China: um país bem educado
(Parte 1)

 

Entenda o que foi a revolução no sistema de Ensino Superior chinês

 

Esta é só a primeira de uma série de reportagens sobre o Sistema Educacional na China. Por que falar deste país tão distante do nosso, neste momento? Primeiro: você vai ver que Brasil e China não são tão distantes assim - possuem uma série de semelhanças e, por isso mesmo, as diferenças entre eles intrigam tanto. Principalmente a diferença que a China está fazendo no mundo.

Segundo: nas últimas três décadas, a China vem progredindo em ritmo extraordinário - já é a terceira potência comercial do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha -, e os impactos disso no mundo todo têm ficado cada vez mais evidentes. Com 1, 3 bilhão de habitantes - 20% da população mundial - em um território praticamente do mesmo tamanho que o do Brasil, a China tem 1 trilhão de dólares de divisas acumuladas. Cresce entre 9% e 11% ao ano (só a título de referência: a previsão de crescimento do Brasil este ano é de 3,5%, segundo o Banco Central). O volume de reservas internacionais da China superam as do Japão e somam US$ 941 bilhões - mais do que todo o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil.

O país oficialmente comunista em termos políticos, mas de economia capitalista, tornou-se um dos mais abertos do mundo quando se compara a soma das exportações e importações com o valor do PIB. Em 2004, ultrapassou os Estados Unidos e se tornou o maior exportador mundial de bens de tecnologia da informação. Em 2005, o fluxo de comércio da China chegou a US$ 1,4 trilhão, o equivalente a 64% de seu PIB. O valor só é inferior aos volumes registrados pelos EUA e Alemanha. O país asiático é o segundo maior consumidor de petróleo do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos, e compra quantidades crescentes de minério de ferro, cobre, níquel e alumínio. Estatísticas de investimentos chineses no exterior crescem de forma acelerada desde 1990: naquele ano, a China tinha um estoque de US$ 4,5 bilhões investidos em outros países, comparados a US$ 38,5 bilhões do Brasil. Em 2004, segundo a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento), os investimentos brasileiros tinham crescido 67% em relação a 1990, totalizando US$ 64,4 bilhões, enquanto os chineses deram salto de 762%, chegando a US$ 38,8 bilhões. 

E o que tem a Educação a ver com isso? Ela é uma das áreas que o país investiu pesado e que está intimamente ligada ao crescimento econômico, principalmenmte no longo prazo. É usada como ferramenta para o desenvolvimento do país em todos os seguimentos. "Os chineses precisam de excelência para manter o ritmo de crescimento. A Educação está altamente ligada à estratégia global deles", explica Maximilian Steinbrenner, conselheiro do Faubai (Fórum de Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos Internacionais) e assessor internacional da Universidade Federal Rural da Amazônia.  

Não seria possível compreender toda a realidade que fez a China chegar onde está em apenas uma reportagem. Por isso, dividimos o tema em quatro blocos de matérias, que vão tentar esmiuçar como aconteceu a revolução educacional, cada ponto deste sistema e todos os aspectos - culturais, históricos, políticos e econômicos - que sustentam estas mudanças. Além disso, vamos comparar a realidade brasileira à chinesa e, por fim, pontuar todas as oportunidades para o nosso país via China.  

O que foi a reforma 

Como a abertura da economia chegou ao Ensino Superior

Imagine uma sociedade fechada para o mundo, governada autoritariamente por um só partido, que tem um líder máximo considerado quase uma divindade. Neste lugar, tudo é padronizado, há forte valorização da hierarquia, censura e é proibido pensar de forma diferente da ideologia imposta pelo partido único. Assim era vida dos chineses durante as quase três décadas de República Popular da China, em que o líder comunista Mao Tsé-tung esteve no poder (de 1949 a 1976). Como seria a idéia de uma universidade dentro deste contexto? Certamente nada parecido com o conceito ocidental que conhecemos: um espaço de expansão do conhecimento, discussão, crítica, liberdade de expressão e troca de saberes.  

Nessa época, a mentalidade predominante era a do ensino público gratuito a todos, mesmo no nível da graduação.Ainda assim, apenas uma ínfima elite de uma população majoritariamente rural (até hoje 50% dos chineses vive no campo) tinha acesso ao ensino superior. Havia poucas universidades e elas eram divididas por área, evitando a integração e a troca intelectual entre as disciplinas. "Não se misturavam cursos diferentes em um mesmo campus, principalmente cursos de Ciências Naturais e de Humanas. Tudo era separado", explica o adido cultural da Embaixada da China no Brasil, Shu Jianping. O governo central estabelecia não só as políticas de ensino, mas determinava os cursos, as disciplinas que haveria em cada um, enfim, a universidade não tinha qualquer tipo de autonomia. Além disso, os índices de analfabetismo no país beiravam 60%. Para se ter uma idéia, só um terço da população chinesa tinha acesso à Educação Básica em 1962, segundo o Censo Nacional chinês. 

Segundo pesquisa da professora-doutora em Educação Ângela de Siqueira, do Núcleo de Educação Internacional Comparada (NEIC) da UFF (Universidade Federal Fluminense), publicada no artigo "As más lições da experiência: as reformas da educação superior no Chile e na China e suas semelhanças com o caso brasileiro", na época do governo de Mao, a universidade dava forte ênfase às Ciências Naturais (Matemática, Engenharia), e impunha uma abordagem mais ideológica e autoritária nas Ciências Humanas, Artes e Ciências Sociais. Também havia uma grande cisão entre Ensino Superior e pesquisa, esta organizada separadamente das IES (Instituições de Ensino Superior), nos institutos da Academia Chinesa de Ciências. Além disso, todos os textos literários eram subordinados à luta política.  

Nessa época, principalmente durante a Revolução Cultural (instalada de 1966 a 1976), cuja intenção original era nivelar a estrutura de oportunidades para todos, muita gente que tinha nível superior era taxado de "burguês" e sofria perseguição política. E por isso muitos dos bons professores foram embora da China para outros países.  

Tudo começa a mudar quando morre Mao Tsé-tung, em 1976. Poderia instalar-se aí o caos geral, uma sociedade perdida e sem rumo. Ou o continuismo, mesmo sem a presença do grande líder. Mas, não. Após um longo período de estagnação intelectual, a China embarcou numa nova mentalidade - capitalista, com foco no mercado, mesmo sem perder suas raízes comunistas (manteve o monopólio do poder nas mãos do Partido Comunista, o PC). Foi uma revolução na realidade do país, que provocou o crescimento em todas as áreas. "A China passou a viver um capitalismo estatal e, apesar de todos os malefícios do totalitarismo, foi este regime que tornou possível realizar esta reforma rapidamente. Numa democracia, as mudanças são mais lentas, pois as medidas não podem ser impostas", opina Maximilian Steinbrenner, conselheiro do Faubai ( Fórum de Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos Internacionais) e assessor internacional da Universidade Federal Rural da Amazônia.  

A Educação não ficou fora disso. Ao contrário, ela tem sido a base de sustentação de todas as reformas. Houve uma forte vontade política e um esforço para aumentar os recursos do orçamento em Educação por parte do governo. De 1978 para 1998, o orçamento anual para Educação passou de 6,8% do orçamento total do país para 14,6%, segundo a Academia de Ciências Sociais da China. 

O grande mentor de todas mudanças em prol da abertura e do desenvolvimento econômico foi Deng Xiaoping - um líder atuante dentro do Partido Comunista desde 1924, que sempre se mostrou moderado e pragmático frente ao radicalismo sustentado por Mao, o que lhe causou diversas represálias ao longo de sua história dentro do partido. Xiaoping assumiu o poder logo após a morte de Mao, lançando o processo de modernização na China.  

Visionário, ele acreditava que investir na Educação seria o atalho mais curto para o desenvolvimento, tendo como exemplo o sucesso de nações como Estados Unidos, Coréia do Sul e Japão - economias que se destacam pela capacidade de inovação, preparo intelectual de seus universitários e desenvolvimento. Com base nessas prerrogativas, Xiaoping deu início à reconstrução do Ensino Superior chinês, usando-o como o suporte à introdução da lógica do mercado e adotando o modelo de ensino anglo-saxão (de competitividade, redução de custos, produtividade, venda de serviços), de acordo com pesquisa de Ruth HayHoe, professora-doutora do Department of Theory & Policy Studies, na Universidade de Toronto (Canadá). 

De uma maneira geral, o Estado diminuiu sua interferência no funcionamento e desenvolvimento do Ensino Superior, compartilhando essa responsabilidade com a iniciativa privada e a sociedade. O governo expandiu a autonomia das Universidades e um novo sistema de financiamento para o Ensino Superior emergiu, com os estudantes pagando anualidades nas universidades públicas. Além disso, as instituições de Ensino Superior participaram da construção de parques tecnológicos, estabeleceram o funcionamento de empresas high-tech e uniram indústria, ensino e pesquisa para transformar seus frutos em produtividade real, atendendo assim à toda a sociedade chinesa. Desta maneira, sobrou mais dinheiro nos cofres públicos para que o governo investisse no ensino básico de qualidade, este, sim, gratuito e compulsório por nove anos, em período integral para todas as crianças chinesas. "Ao mesmo tempo, só foi possível para os estudantes bancarem seu Ensino Superior por conta do crescimento da economia do país e da renda per capita", acrescenta o adido da embaixada da China no Brasil, Shu Jianping. Criou-se, assim, um círculo virtuoso. 

Receita estrangeira 

Participação do Banco Mundial garantiu sucesso da reforma chinesa

Entre os principais atores no processo de reforma do Ensino Superior na China, o Banco Mundial exerceu um papel extremamente relevante, praticamente dando a receita de sucesso do novo sistema, de acordo com pesquisa da professora-doutora em Educação Ângela de Siqueira, do NEIC/UFF (Núcleo de Educação Internacional Comparada da Universidade Federal Fluminense). A partir de 1981, a entidade financiou vários projetos e estudos no país: projetos de desenvolvimento universitário, pesquisas de educação agrícola, universidades politécnicas e por televisão, universidades provinciais, desenvolvimento de pontos básicos e, finalmente, em 1999, o plano de reforma no Ensino Superior chinês.  

Um documento do Banco Mundial, de 1986, denominado "China: administração e finanças do Ensino Superior", defendia uma série detalhada de ações, que visavam reduzir custos, aumentar a produtividade e alocar recursos para os setores e projetos que apresentassem os retornos mais altos. Seguindo esta lógica, o texto afirmava que, emboras as universidades convencionais fossem claramente a coluna de sustentação do sistema, elas também eram o componente mais caro do Ensino Superior. Os principais objetivos eram ampliar a matrícula no Ensino Superior e, ao mesmo tempo, melhorar a eficiência interna, buscar fontes alternativas de financiamento, bem como incentivar distintos tipos de instituições de baixo custo, como profissionalizantes de curta-duração (ou politécnicos) e as várias formas de Ensino Superior de adultos. 

Com base nas orientações do Banco Mundial, a China realizou, a partir dos anos 80, mudanças estruturais em todo o seu sistema educacional. Os alunos passaram a pagar uma taxa para estudar nas universidades públicas do país, houve grandes investimentos em cursos a distância - principalmente focando o meio rural -, foi facilitado o acesso à universidade por meio de um sistema de avaliação mais fácil ocorreram fusões entre IES de cursos específicos, foi definido um maior investimento em pesquisa científica e na inovação.  

Além disso, estabeleceu-se grandes parcerias com empresas e renomadas universidades estrangeiras, como Harvard e a Universidade da Pensilvânia, que abriga Wharton e Cambridge, seguindo a lógica do Banco Mundial, para quem a compra de pacotes educacionais produzidos em alguns países desenvolvidos é um dos meios para reduzir custos e, supostamente, melhorar a qualidade. Assim, diversos cursos de graduação e pós-graduação são criados na China sob orientação de profissionais de universidades estrangeiras. 

A abertura do país também promoveu o intercâmbio entre professores e alunos do Ocidente e do Oriente. Segundo dados do Ministério da Educação chinês de 2003, nos últimos 20 anos, a China estabeleceu acordos visando a cooperação educacional e intercâmbio com 154 países em diversas áreas. Cerca de 300 mil estudantes chinesees e 1.800 professores e especialistas estão no exterior. Entre os universitários estrangeiros (professores, estudantes e pesquisadores) nos campi norte-americanos, por exemplo, os chineses estão em maior número, representando 18% do total, segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).  

Os campi chineses também são cada vez mais procurados pelos estrangeiros que querem aprimorar seus conhecimentos sobre o idioma, a cultura e o modo de fazer negócios no país. São mais de 200 mil estudantes e 40 mil professores e especialistas estrangeiros, de 160 países, nas universidades chinesas. "Essa estratégia de investir na compra de know how no mercado internacional é há muito tempo usada pelos Estados Unidos, que sempre procuraram trazer para suas terras os melhores do mundo. Onde eles acham, eles contratam para os seus centros de excelência. Agora, cada vez mais, a China começa a fazer a mesma coisa", explica Maximilian Steinbrenner, conselheiro do Faubai (Fórum de Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos Internacionais) e assessor internacional da UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia).  

Toda essa revolução fez mais do que dobrar o número de matrículas no Ensino Superior entre 1986 e 1994: segundo relatório analítico do Banco Mundial, cresceu de 2,3 milhões para 5,1 milhões. Hoje já são 16 milhões de estudantes de graduação no país. O acesso à graduação também foi facilitado por conta da instalação de um sistema de seleção menos rigoroso, aliado a um investimento pesado nos ensinos básico e fundamental, obrigatórios e gratuitos a todos, cuja conseqü ência é um alunado mais preparado para o acesso a universidade. 

Para realizar todo esse movimento, a carga de trabalho dos professores universitários foi aumentada pela implementação de atividades remuneradas adicionais, como o desenvolvimento de pesquisas encomendadas e pagas com recursos externos e a produção de bens nas fábricas universitárias, além de cursos de verão extras. O governo também adotou a estratégia de atrair de volta pessoas que deixaram o país nas décadas de 70 e 80 para estudar e trabalhar no exterior, dando subsídios para compra da casa própria e generoso alívio nos impostos para montar empresas.  

Com tudo isso, segundo o Ministério da Educação chinês, em três décadas, a China conseguiu erguer um sistema de ensino eficiente o bastante para, no topo, formar 1,2 milhão de pesquisadores com doutorado e, ao mesmo tempo, na base, reduzir o analfabetismo a 4%. As salas de aula do país absorvem 240 milhões de estudantes de todos os níveis - uma vez e meia a população inteira do Brasil. é a maior concentração de alunos do mundo. 

Nas universidades, a taxa de jovens hoje já atinge 21% (no Brasil este número é de 19%). Lá, 1 milhão de universitários se formam por ano em carreiras tecnológicas (aqui são 94 mil). Os artigos publicados em periódicos científicos internacionais representam 5,9% da produção mundial (no Brasil, é 1,8%). Há 88 Ph.Ds. por 100 mil habitantes (aqui são 63). 

Os números impressionam, mas é importante lembrar que por trás deles existe uma realidade não tão admirável assim: a China possui características de repressão, falta de liberdade e autoritarismo - inclusive dentro de sala de aula - que deve custar muito à população. é preciso pesar tudo na hora de colocar na balança os méritos do país. 

O sistema educacional chinês hoje 

Depois do processo de elaboração, veja como ficou o produto pronto

As reformas do ensino superior foram efetuadas em cinco partes a partir de 1986: reformas da oferta da educação, do sistema de administração, do financiamento, do recrutamento, e da administração intrainstitucional. Veja como ficou cada item do novo sistema, segundo dados publicados no relatório da UNESCO em 2004 "Educational Development in China" (Desenvolvimento Educacional na China), do Banco Mundial e do Ministério da Educação da China:  

Anos de estudo

Assim como no Brasil, são nove anos de ensino fundamental obrigatório, de quatro a cinco anos de graduação (dependendo do curso), de dois a três anos de mestrado e três para obter o doutorado. As crianças começam a estudar por volta dos seis anos, também como aqui. E entram na faculdade lá pelos 17. Desde 1986, o Ministério da Educação da China tornou obrigatório no país nove anos de ensino básico e em período integral para todos. A regra englobou uma série de medidas que revolucionou também o ensino básico, o que teve forte influência na revolução do ensino superior (Saiba detalhes sobre a revolução no ensino básico no box). 

Oferta da Educação

No novo sistema de ensino, tudo foi pensado, inclusive as diferenças regionais e culturais do país. Foram considerados todos os contextos e diversificados os meios de transmissão do ensino de acordo com eles (investimento na Educação a Distância e Educação Continuada). Por isso, em 1983, o sistema de ensino superior da China foi dividido em dois seguimentos: Ensino Superior Regular e Ensino Superior Adulto. O primeiro incluía tanto as universidades convencionais (multidisciplinar e de pesquisa, normal, técnica, médica e agrícola) quanto as politécnicas, também denominadas "universidades profissionais de curta duração". O segundo incluía as universidades por televisão, as universidades de trabalhadores, assim como programas por correspondência, especial e noturnos.  

Administração

As universidades adquiraram mais autonomia para administrar seus recursos e sua grade curricular. Antes, tudo era determinado pelo governo, incluindo os cursos que cada universidade ofereceria, o conteúdo deles, as faculdades e a divisão de recursos entre elas. Agora, o governo mudou sua função de gerente direto para uma atuação mais macro. A universidade tem autonomia para criar um sistema adequado à economia e à sociedade. "Todos os anos, são organizados comitês com representantes dos vários setores da sociedade que são ouvidos para que o governo adote as diretrizes educacionais do próximo ano com base nestas reuniões", explica Paul Liu, diretor da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico (CBCDE). 

A administração dos recursos foi descentralizada e dividida em dois níveis: o Comitê Nacional de Educação formula a políticas básicas da Educação, é responsável pela legislação, locação, planejamento, acesso, serviços de informação e supervisão das leis e o Comitê Local de Educação, que media o relacionamento entre as faculdades e gerencia a escala de admissão e especialidades. 

Financiamento

"A anualidade cobrada dos alunos na universidade pública foi sendo instituída gradualmente a partir de 1989, evitando assim um impacto grande na população. No início, cobrava-se algo em torno de US$ 100 por semestre. Conforme a mudança de mentalidade foi acontecendo, ao mesmo tempo que a economia do país e a renda da população crescia, o valor foi aumentando. Hoje a média de preço de uma boa universidade pública é US$ 800 por ano", explica o adido cultural da Embaixada da China no Brasil, Shu Jianping. Parece um valor baixo, mas não é para o nível de vida da maioria da população do país. Segundo Jianping, a renda mínima familiar na China equivale a US$ 80 por mês. "Há famílias do interior cuja renda não chega a isso. No entanto, está cada vez mais aumentando a classe média chinesa", diz o adido. 

Apesar dos alunos pagarem por sua formação no ensino público, a parte deles representa apenas 4,6% do orçamento total das IES. Ainda é o governo que banca o maior pedaço, contribuindo com 80% dos recursos, o que já é um valor bem abaixo do que o Estado desembolsava em 1978 (96%). Tanto que de 1998 para 2000, o orçamento do governo com educação diminuiu de 14,6% do orçamento total do país para 13,3%. 

Fora o gasto do governo e dos alunos, há canais múltiplos de sustentação, tais como a criação e oferta de cursos de treinamento para firmas ou para o governo, o desenvolvimento de pesquisa aplicada por encomenda, a produção de bens de consumo em fábricas universitárias, aumento de preço para o uso das instalações, doações feitas pela população e por empresários. Por conta desta ampliação da receita foi possível aumentar o número de bolsas de estudo e programas de trabalho e estudo, e de financiamento governamental para alunos de famílias carentes. 

Estrutura

Aumentou o número de universidades no país. Em 2002, havia ao todo 2003 Instituições de Ensino Superior, entre as quais1396 eram IES regulares e 607 eram instituições voltadas para adultos. Ao mesmo tempo que houve muitas fusões entre IES, já que na época de Mao não se misturava cursos de Ciências Naturais e Humanidades.  

O país também otimizou a estrutura de cursos de nível superior, de pequenos e seguimentados, para mais científicos, o que se entende como sendo mais benéfico para a economia local e a sociedade. Há cinco anos, havia mais de mil tipos de cursos de graduação na universidade e mais de 2 mil universidades na Chima. Todas as matérias tinham subdivisões. Por exemplo: Engenharia Química era dividida em Engenharia Química Orgânica, Engenharia Bioquímica, Engenharia Química Ambiental, Mecanismos de Engenharia Química e Automoção de Engenharia Química. Hoje, o número não passa de 400. Deste modo, os estudantes têm tempo para aprender a teoria básica e outras matérias pelas quais se interessam. Ao mesmo tempo, têm mais tempo para aprender sobre a cultura e a sociedade.  

Recrutamento

Desde 1999, houve uma reforma no sistema de seleção das IES. Antes, havia um exame de admissão nacional onde caíam todas as disciplinas, assim como no Brasil. Agora, a entrada foi facilitada com um menor número de disciplinas. O esquema é três + um, ou seja: três disciplinas obrigatórias - Inglês, Chinês e Matemática - mais uma opcional, escolhida pelo vestibulando. Esse sistema visou amenizar a carga dos alunos de ensino médio, e enrigecer o ensino na graduação. A prova é realizada em todo o país todos os anos nos dias 7,8 e 9 de junho. O esquema de pontuação determina para qual universidade cada aluno pode ir. Os melhores podem ir para universidades de primeira categoria. Quem fica com uma pontuação mediana, vai para universidades medianas. Quem fica no terceiro nível de pontuação, paga mais do que os outros nas universidades medianas. E quem fica no quarto nível, só pode fazer licenciatura. No quinto nível, o aluno não entra. Segundo o Ministério da Educação chinês, 21% dos estudantes que prestam o exame são admitidos anualmente. 

Desafios

Um dos grandes desafios enfrentados é a reciclagem dos docentes do ensino superior. A China possuía um contingente significativo de professores já com idade avançada e com baixa qualificação. Após 10 anos de implementação da reforma muitos docentes foram substituídos por professores mais jovens e o número de professores com doutorado e mestrado aumentou.  

Não há emprego para todos os que se formam na China. Segundo a Embaixada da China no Brasil, só 70% dos universitários formados encontram empregos de nível superior. "Muitos estão aceitando empregos de baixa remuneração por conta do desemprego", afirmou o adido cultural da embaixada.  

Apesar de todos os esforços, o padrão de qualidade das IES públicas na China não é o mesmo em todas as regiões. São 32 divisões administrativas no país. "Por conta disso há grande migração para os centros urbanos. O governo está tentando resolver isso dando incentivos - como uma melhor remuneração para professores", explica o adido.

 

A revolução no ensino básico


Além da reforma no Ensino Superior, China investiu pesado na educação básica de qualidade - esta, sim, gratuita a todos - , sendo uma das únicas nações do mundo que conseguiu implementar com sucesso as orientações da Unesco determinadas em 2000, por ocasião do Fórum Mundial de Educação, em Dacar, que estabeleceu uma série de compromissos visando a melhoria da educação no mundo, o que gerou o documento "Educação para todos". Em 1986, o Ministério da Educação da China, implementou com sucesso nove anos de ensino básico obrigatório e em período integral para todas as crianças chinesas - incentivadas pela isenção de qualquer tipo de pagamento de taxa e material escolar e por subsídios do governo à s famílias mais carentes. Segundo a Unesco, no final de 2003, 91% das crianças estavam na escola. No Ensino Fundamental, a média de crianças matriculadas passou de 93% em 1980 para 98% em 1998, e a média de estudantes entrando no ensino médio passou de 75.9% em 1980 para 94.3% em 1998, segundo dados do Ministério da Educação chinês.  

Além disso, a China implementou um novo método pedagógico, focando na criatividade e pragmatismo dos estudantes. A ênfase é em ensinar a estudar, formação de valores. As disciplinas foram organizadas de forma a preencher as necessidades de desenvolvimento das diferentes regiões da China. Enfatizou-se também a relação entre a vida do aluno e o desenvolvimento de uma sociedade moderna, da ciência e da tecnologia. Dá-se mais atenção à individualidade dos estudantes e incentivo à independência deles no sentido de descobrir soluções, experimentar, investigar, coletar informações. Em 2004, o Conselho Estadual da China aprovou o Plano para Rejuvenescimento da Educação 2003-2007. Este plano prioriza a promoção da reforma educacional e desenvolvimento nas áreas rurais, onde 70% dos habitantes estão no ensino fundamental.  

Há muita desigualdade entre as províncias chinesas, conseqü entemente, grande variação no padrão de ensino das escolas. Entre 1995 e 1996, enquanto os gastos com educação local nas oito províncias da região oeste era de 3.37% do Produto Interno Bruto, e 1.98% na região litorânea. A média de gastos por aluno de 1988 até 1996 era de US$ 8,55 na região litorânea, e de US$ 26.58 nas grandes cidades, segundo dados de 2001, do Centro Nacional de Pesquisa em Desenvolvimento Educacional da China.Para padronizar a qualidade de ensino nas regiões leste e oeste da China, o governo chinês deslocou não só recursos financeiros, mas também professores e pessoal administrativo das escolas mais ricas para apoiar escolas mais pobres. Também deu-se grande atenção à s minorias. Nas escolas em que a maioria dos estudantes é de grupos étnicos minotritários no país, a língua escrita e falada é usada na instrução deles. Atualmente, há 29 lingas de 21 grupos étnicos minoritários na China. A cada ano, mais de 3.500 livros-texto são publicados nas línguas desses grupos minoritários.  

Além disso, mais professores foram contratados e capacitados. De 1990 para 2002, aumentou em 106% o número de professores nas escolas chinesas, segundo relatório da Unesco. A reforma completa do ensino já foi feita em 57% do país.  

Além disso, a abertura do país ao ensino privado promoveu a competição na Educação, elevando a qualidade no ensino e contribuindo para um padrão diversificado de desenvolvimento da educação.

 

 

Fonte: UniversiaBrasil, Bárbara Semerene, 2/10/2006

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