do MPAS na internet estão registrados 81 pareces com decisão ministerial em caráter definitivo. O último é assinado pelo ex-ministro Nelson Machado, mas vai completar um ano no próximo dia 29. Esse foi o único processo de Cebas julgado em 2006. Os outros julgamentos estão divididos entre 2001 e 2005.

 

Fonte: Congresso em foco, Lúcio Lambranho, 21/11/2007.

 


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