BNDES não pode ceder à pressão dos empresários
em detrimento da educação pública

 

 

 

Empresas devem assumir os riscos inerentes à atividade capitalista. Para Roberto Leher,
a crise é uma boa oportunidade para a estatização das IPES
 

Novamente os empresários da educação superior se unem para tentar tirar do Estado mais recursos públicos para financiar sua atividade mercantilista. A ação foi noticiada pelo jornal Folha de São Paulo nesta quinta-feira (26/2). De acordo com o jornal, o Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular “solicitou ao BNDES uma linha especial de financiamento, com recursos públicos, para a área”.

A justificativa dos empresários é de que, com a crise do capitalismo, haverá redução no número de alunos. Eles querem empréstimos com taxas de juros menores que as do mercado para capital de giro e investimento. Fontes ouvidas pelo InformANDES Online criticaram a iniciativa. A reportagem também tentou ouvir representantes do Fórum, cuja sede é em Brasília, sem sucesso.

De acordo com a notícia da Folha, o BNDES já possui uma linha de crédito para investimento destinada ao setor. Já uma linha para capital de giro seria inédita. O sindicato das entidades de ensino superior privadas de São Paulo, o SEMESP, que integra o fórum, argumenta que 41,5% das instituições terão menos alunos ingressando este ano.

Ao jornal, Oscar Hipólito, do Instituto Lobo, consultoria especializada no setor, afirmou que “a diminuição [dos novos alunos] desestrutura as instituições, pois muitos dos gastos são constantes. E, ao tentar cortar as despesas, pode haver perda de qualidade. Muitas, por exemplo, mandam embora professores mais preparados, que têm melhores salários”.

Para o movimento docente, o discurso não convence, visto que as demissões de professores em IPES são constantes, assim como a perseguição aos docentes sindicalizados em grande parte delas. Além disso, o regime horista prevalece em boa parte das instituições, em todo o país. Para Roberto Leher, 1º vice-presidente da ADUFRJ Seção Sindical e pesquisador na área de educação, “é importante frisar que essa articulação parte exatamente das instituições com fins lucrativos e não abarca aquelas ditas com fins não-lucrativos”.

“Ação reforça inviabilidade do modelo privado”

No entendimento de Leher, a demanda por mais recursos públicos contraria o interesse social público na medida em que reforça que o modelo é inviável. “Não é possível que a educação superior de um país seja estruturada a partir dos interesses econômicos de um setor que entende que a educação é um serviço. Mais de 70% das matrículas nas IPES são em instituições com fins lucrativos. A proposta reforça e institucionaliza a deturpação no sistema de educação superior”.

Leher lembra que essas entidades são empresas com fins lucrativos que se submeteram às regras do mercado e, como tal, não podem ter lucros garantidos em detrimento da educação pública. Para ele, “essa crise que está varrendo o setor privado pode ser uma oportunidades preciosa para quebrar essa tendência perniciosa de oferta de educação superior por [entidades] privadas mercantis”.

O pesquisador lembra que mesmo nos Estados Unidos, “o reino da livre iniciativa”, a tendência histórica tem sido de queda da oferta de vagas pelas entidades particulares. Segundo ele, na década de 40, aproximadamente 55% das vagas do ensino superior eram ofertadas pelas particulares. Atualmente, cerca de 22% das vagas são ofertadas pelo setor. “O que aconteceu? Houve uma redução relativa frente às instituições públicas”.  

Para Leher, uma alternativa viável nesse momento seria o governo fazer uma aquisição de IPES para torná-las públicas, “garantindo que os novos professores fossem docentes concursados, com regras de transição. Foi o que ocorreu em vários países, portanto, não é uma proposta saudosista, sem fundamento”.

Leher diz que se “o MEC autorizar e reforçar o pleito, permitindo que as instituições privadas tenham subsídios do Estado brasileiro por meio do BNDES, além dos recursos que já obtiveram com as isenções tributárias, novamente reiterará sua opção pelo [ensino] privado mercantil”.

Sem prestação de contas

O pesquisador lembra que as isenções proporcionadas por iniciativas como o Prouni não têm nenhum controle por parte da sociedade e nem do Estado. “O próprio TCU [Tribunal de Contas da União] não tem uma metodologia para aferir de maneira rigorosa o montante das isenções. O MEC admite que [os recursos] correspondem a 25% da receita do que essas empresas arrecadam com mensalidades. Considerando que as IPES de uma forma geral movimentam R$ 16 bilhões por ano, isso equivaleria a cerca de R$ 4 bilhões. Dinheiro que poderia ampliar o acesso à universidade pública em busca da universalização”.

Leher lembra que com esses recursos das isenções e uma mudança no padrão de financiamento da educação pública, a universalização poderia ser alcançada em uma década. O Brasil investe 3,5% do PIB na educação pública, de uma forma geral. “A própria UNESCO, dirigida pelos neoliberais, admite que com menos de 6% não dá para ter um sistema eficiente. Então, se o governo ampliasse esse percentual para 10% para só depois realizar uma redução até os 7%, alcançaríamos a universalização em uma década. Países europeus fizeram isso”.

O professor diz que para reverter essa situação de sucateamento do ensino público, que o ANDES-SN denuncia desde sua fundação, tem que haver uma mobilização social. “Só vamos ter maior controle social sobre a ampliação do ensino público em detrimento das particulares quando houver uma mobilização dos trabalhadores de uma forma geral, das centrais sindicais, de movimentos combativos que defendam o conceito do público”.

Empresários querem garantir margem de lucros

Antônio Lisboa Leitão de Souza 1º vice-presidente do Sindicato Nacional e um dos coordenadores do GT Política Educacional – GTPE do ANDES-SN, não se surpreende com mais essa tentativa dos empresários de abocanhar recursos públicos. “Na minha avaliação, a iniciativa deles é coerente com a iniciativa de qualquer empresa que num momento de sufoco recorre ao Estado. O que há, no entanto, é um certo equilíbrio das leis de mercado. O setor está passando por um enxugamento e quer garantir sua margem de lucros”.

Para Lisboa, a justificativa de tentar evitar demissões é uma tentativa de sensibilizar o governo com um discurso social. “A mesma coisa ocorre com outras empresas. Como a procura está menor,  [os empresários] querem que o governo injete recursos no setor para se manter no mesmo patamar de concorrência. É  claro que o ANDES-SN é contrário a que esse tipo de socorro seja prestado. Todo e qualquer negócio capitalista é de risco e quem entra no setor deve assumir o risco. Os recursos devem ser destinados, obviamente, à universidade pública. E aí ressalto que não por meio do Reuni”.

Lisboa lembra que esse é um momento de acirramento das contradições do setor privado, no qual o trabalhador é sempre o primeiro a pagar pelos prejuízos. “O resultado direto será demissões. Então, a defesa da educação pública é também a defesa do emprego. Portanto, os princípios do ANDES-SN novamente se mostram coerentes. Uma sociedade que se pretenda democrática deve oferecer educação pública para todos”.

Para o 1º vice-presidente do Sindicato Nacional, essa é mais uma oportunidade para que o movimento docente coloque em prática o plano de lutas aprovado no 28º Congresso do ANDES-SN. “As bandeiras defendidas pelo Sindicato vão se mostrando cada vez mais coerentes. A educação não é mercadoria, é direito. Sendo tratado como mercadoria, fica à mercê das ondas do mercado, e o que é direito não pode ser tratado assim, mas de forma perene”.

Garantir a educação pública é mais um dos desafios da classe trabalhadora 

José Maria de Almeida, da Conlutas, lembra que “o BNDES é um banco público que deveria financiar a construção de obras públicas compatíveis com os interesses da população, como saneamento, rodovias, ferrovias, casas populares etc., e não financiar o lucro do setor privado da educação”. O sindicalista reforça o fato de que esses recursos deveriam ser destinados à universidade pública. “Os alunos, que são trabalhadores, pagam mensalidades absurdas, se o governo quer assegurar sua permanência na universidade, que invista o dinheiro na universidade pública.”

Zé Maria lembra que a luta contra a mercantilização do ensino é parte dos desafios da classe trabalhadora. “O povo brasileiro tem uma expectativa tão baixa em relação aos seus direitos que não espera que sejam respeitados. Então, se não encontra vaga numa escola pública procura uma forma de pagar um curso, porque não acha que o Estado possa assegurá-lo esse direito. E isso acontece com a saúde há mais tempo”.

 

Fonte: Andes-SN, Elizângela Araújo, 26/2/2009.

 


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