O CRIME desafia a sociedade
 

 

 
 

"Conhece o teu inimigo", diz a máxima antiga. o inimigo em questão é a criminalidade no Brasil, hoje em proporções muito acima das suportáveis em um país que se pretende civilizado. Nas próximas páginas, VEJA faz uma contribuição a esse bom combate, não só revelando entranhas e contornos do mundo da bandidagem, como propondo soluções para extirpar as raízes desse mal.

 

A impunidade que alimenta o crime
Absurdos da legislação penal
O Rio, sitiado pelas drogas
As milícias saem das sombras
Bandido de meio expediente
O mapa do crime no Brasil

• A máquina de vender cocaína do PCC
• São Paulo: a capital dos criminosos
• Polícia ou bandido?
• Paraguai, o crime "legalizado"
• As armas que vêm do Suriname
• A praga do seqüestro-relâmpago
• Supermax, a supercadeia americana
• Como os jovens caem no crime
• A mente doentia dos psicopatas
• Perfil de um maníaco

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A impunidade que alimenta o crime

Justiça
O Brasil que não pune...


Ao contrário do que muitos pensam, existem mais criminosos que nunca foram
presos do que presos que poderiam ser soltos

A raiz de quase todas as aberrações sobre as quais você lerá nas próximas páginas é a impunidade. Ou seja, a incapacidade endêmica do poder público brasileiro de deter criminosos, condená-los a castigos proporcionais a seus delitos e assegurar que eles serão cumpridos em sua exata extensão, de forma previsível. A finalidade da pena não é outra senão a de impedir que os bandidos cometam novos danos aos cidadãos – e demover outras pessoas de praticar o mesmo crime. Se o condenado estiver apto a reintegrar-se à sociedade após cumprir seu castigo, melhor. Ressocializá-lo, no entanto, não deve ser a finalidade da pena, mas uma de suas conseqüências. A idéia acima não é nova nem severa. Pelo contrário. Foi formulada na Itália do século XVIII por Cesare Beccaria, pai do direito penal moderno. Sua preocupação maior era racionalizar o sistema de punições e evitar violências físicas e morais cometidas contra os réus. Poucos entendem isso no Brasil de hoje, onde presos cumprem apenas um sexto de suas penas e assassinos aguardam em liberdade o final de processos sem fim. Mas não tenha ilusões: a impunidade brasileira é o principal combustível do crime. Só a compreensão exata dos limites desse fenômeno é capaz de depurar a contaminação ideológica do fraco debate criminal e dissipar os mitos criados por seu déficit de racionalidade.  

O maior desses mitos é o de que o país prende demais. Na verdade, é o contrário. Em 2006, o juiz Livingsthon Machado, da Vara de Execuções Criminais de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, ordenou a liberação de 59 detentos de três delegacias da cidade devido à superlotação das celas. Segundo Machado, as condições dos detentos eram desumanas, comparáveis às de campos de concentração nazistas. Eram, de fato. O episódio reavivou a queixa habitual segundo a qual o Estado brasileiro se viciou em construir depósitos humanos e privar da liberdade ladrões de galinha que poderiam cumprir penas alternativas sem oferecer perigo à sociedade. Pouco depois, o consultor Vicente Falconi, diretor do Instituto de Desenvolvimento Gerencial e conselheiro de companhias como a AmBev e a Sadia, produziu um diagnóstico sobre a atividade policial e a situação carcerária de Minas Gerais. Sua conclusão: as prisões não estão superlotadas por haver presos demais, mas, sim, presídios de menos.  

Falconi fez seu diagnóstico com base em dados concretos. A taxa de encarceramento em Minas, estado com 19 milhões de habitantes, é de apenas 156 presos por 100.000 habitantes. No Chile, país com 16 milhões de habitantes e um histórico menor de criminalidade e problemas sociais, esse índice é de 238. Nada mais natural, portanto, que houvesse mais gente presa em Minas Gerais do que no Chile – e não menos. No Brasil, o índice é de 191, atrás de México, Rússia e Estados Unidos. Outros dados fortalecem a conclusão de Falconi e a ampliam para o resto do país. Uma pesquisa do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, por exemplo, mostra que 73% das vítimas de roubo e 70,8% das de furto no estado não acionam a polícia. Em São Paulo, essas taxas são de 55% e 72%, respectivamente. Ou seja, as prisões estão lotadas, mas a maioria dos criminosos nem é investigada, presa ou condenada. Isso sem contar os 570.000 mandados de prisão expedidos pela Justiça, em todo o país, e ainda não cumpridos – número que supera em 100 vezes o de presos com direito a cumprir penas em regime semi-aberto e que só não o fazem por falta de vagas em estabelecimentos judiciais destinados a esse fim. Tudo somado, a constatação é inevitável: existem mais criminosos, condenados ou não, que nunca foram presos do que presidiários que poderiam ser soltos.  

As prisões melhorariam se o Brasil mudasse a lei e popularizasse as penas alternativas? É provável que sim, mas muito pouco. Deixariam de ser caóticas? Nunca. A maioria dos presidiários brasileiros cometeu crimes graves para os quais, por qualquer critério internacional, não cabem penas alternativas. É pequena a parcela de pessoas encarceradas por crimes brandos. Penas alternativas são um bom e justo caminho para reduzir a impunidade em relação a pequenos delitos. No plano geral, no entanto, a saída é construir mais cadeias. E prender, prender, prender.  

COMO RESOLVER O PROBLEMA  

• Construir, a curto prazo, pelo menos 290 presídios de 500 vagas cada um. O preço total seria de 4,5 bilhões de reais.  

• Ampliar o sistema de penas alternativas com o objetivo de reduzir a impunidade, sem a ilusão de que essa medida desafogará os cárceres.

Marcio Aith

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Absurdos da legislação penal

Justiça
...e o Brasil que pune mal

A pretexto de "ressocializar" os presos, benefícios da lei penal alimentam a criminalidade

Em março de 1993, Joabe Severino Ribeiro foi preso em flagrante em Guaianases, periferia de São Paulo, por roubo e tentativa de assassinato. Foi condenado a oito anos e dez meses de reclusão, mas não ficou tanto tempo preso. Um ano e meio depois, tendo cumprido apenas um sexto da pena, pulou para o regime semi-aberto. Em 1997, já estava totalmente livre. Ele foi premiado por um cardápio de benefícios destinado à ressocialização de presos, elaborado em 1984 como forma de "modernizar" e "humanizar" leis criminais. Em dezembro do ano passado, Joabe voltou ao crime. Foi autor de um dos atos mais desumanos da história criminal recente. Com um cúmplice, ateou fogo em quatro pessoas vivas, entre as quais uma criança de 5 anos, na cidade de Bragança Paulista, a cerca de 80 quilômetros de São Paulo. Todos morreram. A motivação de Ribeiro: o roubo de pouco mais de 15.000 reais, guardados num cofre de uma loja de roupas onde duas das vítimas trabalhavam.  

Não há como saber se Joabe deixaria de praticar o segundo crime se tivesse sido rigorosamente punido pelo primeiro. Mesmo assim, o histórico acima revela o mecanismo pelo qual o sistema criminal brasileiro acaba premiando o criminoso a pretexto de ressocializá-lo. São duas as lógicas conflitantes dentro do sistema em vigor. A primeira lista crimes e penas correlatas. Foi ela que previu que Joabe ficaria preso por oito anos e dez meses. A segunda permite suavizar e encurtar punições. Por meio dela, Ribeiro ficou só três anos preso. Ele constatou, assim, que a pena por roubar e matar não é tão grande quanto o Código Penal determina. Que o sistema, enfim, é frouxo.  

Até 2003, os juízes podiam exigir um exame criminológico, realizado por uma junta técnica, para avaliar se o histórico e as condições do preso possibilitavam sua remoção para um regime mais brando depois do cumprimento de um sexto da pena. Essa possibilidade foi retirada da lei porque essas juntas técnicas na prática não existiam – Ribeiro, por exemplo, não passou por nenhum exame rigoroso para ser solto. O resultado disso é que a progressão de pena é concedida automaticamente, às cegas. Outros benefícios também estão fora de controle. A lei prevê uma série de indultos: Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Finados e Natal. Para cada um deles os presos ficam em liberdade por até sete dias. Somente em São Paulo costumam ser soltos até 13.000 presos de uma só vez. Muitos aproveitam a ocasião para praticar crimes. Outros, para fugir. "O fato é que a saída temporária não ressocializa, é apenas outra oportunidade para o crime. O Estado não tem nenhuma condição de fiscalizá-la", diz Fabíola Sucasas, a promotora de Bragança Paulista que denunciou Ribeiro. A lei brasileira também confere aos presos o direito a receber várias visitas íntimas – de suas mulheres ou prostitutas, como desejarem, e na freqüência determinada pelo diretor de cada estabelecimento. Sem contar a possibilidade de terem sua pena reduzida por dias trabalhados. Para cada três dias em que limpam a própria unidade ou prestam serviços a empresas instaladas na prisão, eles têm um dia de redução da pena. Estimulá-los a trabalhar (e pagar a eles por isso) é uma medida correta. Mas não faz sentido anular parte da própria punição só por essa razão. Afinal de contas, a maioria das vítimas também trabalha fora da cadeia – e não ganha nada além de seus salários.  

Os presos brasileiros conhecem a fundo o léxico das regras acima. Assim como funcionários públicos, dominam leis e manuais que os protegem. Servidores têm qüinqüênios, decênios e várias modalidades de aposentadoria. Condenados têm indultos, progressão de pena e visitas íntimas. Ribeiro conhece cada um desses benefícios. É um servidor do crime.  

COMO RESOLVER O PROBLEMA  

• Criar juntas técnicas e restabelecer a obrigatoriedade de um exame criminológico para avaliar se um preso tem direito a progressão de pena.  

• Aprovar o projeto de lei que amplia o tempo mínimo de cumprimento de pena para a progressividade de pena.  

• Extinguir a progressão de pena para assassinos cruéis.  

• Reduzir drasticamente o número de indultos.  

• Limitar ao máximo as visitas íntimas.  

Com reportagem de Julia Duailibi

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O Rio, sitiado pelas drogas

Rio
Rio, cidade aberta

Como o tráfico se incorporou à paisagem carioca e se tornou um negócio de
altíssima rentabilidade nos morros e favelas

O tráfico de drogas assumiu uma dimensão superlativa no Rio de Janeiro. Instalado em pelo menos 300 das 752 favelas cariocas, ele se disseminou de tal forma que abalou não apenas a imagem da cidade – povoada por traficantes que se movimentam pelas ruas com armas de uso militar em punho – como a vida de seus habitantes. A rotina da cidade é freqüentemente conturbada por tiroteios entre facções ou pelo confronto violento de policiais com bandidos. Como conseqüência, túneis que ligam áreas importantes são fechados e estradas de acesso ao Rio são bloqueadas. Há duas semanas, o tráfico deu nova mostra da desenvoltura com que vem agindo ao ordenar ações que causaram a morte de doze pessoas e feriram outras trinta. São os efeitos mais trágicos e visíveis da criminalidade que os sucessivos governantes não conseguiram enfrentar nas últimas três décadas. Muitos, aliás, nem tentaram. Pelo contrário, firmaram acordos espúrios com traficantes e fizeram vista grossa para a chaga que se abria na cidade.  

O tráfico de cocaína é um crime de altíssima lucratividade. Entre a produção da droga, nos países andinos, e a sua venda nas bocas-de-fumo cariocas, o quilo da cocaína valoriza-se em 650%. O lucro só não é maior para as quadrilhas porque, para se manter, elas têm de lançar mão de grossas quantias para remunerar policiais corruptos. Há os que chegam a ficar com 80% do lucro em algumas favelas. Outra fonte de despesa são os funcionários de carreira, sem trocadilho, que ganham salários invejáveis. O de um "gerente-geral" chega a 15.000 reais por mês. Nos últimos anos, o tráfico começou a explorar vários outros serviços nas favelas, avançando sobre o território do comércio formal. O mito urbano do "barão do tráfico", o cidadão de classe média alta que comandaria o crime confortavelmente instalado em uma cobertura de frente para o mar, nunca teve sua existência comprovada pela polícia. Em compensação, está mais do que evidente que as quadrilhas, atualmente, se comportam como empresas. Até a década de 80, as favelas vendiam apenas maconha e cocaína. Hoje, já oferecem também haxixe e crack, produto que a proximidade das facções cariocas com o PCC paulista ajudou a levar para o Rio. Os preceitos do marketing estão presentes não só na diversidade das mercadorias oferecidas mas também na forma como são comercializadas. Para atraírem mais clientes e aumentarem as vendas, os traficantes passaram a promover eventos. O mais popular deles é o baile funk, mas outros estão surgindo. Recentemente, um torneio clandestino de vale-tudo mobilizou centenas de espectadores na Cidade de Deus. Há ainda os ensaios das escolas de samba. O da Mangueira, por exemplo, a mais tradicional escola de samba da cidade, recebe até 15.000 pessoas por noite e tornou-se uma ótima oportunidade para os traficantes turbinarem suas vendas.  

A Mangueira está entre as dez favelas que abrigam as quadrilhas mais fortes do Rio, vendem grandes quantidades de drogas, têm mais poderio bélico e maior importância estratégica para as facções ligadas ao tráfico, como o Comando Vermelho, os Amigos dos Amigos e o Terceiro Comando. Cada favela desse conjunto funciona como uma espécie de centro distribuidor de armas e drogas para outras ligadas à mesma facção, além de emprestar apoio operacional a quadrilhas amigas nas intermináveis disputas de território. A Rocinha, a favela-vitrine do Rio, é outro ponto estratégico do tráfico. Instalada a 150 passos da Estrada Lagoa–Barra, que liga a Zona Sul à Barra da Tijuca, está a sua mais movimentada boca-de-fumo. A formação básica da boca inclui um olheiro – responsável por avisar os traficantes da aproximação de inimigos – e não mais do que cinco "soldados", que, armados com fuzis, permanecem ocultos, em pontos estratégicos. O principal mercado fornecedor para as quadrilhas do Rio é São Paulo. É pela Rodovia Presidente Dutra que entram 90% das 17 toneladas de cocaína que são vendidas no Rio por ano. A maior parte é consumida nos limites da cidade. O Rio é, portanto, o marco final de um ciclo que teve início nos países andinos e deixou atrás de si um rastro de mortes e corrupção.  

COMO RESOLVER O PROBLEMA    

• Estabelecer metas mais rigorosas para a repressão ao crime. Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas, as quadrilhas só começam a ter sua força econômica abalada quando se apreende mais de 30% da droga que elas comercializam. No Brasil, o cálculo é de que a polícia capture apenas 10%.  

• Abrir corredores de circulação pelas favelas cariocas. A medida facilitaria a instalação dos serviços básicos e o trabalho de policiamento preventivo, assim como a repressão ao crime.  

• Vigiar as entradas do Rio. Os caminhos por onde a droga chega à cidade são mais do que conhecidos: a Via Dutra e a rodovia Rio-Santos, que se unem na Avenida Brasil.  

• Isolar os líderes de facções em presídios de segurança máxima. A prisão federal de Catanduvas, no Paraná, está pronta desde junho passado, mas só na última sexta-feira recebeu doze dos bandidos que comandam o terror no Rio.

Ronaldo França

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As milícias saem das sombras

Rio
E o Estado sumiu...

Conflagrado, o Rio de Janeiro vê crescer um problema explosivo: o surgimento
de grupos paramilitares

A onda de violência que tomou conta do Rio de Janeiro na passagem do ano trouxe à luz novos protagonistas da barbárie que vitima a cidade: as milícias formadas para combater o tráfico. Por causa da atuação delas, a facção criminosa Comando Vermelho, acuada, teria promovido a série de ataques a unidades policiais e a civis indefesos. Esses grupos de milicianos, que já dominam cerca de oitenta favelas da cidade, são liderados por policiais e ex-policiais. Ou seja, não satisfeita em corromper-se, a polícia do Rio de Janeiro passou a concorrer com a bandidagem. Acabou demonstrando, mesmo por vias tortas, que é possível, sim, acabar com o domínio exercido pelo tráfico de drogas nas favelas. Mas aceitar que esse trabalho seja feito por paramilitares é admitir a total falência do poder público. Na prática, trata-se de substituir um problema por outro: saem as hordas de bandidos e entram contingentes de homens armados que agem igualmente à margem da lei.  

As milícias surgiram em favelas da Zona Oeste carioca, por iniciativa de moradores, entre eles policiais. Elas se organizaram para não deixar os bandidos tomar conta do lugar. Impediam a invasão de traficantes e agiam como a polícia e o Judiciário do lugar, reprimindo crimes e desordens. Com o tempo, a prática se disseminou, e os policiais que delas já faziam parte tomaram as rédeas. Passaram, então, a vislumbrar lucros na exploração dos serviços comunitários. Hoje, controlam a venda de botijões de gás, o transporte de vans e motos e os negócios imobiliários. Ou ainda serviços acessórios, como instalação de TV a cabo clandestina. Tudo passou a ser taxado, numa versão carioca do pizzo, a taxa de proteção cobrada pelos mafiosos italianos. Mototaxistas, por exemplo, pagam 20 reais por semana. Comerciantes, dependendo do tamanho do negócio, até 50 reais.  

As autoridades de segurança do estado conhecem os nomes de vários integrantes dessas milícias que atuam livremente. Alguns chamam atenção pelo poderio financeiro, paramilitar e político que acumulam nas regiões que dominam. É o caso dos milicianos que controlam a favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade. Ali, o grupo que manda é eclético. Tem desde o vereador Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho, do PFL, aliado político do prefeito Cesar Maia, até o sargento da PM Geiso Pereira Turques, dono do Castelo das Pedras, clube que realiza um dos mais concorridos bailes funk da cidade. Perto dali, em Curicica, na mesma Zona Oeste, quem controla a milícia é o policial reformado Eduardo José da Silva, o Zezinho Orelha, que já foi acusado formalmente pela deputada estadual Cidinha Campos, do PDT, de querer matá-la, quando ela denunciou a máfia dos combustíveis. Ou ainda o bombeiro Cristiano Girão, que atua na localidade de Gardênia Azul e fez campanha para deputado estadual pelo minúsculo partido PHS, prometendo levar "mais segurança aos menos favorecidos", mas não se elegeu. Já o ex-cabo do Exército Luiz André Ferreira da Silva, o Deco, "dono" da favela da Chacrinha, na Praça Seca, teve mais sorte. Como suplente, vai assumir agora, pelo Prona, a vaga deixada pela ex-vereadora Senhorita Suely, eleita deputada federal pelo mesmo partido. Outro chefe miliciano é o deputado estadual Coronel Jairo, do PSC, que controla favelas em Bangu e Realengo, bairros também da Zona Oeste carioca. Ele acumulou um poder tão grande que hoje manda em hospitais, escolas públicas e delegacias da região.  

A facilidade com que as milícias expulsam os traficantes se deve, em parte, a uma estratégia diferente da usada nas ações policiais. Os milicianos ocupam as favelas e nelas permanecem – ao contrário da polícia formal, que realiza investidas por um tempo determinado e depois se retira. Há ainda o fato de que vários dos policiais integrantes moram nessas comunidades, o que facilita a ocupação permanente. A maioria dos moradores apóia as milícias. Entre outros motivos, por medo de que os traficantes retornem – e, com eles, toda sorte de violação de seus direitos. Mas os métodos dos milicianos não se distanciam muito dos usados pelos bandidos.  

COMO RESOLVER O PROBLEMA  

• Conter o avanço das milícias, desarticulando os grupos já formados e impedindo que outras favelas sejam ocupadas.  

• Criar um rito sumário para a expulsão de policiais envolvidos em atividades ilegais, entre elas atuação em milícias.

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Bandido de meio expediente

Rio
Ladrão nas horas vagas

A fim de reforçar os ganhos, seguranças e vendedores do tráfico praticam
assaltos - agora, com a benção de seus chefes

Até ser preso, Jefferson da Silva Rosas, 23 anos, era vendedor de boca-de-fumo, ou "vapor", como se diz na linguagem do tráfico. Por um "salário" de 300 reais por semana, ele cumpria na favela onde mora, a Parque Alegria, um "plantão" de seis horas diárias. Nesse período, ficava encarregado de vender uma carga de 38 papelotes de cocaína e 85 trouxinhas de maconha. O tráfico, no entanto, não é a única atividade criminosa de Rosas. O rapaz é mais um entre os milhares de vendedores ou seguranças do tráfico que aproveitam suas horas de "folga" no comércio de drogas para praticar furtos e roubos na cidade. Ele é integrante da quadrilha que participou da tentativa de assalto que terminou no assassinato, com oito tiros, do desembargador José Maria de Mello Porto, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho. Foi apenas um dos casos em que ficou evidente a ação dos soldados do tráfico convertidos em assaltantes part-time.  

Em setembro passado, a polícia fluminense prendeu uma quadrilha especializada em assaltar farmácias que se intitulava "o bonde do Viagra". O remédio contra a impotência é especialmente visado pelos bandidos por causa de seu preço elevado e sua demanda idem. Os presos eram todos ligados ao tráfico e cumpriam "hora extra". Em fevereiro, o ator Marcos Palmeira foi rendido por criminosos na mesma situação, durante um assalto à casa de seus pais. Em junho, o guitarrista do grupo Detonautas, Rodrigo Netto, foi assassinado quando um soldado do tráfico da favela da Mangueira, na Zona Norte da cidade, tentou roubar seu carro. Uma característica dos assaltantes part-time é a violência com que tratam suas vítimas. Drogados, podem matar por qualquer motivo: porque o motorista se recusou a entregar o carro ou porque, por descuido, fez um gesto brusco.  

A transformação dos guardiães das bocas-de-fumo em assaltantes part-time reforça a certeza de que o tráfico é uma matriz inesgotável de novos crimes – e aponta para uma mudança no comportamento criminoso. Há mais ou menos uma década, um bandido desses que fosse pego praticando roubos e furtos perto da favela onde morava era punido pelos traficantes. Hoje, na maioria das favelas, o assalto a mão armada passou não só a ser permitido como incentivado pelos chefões. Na economia do tráfico, o assalto representa apenas um ganho adicional. Na vida do cidadão, significa mais terror.

Ronaldo França

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O mapa do crime no Brasil

 

  

Fonte: Rev. Veja, ed. 1990, 10/01/2007.


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