O ciclo político da economia
Marcio Pochmann*

 

O fracasso da estratégia da equipe econômica de puxar o freio de mão em 2005 e soltá-lo em 2006, ano eleitoral, pode custar muito caro não apenas ao governo Lula, mas, sobretudo, ao país, que já se encaminha para completar a terceira década perdida.

Com a decadência da mineração de ouro, a partir da segunda metade do século 18, o Brasil chegou a amargar – por cerca de sete décadas – uma longa fase de regressão econômica. Somente no início do segundo quartel do século 19, com a expansão cafeeira no sudeste do país, foi possível por fim ao período político de administração da crise econômica.

Na Depressão de 1929, o insucesso cafeeiro foi sucedido pela opção do governo Vargas de desencadear um projeto nacional de industrialização no país agrário-exportador. Mesmo que não desprezíveis, as reações provenientes da herança cafeeira, como a insurreição paulista de 1932, foram sendo acomodadas pelo forte crescimento econômico durante meio século de industrialização.

Logo no início da década de 1980, com a crise da dívida externa, o país perdeu o eixo do desenvolvimento nacional. De lá para cá, o Brasil tem-se caracterizado pela estagnação da renda por habitante. Em síntese: já se trata de ¼ de século ocupado por governos comprometidos com a administração da mais grave crise econômica desde 1840 no Brasil.

Quando o presidente Lula assumiu em 2003 havia a possibilidade de escalar uma equipe econômica progressista, comprometida com a ousadia necessária aos dias de hoje para por o país na rota de um grande projeto nacional de desenvolvimento. Prevaleceu, no entanto, a decisão presidencial voltada à escolha do caminho de menor resistência política, atrelada lamentavelmente à administração possível da crise do capitalismo brasileiro.

A atual equipe econômica – por saber que nesse cenário não há espaço para crescimento econômico sustentável diante da estreita possibilidade de expansão dos investimentos – tem procurado construir um ciclo político da economia nacional.

Em outras palavras, trata-se de puxar o freio de mão da economia em 2005, na expectativa de que no ano que vem possa promover alguma aceleração no ritmo de atividades capaz de embalar positivamente o cenário político das eleições presidenciais. Como não há fluxo interno de investimentos para elevar a capacidade de produção, nem tampouco ociosidade de equipamentos para sustentar dois anos seguidos de recuperação econômica, assiste-se a adoção - desde o final de 2004 - de medidas direcionadas ao esfriamento da economia nacional (elevação dos juros reais e da contenção dos gastos operacionais para ser alcançado maior superávit primário, compatível com a carga ampliada do endividamento público).

Construir um ciclo político da economia nacional no médio prazo não se constitui algo simples. O governo FHC, por exemplo, falhou em duas oportunidades. A primeira tentativa frustrada ocorreu em 1998, quando foi atropelada pela crise asiática, enquanto a segunda transcorreu antes das eleições de 2002, interrompida pelo o agravamento da crise energética.

O ingrediente necessário para que o ciclo político da economia dê certo é, por incrível que possa parecer, a sorte. Mesmo que a equipe econômica fosse uma maravilha e o conjunto do governo excepcional, não estaria afastado o imponderável, uma vez que grande parte das variáveis não é de governabilidade direta do presidente de plantão.

Diante das incertezas que representam as tentativas de administração da crise econômica via a construção de mais um ciclo político-eleitoral, o risco de mais um fracasso da equipe econômica poder custar muito caro não apenas ao governo Lula. Mas, sobretudo, ao país, que já se encaminha para completar a terceira década perdida.  

 

* Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.  

Fonte: Ag. Carta Maior, Marcio Pochmann, 6/6/2005


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