O baú das filantrópicas continua trancado

 


 


Criado há três meses para analisar 900 recursos com risco de caducar, grupo interministerial ignorou processos que podem causar prejuízo de até R$ 2 bilhões
 

Nos três meses que separaram a criação de uma força-tarefa para analisar recursos contra entidades filantrópicas sob suspeita até a edição da polêmica Medida Provisória (MP) 446/2008, que anistiou essas instituições, o Ministério da Previdência Social não julgou nenhum dos 928 processos que correm o risco de caducar e de gerar perdas de até R$ 2 bilhões para os cofres públicos.

A demora pode atrapalhar os planos da Super Receita de reaver o valor que deixou de ser cobrado das entidades que tiveram seus registros de filantropia cancelados. A edição da Súmula nº 8, do Supremo Tribunal Federal (STF), reduziu de dez para cinco anos o prazo decadencial para a cobrança de créditos relativos às contribuições sociais. Ou seja, o não-julgamento desses processos, na prática, abre caminho para a concessão de anistia pela renúncia fiscal para entidades filantrópicas que, na realidade, não são beneficentes.

Na lista de processos considerados objetos da força-tarefa, pelo menos dois deles têm recursos datados do ano 2000, dezenove são de 2003 e mais de 60 foram apresentados ainda em 2004. Como os recursos são sempre feitos depois da concessão da isenção às entidades, muitos processos já podem ter caducado. A situação ainda é mais grave, pois pareceres já foram feitos durante esse período, mas não foram decididos pelo ministro José Pimentel. 

A Portaria Interministerial 241, que criou um grupo que deveria se dedicar justamente a acelerar o julgamento desses recursos, é citada pela ação civil pública (leia mais) do Ministério Público Federal (MPF) que pede na Justiça Federal a anulação dos efeitos da MP 446/2008:

“No entanto, sem que tenha sido julgado qualquer recurso, pelo Ministro da Previdência Social, após a publicação da Portaria Interministerial MPS/MDS/ MEC/MS/AGU Nc 241, DE 31 DE JULHO DE 2008, embora diversos pareceres já tivessem sido elaborados, conforme Ofício 1737/2008/CONJUR/MPS, d e 18/11/2008, pela citada Força-Tarefa, editou-se a Medida Provisória n 446, de 7 de novembro de 2008, a já apelidada "Medida Provisória da Pilantropia" e "MP bichada” .

O Congresso em Foco mostrou com exclusividade há um ano (leia mais) que esse verdadeiro baú, com 1.765 processos, estava lacrado no Ministério da Previdência Social. Nele ainda estavam esquecidos recursos administrativos formulados contra decisões do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que concederam Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).

Pela lei que regulamenta os processos administrativos (Lei 9.784/99), o ministro da Previdência tem até 30 dias para julgar recursos contra decisões do CNAS. Na prática, porém, esse prazo tem se estendido por até dez anos, o que pode beneficiar as instituições com a prescrição dos impostos devidos. É que, enquanto os casos estiverem nas mãos do ministro, o governo não pode acionar essas entidades na dívida ativa.

“Essa força-tarefa não cumpriu o previsto. O governo não pode sentar em cima dos processos e deixar as coisas correrem. Tem que ter prazo”, avalia o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), relator do Projeto de Lei 3021/08, que regulamenta os certificados de isenção de impostos para as filantrópicas. “Mas essa força-tarefa tem todas as condições de analisar os processos, especialmente o MEC [Ministério da Educação], que tem amplas condições e experiência para analisar esses processos”, defendeu.

Morosidade

A força-tarefa interministerial, no entanto, está parada. Desde a edição da MP 446, no início de novembro, todos os trabalhos do grupo foram interrompidos. Nenhum processo relativo a recursos sobre a concessão e renovação de Cebas chegou a ser analisado ou julgado.

No resultado total dos trabalhos, dos 928 recursos que deveriam ser analisados pelos ministérios da Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, pelo menos, dois terços deles não tiveram parecer emitido. Para se ter uma idéia, dos 560 recursos transferidos para o Ministério da Educação, nenhum foi analisado.

Por meio da assessoria de imprensa, o MEC confirma que não realizou a análise de nenhum recurso e justifica que não houve tempo hábil para que a consultoria jurídica do órgão emitisse pareceres. O ministério alega que, com a edição da MP 446, que tornou nula a portaria da força-tarefa, os processos estão “suspensos”.

Também estão parados os recursos analisados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Segundo a assessoria do órgão, todos os processos encaminhados pelo Ministério da Previdência foram analisados e devolvidos. Mas, na Previdência, a consultoria jurídica garante que nenhum dos 143 processos previstos na portaria está de posse do órgão.

O Ministério da Saúde também garante que todos os 225 processos analisados pela força-tarefa do órgão foram analisados e encaminhados à decisão final do ministro Pimentel. Na Previdência, ninguém dá conta de onde estão esses processos.

Bagunça

Para o senador Flávio Arns (PT-PR), representante dos interesses das entidades filantrópicas no Congresso, o problema está na falta de estrutura e organização por parte do Executivo. “É falta de empenho. Não há outras intenções de beneficiar entidades”, defende. O parlamentar alega ainda que o volume de recursos contra decisões do CNAS extrapola.

“Infelizmente, existe dentro de órgãos como a Receita Federal, pessoas que, independente de qualquer razão, apelam para entrar com recurso sobre qualquer decisão do CNAS, o que gera um número muito elevado de recursos que devem ser investigados pelos ministérios. É uma atividade infrutífera”, argumenta.

Prato cheio para os líderes oposicionistas, o não-cumprimento da força-tarefa interministerial foi recebido pelos parlamentares como um reforço à decisão do presidente do Congresso, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), de devolver a MP 446 ao governo. O líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), afirma que, ao não julgar os processos de entidades filantrópicas, o governo está demonstrando “suas intenções”.

“O governo não julga porque tem receio de expor uma chaga. Muitas dessas instituições são as entidades filantrópicas suspeitas de atividades pouco recomendáveis, mas beneficiadas pelo governo. Essa força-tarefa que não foi realizada é mais uma razão para a MP da Filantropia não ser apreciada”, concluiu Agripino.

 

Fonte: Congresso em Foco, Renata Camargo e Lúcio Lambranho, 3/12/08.

 


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