Cortina de fumaça

 

As emissões de gases estufa e outros impactos da energia nuclear

 

 

Introdução

A construção da usina nuclear Angra 3 foi recomendada pelo CNPE – Conselho Nacional de Política Energética no dia 25 de junho de 2007. Para justificar esta opção tecnológica cara e poluente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pegou carona na forte estratégia de marketing que a indústria nuclear vem adotando no Brasil e no mundo nos últimos anos.

O setor nuclear está se aproveitando da discussão sobre o aquecimento global para apresentar-se como solução energética e reverter o declínio vivido nas últimas décadas. Como reatores nucleares não emitem gás carbônico (CO2), o principal dos gases do efeito estufa, os defensores desta energia tentam convencer a sociedade de que a energia nuclear é limpa e segura e apagar um passado recente marcado por tragédias como Chernobyl e o acidente com o césio-137. Para implementar esta estratégia de marketing, a indústria nuclear contratou até lobistas profissionais travestidos de ambientalistas.

Esta cortina de fumaça criada para minimizar os reais impactos da energia nuclear é, porém, esvaziada ao considerarmos o tempo e o custo de construção de usinas nucleares e o ciclo de vida desta energia – que começa com a mineração do urânio e termina no descomissionamento das usinas. Combinando estes dois fatores, constata-se que a energia nuclear não é uma resposta tecnológica, econômica ou ambiental para mitigar o aquecimento global.

Esta conclusão é fundamentada por diversos estudos técnicos ao redor do mundo. O Massachusetts Institute of Technology publicou em 2005 o cenário “The future of nuclear power”, que mostra a baixa efetividade da geração nuclear para a contribuição à redução de gases de efeito estufa. Já o Oxford Research Group afi rma que, para reduzir as emissões em 50%, seria necessária a construção de até 2.500 reatores nucleares de 1.000 MW de capacidade cada. Isso equivale a colocar em operação três novos reatores nucleares por mês durante os próximos 70 anos, o que é inviável do ponto de vista técnico e econômico, além de ampliar os riscos de acidentes e proliferação de armas nucleares. Uma grande expansão do parque nuclear mundial também agravaria a questão do lixo atômico, um problema ainda sem solução definitiva.

A cada ano, são acumulados 12 mil toneladas de rejeitos radioativos de alta atividade no mundo.

O relatório “Joint fact-fi nding on nuclear power”, do Keystone Center, endossado pelo Nuclear Energy Institute, projeta que apenas 53 usinas nucleares serão construídas até 2056. Estas novas usinas não chegariam sequer a compensar o número de usinas que deverão ser aposentadas no mesmo período.

O fenômeno do efeito estufa é global e as emissões de CO2 contribuem com o problema independentemente de sua origem. Desta forma, a contabilização das emissões de CO2 deve ser considerada em cada parte da cadeia energética, desde a obtenção de energia primária até a produção de energia final.

As emissões de gases estufa e outros impactos ambientais ocorrem nas diferentes etapas da cadeia de acordo com as características da fonte energética e da tecnologia empregada.

A energia nuclear, por depender da extração e tratamento do urânio utilizado como combustível nos reatores, acaba provocando emissões indiretas de gases de efeito estufa, ou emissões não diretamente relacionadas à geração de energia nas usinas. Além do fluxo direto de energia, devem-se incluir nesta equação: (i) os materiais utilizados na construção das usinas e instalações; (ii) a mineração e o enriquecimento do urânio; (iii) a disposição final adequada dos resíduos no longo prazo e; (iv) a desativação da usina e o descomissionamento das minas. A combinação entre energia e os respectivos materiais empregados na construção dessas plantas geram o chamado ciclo de vida.

A análise do ciclo de vida inclui a contabilização de impactos ambientais na operação de processos, impactos indiretos de processos auxiliares (como transporte) e impactos indiretos decorrentes dos materiais de construção empregados. Ao considerar-se o ciclo de vida da energia nuclear conclui-se que esta forma de geração de energia emite sim gases de efeito estufa.

No caso da usina nuclear Angra 3, não bastasse a ausência de debate com a sociedade, representantes do governo usam dados falsos como a importância de Angra 3 para evitar o risco de racionamento energético (apagão) nos próximos 3 anos, os supostos baixos impactos ambientais do empreendimento e, principalmente, a contribuição da usina no combate às mudanças climáticas.

Em novembro de 2007, o Greenpeace impetrou medidas legais na Justiça Federal acusando a construção de Angra 3 de ilegal e inconstitucional.

A organização move ação civil pública contra a União, a Eletronuclear, o IBAMA e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Rio de Janeiro (FEEMA). Em Brasília, o Greenpeace, em conjunto com o Partido Verde, impetrou mandado de segurança na Justiça Federal contra a resolução número 3 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que em agosto de 2007 determinou a construção da usina nuclear. Uma terceira medida judicial foi iniciada pelo deputado federal Edson Duarte (PV/BA), com assessoria técnica do Greenpeace. Ele apresentou Representação perante o Tribunal de Contas da União (TCU) que questiona a validade do contrato para construção de Angra 3, firmado com a empresa Andrade Gutierrez em 1983.

Os advogados do Greenpeace basearam sua argumentação em parecer escrito pelo jurista e professor José Afonso da Silva. Elaborado a pedido da organização ambientalista, o parecer aponta graves ilegalidades e inconstitucionalidades no processo de construção da usina nuclear Angra 3 pelo governo federal. Em primeiro lugar, a construção de uma usina nuclear no Brasil depende de ato do executivo que a autorize. No caso de Angra 3, este ato do executivo é o decreto 75.870, de 1975, editado pelo então presidente militar Ernesto Geisel. Porém, o Greenpeace descobriu que tal decreto encontra-se revogado por outro decreto, s/número, de 15 de fevereiro de 1991 (DOU de 18 de fevereiro de 1991, Seção 1, página 3056), editado pelo então presidente Fernando Collor de Mello. Ou seja, inexiste ato do executivo que autorize a construção de Angra 3, e desta forma, a resolução 3 do CNPE também é ilegal – já que uma resolução depende de ato do poder executivo para ser legítima.

As ações apontam outro fato grave: conforme explicitamente disposto nos artigos 21, 49 e 225 da Constituição Federal, a construção de usinas nucleares como Angra 3 deve passar, obrigatoriamente, pela discussão e aprovação do Congresso Nacional. Isto não ocorreu no caso de Angra 3, já que o governo federal autorizou a retomada da usina via a resolução de número 3 do CNPE publicada no DOU no dia 07 de agosto de 2007. Vale lembrar que o CNPE é um órgão consultivo da presidência da República formado por nove ministros federais e por três representantes – Estados, sociedade civil e universidades, não representando o parlamento brasileiro. Ou seja, ainda que existisse um ato válido do executivo autorizando Angra 3, a construção da usina nuclear deveria ser discutida e aprovada pelo Congresso Nacional.

Não bastasse a ilegalidade que marca o processo de construção da usina, Angra 3 também não contribui para garantir a segurança energética do país. Caso sua construção fosse retomada em 2008, a usina só ficaria pronta em 2014 e acrescentaria apenas 1.350 MW ao sistema elétrico nacional.

Ou seja, Angra 3 não contribui de forma significativa em um possível cenário de racionamento. Trata-se ainda da opção energética mais cara: com os R$ 7,2 bilhões estimados para a finalização de Angra 3, sem contar o que já foi gasto em equipamentos e manutenção, seria possível construir um parque eólico com o dobro da capacidade de Angra 3 (1.350 MW) em um prazo de dois anos, sem gerar lixo radioativo, emitir gases estufa e sem o risco de acidentes. No quesito orçamento, vale lembrar que, historicamente, a construção de usinas nucleares em diversos países chegou a ultrapassar em até 50% os valores previstos originalmente nos projetos.

Um outro bom caso de comparação é o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), do governo federal. Com investimentos de apenas R$ 850 milhões (ou 12% de R$ 7 bilhões), o Procel economizou 5.124 MW, o que corresponde a cerca de quatro vezes a capacidade de Angra 3.

A afirmação que Angra 3 vai contribuir para mitigar o aquecimento global também é incorreta. Em primeiro lugar, no Brasil, cerca de 75% das emissões de gases estufa ocorrem por conta do desmatamento e do uso do solo – especialmente em função da expansão agropecuária na região amazônica.

Assim, se o governo federal deseja, efetivamente, reduzir a participação brasileira no problema do aquecimento global, deve priorizar o controle do desmatamento e frear a expansão de termelétricas a carvão e a óleo na matriz elétrica nacional.

As metas de expansão termelétrica do Plano Decenal de Expansão (PDE) vão contra todos os esforços mundiais de combate às mudanças climáticas perigosas e as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. O plano prevê o aumento da capacidade de geração termelétrica dos atuais 15 mil MW para 28 mil MW em 2016. Deste total, apenas 3 mil MW seriam provenientes de biomassa; o restante seria gerado a partir de fontes fósseis. Como resultado desta ampliação, as emissões equivalentes de CO2 devem subir, segundo os cálculos do plano, de 19 para 44 milhões de toneladas nos próximos dez anos.

Este artigo detalha o ciclo de vida de Angra 3 e estima que o valor final de emissões equivalentes de CO2 da usina são de 150 gCO2/kWh. Vale ressaltar que as emissões resultantes são superiores às emissões de ciclo de vida de energias renováveis como a solar e principalmente a eólica.

Outro problema é que os investimentos na tecnologia nuclear retardam o desenvolvimento de tecnologias limpas. Uma série de entraves às energias renováveis contempladas no Proinfa (Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia Elétrica) ainda devem ser resolvidos. Um deles é a definição, que cabe à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) sobre quem deve pagar os custos de transmissão e distribuição de eletricidade gerada por autoprodutores dentro do programa.

Ao optar pela energia nuclear, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ignora o histórico nacional de insegurança nuclear, o abandono das vítimas de acidentes radioativos, os altos custos e os graves impactos sócioambientais desta fonte energética. Este artigo desmistifica a cortina de fumaça que se formou para defender o bilionário e arriscado projeto  de construção da usina nuclear Angra 3, em especial a ineficácia desta fonte energética na redução de emissões de gases de efeito estufa, além de detalhar seus outros impactos ambientais.

(...)

 

Fonte: Greenpeace, 26/11/2007.

 


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