Contrapeso ao “FMI doméstico”
Paulo Nogueira Batista Jr.*

 

Não deu outra: logo após o anúncio de que o acordo com o FMI não seria renovado, a equipe econômica movimentou-se para elevar
a meta de superávit primário. Mas, como Lula não pretende
perder o emprego em 2006, certamente rejeitará o
recrudescimento das políticas restritivas.
 

Depois que o Brasil dispensou o FMI (ou o FMI dispensou o Brasil), fui assaltado por um temor: será que o “FMI doméstico”, instalado na Fazenda e no Banco Central, procuraria adotar mais medidas restritivas para compensar a ausência do original?

Não deu outra: imediatamente a equipe econômica movimentou-se para aumentar a meta de superávit fiscal primário, atualmente de 4,25% do PIB. Seria uma forma de sinalizar aos mercados que a austeridade continua, apesar da não renovação do acordo com o Fundo.

Segundo se noticiou, o presidente da República resiste, por enquanto, à proposta do ministro da Fazenda. Prefere manter a meta inalterada. Transferiu um possível aumento para o futuro, colocando-o na dependência dos resultados do recém-lançado pacote de combate às fraudes na Previdência.

A verdade é que existe um contrapeso ao “FMI doméstico”: o desejo do presidente da República, provavelmente intenso e apaixonado, de reeleger-se em 2006. Como dizia Nelson Rodrigues, a lua-de-mel com o poder não termina nunca. Lula não é nesse ponto diferente do seu antecessor. Esperemos, apenas, que ele não faça como esse último, que arrebentou a economia para garantir um segundo mandato.

O presidente Lula pode lançar mão de argumentos razoáveis para resistir à proposta da Fazenda. Uma ampliação do superávit primário pode ser alcançada por vários caminhos. Mas alguns deles, por terem sido muito trilhados, estão totalmente esgotados. Por exemplo: aumentos de impostos. A carga tributária já cresceu demais no Brasil, principalmente no período 1994-2002. Com a derrota da Medida Provisória 232, ficou evidente que a resistência a qualquer tentativa de aumentar a carga de impostos será enorme, provavelmente insuperável. O que se deve buscar agora é uma diminuição moderada do peso dos impostos, particularmente dos que são socialmente injustos (regressivos) ou incidem sobre os investimentos.

Outro caminho esgotado: cortes de investimentos públicos. Desde os anos 80, investimentos essenciais (na infra-estrutura de transportes, por exemplo) vêm sendo cortados ou adiados. É fundamental recuperá-los para remover certos gargalos à retomada do desenvolvimento.

Esses argumentos podem parecer razoáveis, mas não convencem boa parte dos economistas, dentro e fora do governo. Os porta-vozes do mercado financeiro, sintonizados com o “FMI doméstico”, querem mais superávit primário. Até concordam que não é possível propor aumento de tributos e que o investimento público está no osso, mas clamam pela diminuição dos gastos correntes não-financeiros (os financeiros, por suposto, são intocáveis...).

Duas observações sobre essa sugestão. Primeira: os gastos correntes não-financeiros incluem a área social (educação, saúde, programas de transferência de renda e reforma agrária, por exemplo), a área militar, a segurança pública e despesas essenciais para o bom funcionamento da máquina governamental. Boa parte dessas áreas está prejudicada, há anos, por insuficiência de recursos.

Segunda observação: vamos admitir que seja possível – e certamente deve ser – economizar em gastos correntes não-financeiros, cortando programas não-essenciais, racionalizando despesas e gerindo de forma mais eficiente os programas prioritários. Fica, entretanto, a dúvida: por que aplicar as economias resultantes desse esforço numa ampliação do superávit primário? Por que não a destinar a investimentos públicos em infra-estrutura (portos e estradas, por exemplo) ou à diminuição da pesada carga tributária?

Ojo, presidente! Os que aconselham a radicalização da política econômica não são necessariamente os que vêem com bons olhos a sua reeleição. Apreciam a sua política econômica. Mas, se tiverem escolha, trabalharão por algum outro candidato – por exemplo, algum tucano, novo ou velho, que se apresente com chances.

Mas o alerta é supérfluo. O instinto de sobrevivência do presidente da República, que não pretende perder o emprego em 2006, certamente impedirá que ele caia no canto de sereia dos que recomendam, em nome preservação da credibilidade pós-FMI, o recrudescimento das políticas restritivas.
 

* Paulo Nogueira Batista Jr., economista e professor da FGV-EAESP, é autor do livro “A Economia como Ela É ...” . 

Fonte: Ag. Carta Maior, 07/04/2005


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