A dura ciência de ser o novo presidente: os candidatos e a C&T


Entre os desafios para o próximo dirigente do país,
estará o de melhorar as condições da C&T

 

Se existe um consenso nas propostas dos quatro principais candidatos à presidência da República para a área de ciência e tecnologia, é a promessa de mais verbas para as pesquisas nacionais.

Hoje, somando os gastos públicos e privados, o Brasil investe anualmente cerca de 0,9% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em C&T, algo como US$ 6,5 bilhões. É o maior índice da América Latina, mas ainda é pouco - e os postulantes ao Palácio do Planalto sabem disso.

Os países líderes em ciência, como EUA, Japão e as nações européias mais ricas, destinam de 2% a 3% da riqueza nacional para o setor.

Diante desse quadro estrutural de anemia financeira da pesquisa nacional, quase sempre agravado por uma conjuntura de crise, como a atual, os postulantes ao Palácio do Planalto registraram em seus programas de governo, todos disponíveis na internet, a idéia de fortalecer, monetariamente, o setor.

Até o fim do próximo mandato presidencial, Lula, do PT, promete, se eleito, elevar o gasto nacional em C&T para 1,2% do PIB - um aumento que pode ser visto como modesto ou realista, de acordo com a preferência de quem faz a crítica.

José Serra, do PSDB, afirma que, caso eleito, em 2006, último ano de seu mandato, o gasto em C&T será de 1,32% do PIB - a precisão do cálculo é essa mesma, de duas casas após a vírgula - 'compatível com a obtenção de um percentual de 2% do PIB em 2012'.

Anthony Garotinho, do PSB, assegura que, alçado à presidência, vai todo ano aumentar em cerca de 20% os recursos do Tesouro destinados ao CNPq, Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e a Capes.

É verdade que no programa de Ciro Gomes, do PPS, não há referência mais detalhada a aumento de verbas para o setor.

Mas, a julgar pelas palavras do assessor econômico do candidato, José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton, a área de C&T será uma das cinco prioridades de um eventual governo Ciro Gomes.

A promessa de mais verbas para o setor parece não ter entusiasmado muito a comunidade científica, talvez pelo fato de já terem ouvido esse tipo de compromisso antes de outros candidatos e em razão do momento difícil por que as Universidades e agências de pesquisa estão passando com a crise econômica e a alta do dólar.

O CNPq, a principal agência federal de fomento à pesquisa, teve recentemente 45% de sua verba contingenciada, termo brando para o ato de cortar recursos do setor e redirecioná-los para outro.

Só na semana passada, o governo federal liberou um socorro de R$ 60 milhões para o Ministério da C&T (MCT), que vai repassar quase todo o dinheiro para o CNPq.

Face à escalada do dólar, a Fundação de Amparo à Pesquisa de SP (Fapesp), considerada por muitos a mais eficiente agência estadual de fomento ao setor, decidiu, 'em caráter emergencial e temporário', suspender a liberação de recursos destinados à importação de bens e serviços para projetos em vigência e para novos projetos.

Mas, afinal, o que acham os acadêmicos das idéias para a área de C&T dos presidenciáveis?

Para a presidente da SBPC, Glaci Zancan, é difícil ter uma visão do conjunto das propostas dos candidatos. 'Todos dizem que o setor vai ser uma prioridade, mas não dão detalhes de suas idéias', diz Glaci.

'Gostaria que eles deixassem claro que investir em educação e ciência também é básico para gerar empregos.' O desemprego é, até agora, o principal tema da campanha presidencial, eclipsando outras questões.

Glaci lembra, no entanto, que apenas dois candidatos, Lula e Garotinho, apresentaram à SBPC seus respectivos planos de governo para a C&T.

Ela defende a idéia de que o Brasil deve seguir o exemplo da Coréia, que, num momento de dificuldade econômica, fez justamente o contrário do que a maioria dos países costuma fazer nessas situações.

'Na Coréia, quando houve uma crise, eles decidiram investir mais ainda em ciência e tecnologia em vez de cortar recursos', afirma a presidente da SBPC.

O diretor científico da Fapesp, o físico José Fernando Perez, acha que C&T é um tópico que ainda não aparece de forma significativa na campanha dos candidatos.

'É um tema ainda não incorporado ao debate dos presidenciáveis a ponto de ser percebido pelo público como uma prioridade', diz Perez.

'As propostas dos candidatos não devem ser apenas para ganhar votos. Elas também devem ter a finalidade de estimular o debate sobre qual é o papel da ciência na sociedade.'

Perez acredita que colocar a ciência no debate presidencial teria um papel cultural, educativo, para o eleitor. 'É errado, por exemplo, conceber uma política industrial sem apostar na inovação tecnológica', afirma.

Para ele, o próximo governo deveria adotar uma política de compras públicas que estimulasse a pesquisa e inovação nas empresas aqui instaladas.

'Não é para defender pura e simplesmente a indústria nacional, criar uma reserva de mercado, mas, sim, para estimular a inovação. Não podemos subsidiar a incompetência, mas temos de fomentar a inovação', diz Perez.

'Hoje, não há uma política consistente nesse sentido, mas apenas casos isolados.' Ele cita como caso de sucesso de inovação tecnológica nacional a Embraer, de São José dos Campos (onde, por sinal, Lula gravou um programa de televisão para seu horário político).

A empresa aeronáutica é a quarta maior produtora de jatos comerciais do mundo, o que a coloca na posição de maior importador e exportador do Brasil, gerando milhares de empregos qualificados.

Segundo Perez, a inovação tecnológica só prospera se houver oferta e sobretudo demanda por esse tipo de pesquisa. Em sua visão, a pesquisa tecnológica nasce da demanda e não do vácuo.

'O sucesso da Embrapa é um bom exemplo disso, do casamento entre a oferta de novas tecnologias por parte dessa instituição pública e da demanda por inovações do homem do campo', afirma o físico.

'Não é à toa que hoje se planta soja em qualquer latitude do país, com grande produtividade.'

Serra escreveu em seu programa de governo que a Embrapa vai ser uma prioridade em sua eventual presidência, embora não se possa esquecer de que a mesma Embrapa, neste ano, sofreu graves cortes orçamentários no governo Fernando Henrique, do partido de Serra.

Perez defende ainda a idéia de que o novo presidente da República deveria estimular um pacto federativo para pressionar os estados - especialmente as unidades mais desenvolvidas, como RJ, MG e Rio Grande do Sul - a investirem regionalmente em seus sistemas de C&T, a exemplo do que SP já faz hoje.

'Poderia haver uma espécie de contrapartida no financiamento dos projetos. Para cada verba federal liberada, os estados seriam obrigados a investir um certo percentual nesse projeto. Na Alemanha, depois da unificação, a contrapartida entre o investimento federal e estadual é de quase 1 para 1', afirma Perez.

Garotinho disse em seu programa de governo que vai estimular os estados e municípios a investir mais em pesquisa, mas a Faperj, a agência local de fomento a C&T, apesar de exibir alguma melhora durante o seu governo à frente do RJ, ainda está a léguas de ser um exemplo de eficiência. Para Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Unicamp e ex-presidente da Fapesp, há um certo avanço no trato das questões da C&T por parte dos atuais candidatos ao Planalto.

A ciência, segundo ele, passou a ser abordada nesta eleição de uma forma que transcende a questão meramente corporativista - dos pesquisadores defenderem o seu setor -, mas como um fator de crescimento econômico.

'Acho essa abordagem até natural. O mundo todo trata a ciência dessa maneira ', diz Brito, físico de formação.

Em sua opinião, desde a estabilidade da moeda nacional, ficou claro que a competitividade de um país como o Brasil está ligada à sua capacidade de inovação tecnológica.

'Aumentar verba para ciência é necessário no Brasil, mas o Estado também precisa ter clareza de seu papel nessa área', diz Brito.

Segundo o reitor da Unicamp, mesmo nos países em que o investimento em C&T chega a 3% do PIB, as verbas de origem pública destinadas para o setor nunca ultrapassam a 0,9% da riqueza nacional.

'A diferença (que dá esses 3%) é bancada pelas empresas privadas que apostam em P&D', diz Brito.

Por essa linha de raciocínio, no caso do Brasil, haveria espaço para reforçar tanto o orçamento estatal como o privado para P&D, visto que dois terços do investimento total do país no setor (0,9% do PIB) saem dos cofres públicos e um terço das empresas particulares.

Por isso, Brito acredita que uma das tarefas do próximo presidente, além de injetar mais recursos no setor, é criar um ambiente que favoreça a entrada de capital privado no sistema de C&T.

Ele lembra que a Coréia tinha 75 mil pesquisadores em empresas privadas quando o país resolveu concentrar esforços e verbas em ciência e tecnologia, ao passo que o Brasil conta com cerca de 8 mil pesquisadores em indústrias.

'Eles tinham essa base de pesquisadores nas empresas que ainda nos falta', diz Brito. 'A ciência tem de ser importante, algo estratégico para a nação, na academia e também nas empresas.'

Otimista, o reitor da Unicamp diz que, apesar da atual crise financeira nos centros de pesquisa do país, a presente gestão do MCT conseguiu grandes avanços, como a criação dos chamados fundos setoriais (uma nova fonte de recursos para a pesquisa) e proposta de Lei de Inovação Tecnológica.

'Mais tarde, isso vai ser reconhecido. Montou-se uma política de Estado - não de um governo - para a área de C&T. Criou-se um conceito, uma estratégia para o setor', avalia Brito. Resta saber se o próximo presidente não vai contingenciar o dinheiro da ciência para outros fins, como tem sido a norma. O reitor da UFRJ, Carlos Lessa, pensa um pouco diferente de Brito.

Para ele, que, como seus colegas citados nesta reportagem, tomou contato com os programas de governo dos candidatos ao Planalto basicamente pelo o que sai na imprensa e evita compará-los abertamente, caberá ao próprio poder público realizar o grosso dos investimentos em C&T durante o próximo mandato presidencial.

'As empresas privadas fazem parte do sistema de pesquisa, mas elas são coadjuvantes nesse processo', diz Lessa, professor de economia. 'As empresa sempre se apóiam no sistema público, que realiza a maior parte dos investimentos. É assim aqui, nos EUA ou Japão.'

Sem dinheiro em caixa, a UFRJ ganhou os noticiários neste ano por ter tido sua eletricidade cortada pela Light em razão de atrasos no pagamento das contas de luz.

'As Universidades públicas estão a pão e água. É lógico que esse drama afeta nossa produção científica e tecnológica', reclama Lessa. 'Não posso tocar grandes projetos científicos sabendo, por exemplo, que meu equipamento contra incêndio não é totalmente seguro.'

Um exemplo da precariedade financeira da maior Universidade federal do país: em 2003 a UFRJ vai receber R$ 35 milhões como verba de custeio, um aumento de R$ 5 milhões em relação a este ano.

'Mas esse reajuste não cobre os aumentos da energia elétrica', afirma Lessa. Nas Universidades federais, é esse o quadro que o próximo presidente terá de enfrentar.

 

Fonte: Valor Econômico (20/09). Marcos Pivetta  & ANDES-SN. 

 

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