ONGs: crítica do Banco Mundial à transposição ainda é válida

 

Relatório do Banco Mundial de 2000 afirma que eixo norte da transposição é desnecessário, que projeto dificilmente atenderá os pobres, e sugere investimentos em alternativas. Críticas ainda são pertinentes pois projeto não mudou nos pontos em questão, diz FBOMS.

Um relatório confidencial do então diretor da Unidade de Gerenciamento da América Latina e do Caribe do Banco Mundial, Gobind T. Nankani, enviado em outubro de 2000 ao ministro da Integração Nacional de Fernando Henrique Cardoso, Fernando Bezerra, pode voltar a ser sacado como arma dos opositores do projeto de transposição do rio São Francisco.

No documento, uma avaliação do projeto de transposição, o diretor do Banco Mundial reitera, primeiramente, “que o Banco se preocupa com a diminuição da pobreza rural naquela região (NE) e tem se envolvido em um número de importantes iniciativas focadas na diminuição da pobreza e no crescimento econômico”, mas acaba sendo bastante crítico a aspectos da transposiçã. Assim, baseado nas projeções e demandas fornecidas pelo governo, conclui que ao menos o eixo norte “não será necessário para atender a demanda urbana, doméstica rural, difusão rural ou irrigação existente ou irrigação em construção por pelo menos uns 10 a 15 anos”.

No três questões consideradas fundamentais para o combate à seca no Nordeste - trabalhar primeiramente rio abaixo, estabelecer um efetivo gerenciamento de águas antes de ligar as bacias, e assegurar a inclusão dos mais pobres -, o Banco Mundial aponta alternativas que poderiam excluir a transposição num primeiro momento.

“Idealmente, o projeto [de desenvolvimento regional] deve ser desenhado para trazer benefícios o mais rápido possível. Isto se cumpriria desenvolvendo eficientemente os recursos hídricos existentes nas bacias receptoras do Nordeste imediatamente e apenas construir os canais de integração à medida que se tornasse evidente que ele é justificado pela demanda por água a alto custo”, avaliou a instituição, concluindo, sobre o tópico, que existe uma oportunidade de iniciar este projeto terminando trabalhos em andamento e desenvolvendo a infra-estrutura adicional para assegurar a total utilização dos recursos hídricos locais nas bacias receptoras. “Nós acreditamos que uma rápida finalização de um número de projetos em andamento e o início de outras iniciativas bem planejadas resultariam em benefícios imediatos e reduziriam a vulnerabilidade de muitas áreas importantes”.

Por outro lado, segundo os técnicos do Banco Mundial, a experiência internacional mostra que projetos de agricultura com orientação para a exportação, como vem se configurando a fruticultura irrigada no NE, freqüentemente deixam os pobres de lado. “Estimamos que mais de 70% dos custos destes projetos são para irrigação, e não para o suprimento de água para uso doméstico. Nós consideramos que o uso de recursos públicos só se justifica se este projeto proporcionar uma grande contribuição para eliminar a pobreza rural no nordeste. Se este for o caso, o projeto precisa incluir medidas especificas que garantam a inclusão dos pobres”.

E sugerem: “em primeiro lugar, os benefícios esperados devem ser comparados mais de perto com o custo do investimento. Em segundo lugar, os investimentos precisam seguir uma reforma institucional e não o contrário; conseguir acordos a cerca de princípios modernos de gerenciamento de bacias seguido pela construção de nova infra-estrutura, quando direitos adquiridos já foram ganhos, é muito mais difícil do que negociar antes da construção. Em terceiro lugar, o projeto precisa especificar suas metas de alívio da pobreza, incluindo a população beneficiaria, e as formas específicas pelas quais serão atingidas. Como está no momento, tais benefícios se comparam de forma pobre com qualquer análise financeira e econômica, que no momento permanece muito negativa”.

Validade

Vazado para a imprensa no início deste ano, o documento do Banco Mundial foi tratado pelo governo Lula como obsoleto por estar se referindo ao antigo projeto de FHC, teoricamente reformulado. Mas notícias divulgadas por jornais brasileiros no início deste ano afirmam que representantes da entidade também reiteraram sua avaliação contrária à transposição para membros do alto escalão do governo Lula em 2003 e 2004.

A mesma opinião tem a advogada Ninon Machado, membro titular do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). “Apesar da reformulação, os pontos críticos abordados pelo Banco Mundial ainda constam do projeto. Em meados deste ano, solicitei ao ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) que se pronunciasse sobre o parecer do Banco Mundial para os membros do CNRH, e estou aguardando uma resposta até hoje”.

Ninon, que teve acesso ao documento do banco só em junho deste ano, agora quer distribuí-lo para todos os conselheiros do CNRH, uma vez que sua “confidencialidade” foi quebrada. Segundo ela, o FBOMS avalia que a melhor solução para o impasse que se criou após a greve de fome do bispo de Barra, Dom Luiz Cappio, ao qual o presidente Lula teria prometido paralisar a transposição até que houvesse um debate maior na sociedade, seria retirar o projeto das instâncias governamentais e passá-las para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. 

Fonte: Ag. Carta Maior, Verena Glass, S. Paulo, 12/10/2005


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