Chávez arma a Venezuela e faz soar os alarmes no continente
William Waack*

 

Há um jogo perigoso sendo jogado na Bolívia e no Equador, mas é um jogo que, inicialmente, só causará confusão interna. O jogo mais perigoso sendo jogado no momento é o de Hugo Chávez, e promete causar muita confusão externa. Um de seus aspectos mais preocupantes foi reiterado nesta segunda (5) numa reportagem de Roberto Godoy, de "O Estado de S. Paulo". É o acréscimo, ao já formidável arsenal militar venezuelano, de provavelmente 9 submarinos russos.

As volumosas compras de material bélico por parte de Chávez ultrapassam os 3 bilhões de dólares, mas há nessa cifra contratos de longo prazo. O respeitado Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (mais conhecido pela sigla em inglês, IISS) diz em seu último relatório que entre os latino-americanos o maior orçamento com segurança e defesa, em termos absolutos, continua sendo o da Colombia (4 bilhões de dólares) - a guerra do governo colombiano contra diversos grupos de narco-guerrilheiros já dura 40 anos.

O segundo maior gastador é... Chávez, com pouco mais de 2 bilhões de dólares. Ele superou Argentina e Chile, com orçamentos pouco inferiores (e tradições militares muito superiores), mas o que impressiona é a velocidade do aumento das despesas com material de guerra. Entre 2005 e 2006, o orçamento de defesa da Venezuela subiu 33% (o da Colombia, para comparação, subiu menos de 10%, e os de Chile e Argentina quase nada).

As compras militares de Chávez sugerem o comportamento de alguém que entrou com muito dinheiro numa loja de departamentos e se encantou com quase tudo. Ele comprou 100 mil fuzis AK-47, um tipo pouco usado nas Américas (a não ser por Cuba e os narco-guerrilheiros das Farc), incluindo uma fábrica de munição. Circulam com muita insistência informações, desmentidas no último fim de semana pelo governo boliviano, de que parte dos 100 mil fuzis automáticos leves que serão substituídos pelas AK-47 estariam indo para a Bolívia.

A shopping list do presidente com poderes de ditador da Venezuela incluiu sistemas de defesa antiaérea, navios patrulha, os tais submarinos russos mas, principalmente, os caças russos Sukhoi-35, um avião de combate sem similares nas forças aéreas latino-americanas. O que mais impressiona nessa máquina, desenhada para competir com os F-15 e F-18 americanos, é a autonomia: 3.400 quilômetros. Em termos de equipamento eletrônico a bordo, não há nada na América do Sul capaz de rivalizar.

No meio disso tudo, é claro que a Venezuela não avançou um milímetro naquilo que a une a outros países de fronteira amazônica: a falta de presença do Estado e de segurança dos próprios limites. A foz do Orinoco, por exemplo (onde Chávez está tomando de empresas estrangeiras alguns projetos importantes de exploração de petróleo pesado), é há mais de uma década o ponto preferido das grandes máfias de exportação de drogas da América do Sul para a Europa.

O comportamento do caudilho venezuelano traz consigo o tipo de insegurança militar do qual a região parecia afastada, pelo menos desde o fim das querelas entre Brasil e Argentina e, principalmente, entre Argentina e Chile. Querem ver a razão? Por motivos ideológicos, Chávez conseguiu com que Argentina e Brasil deixassem de realizar com a marinha dos Estados Unidos os exercícios conjuntos previstos para 2006 (os países da costa do Pacífico o fizeram, conforme previsto). Provavelmente este ano, num sinal de força, os americanos vão passear pelo Atlântico Sul com um "battle group" em torno de um porta-aviões.

Não há, a não ser na cabeça desequilibrada de Chávez, qualquer perigo real ou ameaça militar à soberania e integridade de seu país. O que ele gasta com armas faz falta em muitos setores na Venezuela, e fará mais falta ainda com os preços do petróleo estabilizando-se em torno de 50 dólares o barril (uma queda de mais de 30% nos últimos seis meses). Mas há um outro fator, externo, que é muito preocupante.

Parte dos aviões de combate venezuelanos será modernizada pelo Irã, segundo Roberto Godoy. Seria bobagem afirmar que as forças armadas latino-americanas deveriam abster-se de comprar equipamentos e sistemas onde eles forem mais baratos, competitivos e, principalmente, onde se possa adquirir ou obter a transferência de tecnologia, apenas por deferência aos americanos. Mas ao trazer os iranianos e os vendedores russos para cá, Chávez o faz principalmente como provocação aos Estados Unidos (notoriamente restritivos no repasse de tecnologias militares ou de "dual use").

Longe de sentir admiração por Chávez, os militares brasileiros estão dizendo abertamente que ele está trazendo para nosso hemisfério conflitos que aqui não existem. E que nem nos interessam. Nesse sentido, as armas de Chávez são profundamente perturbadoras.
 

* William Waack – A análise aprofundada da política internacional está na coluna do âncora do "Jornal da Globo", que foi correspondente internacional por 21 anos. Às segundas e quintas.

 

Fonte: G1, 5/2/2007.


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