Contratos temporários na educação
Eurides Brito da Silva*



A legislação trabalhista brasileira contempla, tal como ocorre na maior parte dos países, a figura do contrato temporário para preenchimento, no mundo do trabalho, de vagas ocasionais. Mas em nenhum campo o assunto é tão complexo como no setor educacional. E por quê? Os sistemas educacionais são obrigados a cumprir, na Educação Básica, o mínimo de dias letivos e de horas-aula, sob pena de não poderem encerrar o ano letivo, mesmo que isso implique adentrar o novo ano civil. Daí vem, em parte, a necessidade de se firmar contratos temporários para que se cumpra a lei.

No campo da medicina, por exemplo, quando falta o profissional, as consultas ou cirurgias são adiadas, os pacientes aumentam as filas, mas a vida continua pelo menos para alguns. No ensino superior público, as faculdades cancelam a oferta de disciplinas, por falta de professores, adiando a conclusão do curso, mas a vida também continua. Para este ano letivo, a UnB, por exemplo, pediu ao MEC a contratação de 300 docentes para preencher vagas definitivas e recebeu autorização para apenas 69 vagas, o que levou o decano da universidade a dizer pela imprensa: "Vamos nos virar da mesma forma que a gente vem fazendo, com contratações temporárias e baixos salários, o que acaba comprometendo a qualidade do nosso trabalho".

O Inep/MEC divulgou recentemente resultado de estudos mostrando que, no Brasil, a carência de professores licenciados em Química, Física, Matemática e Biologia é de 250 mil professores. E qual é o efeito disso nos sistemas de ensino? A necessidade de contratar, temporariamente, estudantes ou profissionais de cursos superiores que estudem ou estudaram em seus cursos tais disciplinas, para que os alunos da Educação Básica não fiquem sem aulas. Mas estes jamais poderão fazer concurso para cargo efetivo, uma vez que as vagas definitivas, com justa razão, são reservadas aos professores licenciados.

Os sistemas de ensino também fazem contratos temporários para substituir professor em licença de natureza diversa: prêmio, gestante, médica, interesse particular, etc., já que é impossível contratar um professor concursado para tais substituições, porque o gozo de licença não produz uma vaga definitiva. Mais uma vez a solução é o contrato temporário. Em 2004, na rede pública do DF, foram concedidas 21.088 licenças, que representariam 1.134.354 horas/aula não ministradas, se não tivessem sido contratados professores temporários.

É oportuno também lembrar que quando um professor concursado é chamado para assumir o cargo, ele pode usar 30 dias para tirar a documentação e ainda pedir uma prorrogação de mais 30 dias. E os alunos, como ficam? Sem aulas ou sob a docência de um professor temporário.

Como a questão é tratada nas demais unidades federadas e em outros países? No Brasil, na maior parte das unidades federadas, o professor temporário recebe como horista, ou seja, por aula efetivamente dada, sem gozar, pois, dos benefícios da coordenação (ele é quem mais precisa) e das horas reservadas ao estudo pessoal, como fazemos no Distrito Federal. Nos chamados países centrais, os que influenciam os sistemas educacionais, os governos transferem recursos diretamente às APMs ou PTAs (Parents e Teachers Associations) para que elas mesmas contratem e paguem os professores substitutos. É evidente que as substituições, mesmo em cidades populosas como Nova York, Tóquio e Londres, sequer se aproximam das licenças concedidas nas maiores capitais brasileiras. Estudiosos atribuem isso ao fato de que naqueles países não existe a figura da estabilidade no emprego, o que leva o professor a restringir ao máximo o pedido de licença. Não vejo a questão dessa forma, tão simplista, mas isso não é objeto deste artigo.

Aqui, no DF, onde os "temporários" são selecionados por concurso público de títulos, recentemente, duas ex-secretárias de Educação e a então secretária receberam pela imprensa a notícia de que o Ministério Público encaminhou ao Tribunal de Justiça pedido de condenação delas, por improbidade administrativa. Crime cometido? Contratação temporária de professores. Estamos aguardando ser chamadas para conhecer os fundamentos da acusação para apresentarmos nossa defesa. Enquanto isso não acontece, repetimos com tranqüilidade os versos da famosa poeta chilena Gabriela Mistral: "Muitas coisas na vida podem esperar: a criança, não! Para ela, seu nome é hoje".

* Eurides Brito da Silva - Doutora em Educação com pós-doutorado em Administração da Educação pela Universidade da Califórnia (EUA). É membro da Academia Brasileira de Educação e da Academia Internacional de Educação. Integrou o Conselho Federal de Educação e exerceu o cargo de diretora do Ensino Secundário e do Ensino Fundamental do MEC. Foi deputada federal e elegeu-se em 1998 deputada distrital com 9.340 votos, pelo PMDB. Licenciou-se da Câmara em 1999 para ocupar pela quarta vez a secretaria de Educação do DF.


Fonte: Correio Braziliense, 31/03/2005.


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