Os Yankees somos nós?
Eliane Cantanhêde*

 

O ataque do presidente da Bolívia, Evo Morales, à Petrobras e à siderúrgica EBX empurrou o governo brasileiro contra a parede e deixou a diplomacia de cabelo em pé. Mas não provocou nenhuma gui-nada na condescendência do Planalto e do Itamaraty com Morales.

Charge: Aroeira - Jornal O Dia, 3/5/06

A disposição é manter o discurso, o sorriso e os gestos de boa vontade, pelo menos em público. Os quatro presidentes (Lula, Morales, Kirchner e Chávez) vão tirar foto nesta quinta-feira (04), enquanto as gestões mais firmes são tentadas no chamado "bastidor" – ou seja, não são nem para inglês ver.

Lula apoiou o "líder cocaleiro" explicitamente durante a campanha presidencial e nem ele nem seus assessores mais diretos acreditaram que Evo Morales pudesse transformar ameaças retóricas em ataques na prática. Enganaram-se, e é justamente aí que o boliviano se distingue de seu vizinho venezuelano, Hugo Chávez, que fala muito, mas não ataca. Morales não apenas ameaça; executa.

Agora, o Brasil se divide mais ou menos assim: a área empresarial está apavorada com Morales e, se tinha projeto para investir na Bolívia, já era; a área técnica do governo assume o discurso mais duro, falando até em "rompimento", como Minas e Energia e Petrobras; a área política ainda quer passar panos quentes, à frente o prudente Marco Aurélio Garcia, especialista em América Latina do Planalto, e o "esquerdista" Samuel Pinheiro Guimarães, segundo na hierarquia do Itamaraty.

Planalto e Itamaraty imaginam que, dado o pior passo, que foi ocupar as refinarias da Petrobas com o Exército, está aberta a estrada para negociar. E sonham que, no final da negociação, tudo acabe se acomodando, com os bolivianos lucrando mais com seu cobiçado gás e os brasileiros mantendo alguma margem de lucro na exploração do produto na Bolívia. Mas, pelos fatos mas recentes, tudo isso parece sonho. O mais evidente a olho nu é que Morales não está aí para brincadeira, quer mesmo botar fogo no circo – ou rasgar contratos.

A margem que ele deixou para os sonhos da área política brasileira foi o prazo de 180 dias para que as empresas se ajustem às novas regras, que decretaram a nacionalização da produção e da venda do gás. Serão, portanto, quatro meses de tensão, desafios e, afinal, certezas. Ou Morales recua e negocia, ou o Brasil vai ter que acordar e ficar no prejuízo integral.

O fato é que Fidel está ficando velho e, dizem as más línguas, obsoleto. Mas deixa filhotes – e que filhotes! Chávez já é o principal líder da América Latina, Evo Morales a cada dia se fortalece mais internamente enquanto explode pontes externamente, e Ollanta Humala vem aí no Peru.

Lula se achava o grande líder da região, mas está vendo o Brasil se transformar numa vítima desses "fenômenos". Na década de 60, gritávamos o "fora Yankees" para os americanos. Hoje, e apesar de um governo que se elegeu como "de esquerda", os Yankees somos nós?
 

* Eliane Cantanhêde é colunista da Folha em Brasília e comentarista do telejornal "SBT Brasil", do SBT. Assina a coluna Brasília da página 2 aos domingos, terças, quintas e sextas-feiras. Escreve para a Folha Online às quartas.

Fonte: Folha On-line, 03/05/2006

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Lula nega crise com a Bolívia e diz ter
'jogo de cintura'
 

Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quarta-feira que não existe uma crise entre o Brasil e a Bolívia por causa da naciona-lização das reservas de gás bolivianas.

 

"Não existe crise Brasil-Bolívia. Não existirá crise. Existirá um ajuste necessário com um povo sofrido e que tem o direito de reivindicar e de ter mais poder", afirmou o presidente, na abertura oficial da 16ª Reunião Regional Americana da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Lula disse que o Brasil tem "interesse na Bolívia e a Bolívia, no Brasil" mantém com país política de Estado.

"Na política de Estado nós precisamos estar bem com todos os países do nosso continente. Fizemos tudo isso sem brigar com ninguém", disse. "É com esse jogo de cintura que nós iremos consolidar um processo democrático na América do Sul, sem mentiras e sem mágica".

Segundo Lula, reconhecer o direito dos bolivianos pela "nacionalização" não significa negar os direitos do Brasil. "O que não pode é uma nação tentar impor a sua soberania sobre as outras sem levar em conta que o resultado final da democracia é o equilíbrio entre as partes", disse.

Ao discursar, Lula destacou também a boa relação do Brasil com a Europa, os Estados Unidos e outros países da América do Sul. Segundo ele, ao firmar uma nova amizade, não é preciso deixar de lado uma velha parceria.

Mais tarde, em conversa com jornalistas, após assinar a Declaração Chaputepec da Imprensa, Lula reconheceu que o país errou ao importar mais da metade do gás consumido no país de um único país.

"Foi um erro estratégico o Brasil ficar dependente de uma única fonte de energia que não é nossa", disse.

Mesmo na hipótese de desabastecimento, Lula disse não haver risco de alta do preço do gás no Brasil. "O problema é garantir o gás brasileiro. Estou tranqüilo. Não vai aumentar o preço do gás. Não tenho essa preocupação", disse.

"A única coisa que a gente tem de fazer é nos colocar do lado deles, e eles se colocarem do nosso lado, e a gente encontrar um meio-termo", completou.

Nesta quinta-feira, Lula se reunirá em Puerto Iguazú, na Argentina, com os presidentes Nestor Kirchner, da Argentina, Evo Morales, da Bolívia, e Hugo Chávez, da Venezuela. Segundo a Secretaria de Imprensa e Porta Voz da Presidência da República, um dos assuntos previstos para a reunião é a segurança energética na América do Sul.
 

Fonte: Jornal O Dia, com informações da Agência Brasil e redação Terra, 3/5/06..


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