MICROCÂMERAS E MACROCASCATA
Cuidado! A corrupção pode virar piada

Alberto Dines*

 

Dos quatro semanários de informação, no último fim de semana três deles ocuparam-se fartamente nas capas com a questão da corrupção. Qual deles omitiu-se? Cartas para a redação da CartaCapital.

Nos três que se ocuparam do assunto, impossível escolher qual a pior cobertura. A de Veja foi a mais frustrante porque, tendo sido escolhida com exclusividade na semana anterior pelos corruptos para divulgar o "vídeo da propina", imaginava-se que com seus vastos recursos e inegáveis talentos poderia oferecer aos leitores na edição seguinte uma suíte pelo menos razoável.

O mínimo que se espera de uma veículo jornalístico é sua capacidade de dar continuidade às informações que veicula. O Fantástico seguiu à risca este preceito jornalístico comezinho e no domingo (22/5) deu seqüência à série de revelações gravadas pelo governador de Rondônia, Ivo Cassol, sobre a picaretagem na Assembléia Legislativa iniciadas no domingo anterior.

Convém examinar o teor do material informativo constante nas 16 páginas que Veja dedicou ao assunto na edição (nº 1.906, de 25/5):

** Abertura, duas páginas: artigo rigorosamente opinativo e eminentemente político sobre o presidente Lula e seus parceiros. Nenhuma informação nova.

** Quatro páginas sobre as proezas financeiras do presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson, em outra estatal, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Informações requentadas e conhecidas, verazes com certeza, mas sem qualquer comprovação. Ou pelo menos preocupação em comprová-las.

** Duas novas páginas de avaliação política, agora sobre a reação do governo à instalação da CPI no Congresso. Nenhuma informação nova, nenhuma prova, apenas o velho "sabe-se que".

** Sete páginas e meia sobre a corrupção no Brasil baseadas num estudo já conhecido da FGV sobre o custo (estimado) da corrupção no Brasil e dados da Transparência Internacional. Completadas com um adendo sobre nepotismo no Tocantins e fotos de quatro corruptos já punidos (faltaram pelo menos 10 nomes).

** Duas colunas com um paupérrimo show-room de equipamentos disponíveis no mercado para gravações clandestinas a servir de justificativa para uma chamada na capa (" Microcâmeras, aprenda a flagrar um corrupto").

Conclusão: sem a preciosa colaboração dos corruptos-informantes, o jornalismo investigativo de Veja entrou em recesso. É uma lástima.

Sem empulhação

Época (edição nº 366, de 23/5) tentou a velha fórmula de ser veemente na capa e morna no miolo. Nas oito apocalípticas páginas há de tudo, inclusive assuntos sem qualquer relação com o tema da capa. As condenações sofridas pelo casal Garotinho enquadram-se como crime eleitoral, não houve apropriação de recursos do erário.

IstoÉ, muito sabida, escapou pela tangente. Deixou de lado o governo federal, o PTB e os Correios – cujas verbas não podem ser desperdiçadas – e preferiu cair em cima de dois senadores: o bispo Crivella e o empresário Paulo Octávio. Nas seis páginas sobre as negociatas do bispo-senador, ricamente documentadas, esqueceram do principal: pela Constituição, um parlamentar não pode ser concessionário de um serviço público. Mas como entre 30% e 40% dos congressistas estão metidos na mesma irregularidade, IstoÉ deixou a questão de lado.

[A propósito: ninguém reparou que o vibrante semanário da Editora Três deixou de se apresentar como "Independente". Louvável.]

Mais uma vez somos confrontados com a dura realidade da imprensa brasileira: há nove anos consecutivos os grandes escândalos políticos são escancarados exclusivamente graças à eficiência da bandidagem política e/ou empresarial. Quando, por precaução, os marginais se recolhem, então se descortinam as dimensões do reino da "cascata". 

A luta contra a corrupção exige um padrão jornalístico que não pode ser confundido com empulhação. Se virar piada, cansa.
 

* Alberto Dines - Jornalista de participação decisiva na história da imprensa brasileira, Alberto Dines completou 50 anos de profissão em 2002. Idealizador e fundador do Observátório da Imprensa, on-line e pela TV (Editor-responsável), atuou nos maiores jornais do Brasil e desenvolve um trabalho contínuo em pesquisas biográficas.
 

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br, 24/05/2005


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