Fórum de Davos termina em clima de
'pessimismo cauteloso'

 

O encontro anual do Fórum Econômico Mundial terminou neste domingo em Davos, na Suíça,
em um clima de pessimismo, mas principalmente de cautela e dúvidas, sobre os rumos
da economia global nos próximos meses
 

A impressão deixada pelos analistas, economistas, executivos e autoridades que passaram pelo evento desde seu início, na quarta-feira, é que os Estados Unidos não terão como escapar de uma recessão ou, ao menos, de uma forte desaceleração econômica. Mas as opiniões divergem em relação ao impacto que ela terá sobre o restante da economia global e, principalmente, sobre os países emergentes, entre eles o Brasil. 

O fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, procurou dar um tom mais positivo ao seu discurso no encerramento do evento, na manhã deste domingo, dizendo-se “moderadamente otimista” com as perspectivas para este ano. 

Segundo ele, as atuais dificuldades e turbulências são um “desafio”, mas também devem ser vistas como uma “oportunidade” para que governos e o setor privado adotem ações e políticas a favor do crescimento econômico. 

Contraste 

O tom otimista da cerimônia de encerramento, porém, contrasta com a grande maioria das opiniões e previsões formuladas durante os últimos dias pelos participantes do fórum de Davos. 

No sábado, o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, afirmou que a crise é “séria e exige respostas sérias” e sugeriu que alguns países reduzam suas taxas de juros e aumentem seus gastos públicos para combater os efeitos da crise. 

A proposta formulada por Strauss-Kahn contraria a receita tradicional do FMI, de controle dos gastos públicos e políticas monetárias rígidas no combate à inflação. Para muitos analistas, a mudança de posição do Fundo pode ser uma indicação da gravidade da crise nos Estados Unidos. 

O Fórum em Davos começou na quarta-feira em meio às turbulências nos mercados financeiros mundiais no início da semana, levando a uma avalanche de análises e previsões catastróficas sobre a economia americana e, em um grau um pouco menor, sobre a economia global. 

O anúncio da perda bilionária do banco francês Société Générale, por conta das operações ilícitas de um de seus corretores, contribuiu para deixar o ambiente ainda mais tenso entre os participantes do fórum, muitos deles representantes de instituições financeiras.  

A recuperação verificada pelos mercados mundiais no final da semana, após o corte da taxa de juros pelo Fed, o Banco Central americano, e o anúncio de um pacote de medidas de incentivo econômico pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ajudaram a aliviar um pouco a tensão, mas não reduziram o pessimismo e a preocupação com o que acontecerá nos próximos meses. 

Gripe americana 

Considerado uma voz dissonante em meio ao otimismo das previsões feitas no encontro do ano passado em Davos, o economista Nouriel Roubini viu suas análises pessimistas muito mais próximas à média das demais previsões feitas neste ano. 

Em um debate na quinta-feira, destinado a discutir o impacto da crise americana sobre a economia global, intitulado “Se os Estados Unidos espirram, o mundo ainda ficará resfriado?”, Roubini afirmou que “os Estados Unidos não vão apenas espirrar e pegar um resfriado, mas terão um longo período de pneumonia”.

No dia anterior, ele já havia afirmado, em outro debate, que alguns países emergentes, como o Brasil, podem estar um pouco mais bem preparados neste ano para enfrentar uma crise mundial, mas deverão ainda assim se preparar para um “ano duro” pela frente. 

Mas é nesse ponto que aparecem as principais divergências de opinião entre os participantes de Davos. Respondendo à colocação de Roubini no debate da quinta-feira, Fred Bergsten, diretor do Peterson Institute for International Economics, disse: “Se os Estados Unidos pegarem um resfriado agora, talvez o resto do mundo pode espirrar um pouco, mas certamente não terá uma pneumonia e nem mesmo estou seguro de que o resto do mundo pegue até mesmo o resfriado”. 

Descolamento 

Outro ponto de bastante debate em Davos neste ano foi sobre a tese de “descolamento” entre a economia dos Estados Unidos e a dos países emergentes, que vêm crescendo a taxas bem superiores à dos países ricos. 

“Não creio que o mundo emergente seja um escravo da sorte dos Estados Unidos, ou de todo o mundo desenvolvido de maneira mais ampla, então existe um elemento de descolamento, mas é impossível haver um descolamento total”, afirmou Lloyd Blankfein, presidente do banco Goldman Sachs. 

Para o diretor-geral do FMI, todos os países devem ser atingidos “um pouco” pela crise nos Estados Unidos, mas os países emergentes podem estar numa posição melhor do que no passado para enfrentar a crise. 

Falando sobre o Brasil, em particular, Strauss-Kahn disse que o país “está muito bem” e “não poderia estar melhor para lidar com a crise”.  

Perspectivas 

Posição semelhante foi expressa por alguns dos poucos empresários brasileiros presentes no encontro deste ano, como Carlos Ghosn, presidente do grupo Renault-Nissan. 

Ghosn afirmou estar otimista com as perspectivas para o Brasil neste ano e disse acreditar que a crise nos Estados Unidos não afetará o país de maneira muito intensa. 

Como exemplo desse otimismo, ele disse esperar um novo crescimento do setor automobilístico brasileiro neste ano, ainda que não tão alto quanto os 25% verificados no ano passado. 

O ex-ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan, por sua vez, disse ter sentido a impressão de que as análises mais pessimistas feitas nos últimos dias em Davos vieram de representantes das economias “mais desenvolvidas”. 

Para ele, o mundo “começa a entender que os países emergentes, como os do chamado grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) podem exercer um fator positivo no crescimento mundial”. 

Ainda que esses países sejam afetados pela crise nos Estados Unidos, argumenta Furlan, esse impacto não deve ser muito forte e pode até mesmo ter um componente positivo, como explica: “Se a crise americana conseguir reduzir o crescimento da China de 11% para 8% ao ano, é tudo o que o governo chinês vem tentando fazer, para ajudar a controlar as pressões inflacionárias”.

 

Fonte: BBC Brasil, Rogerio Wassermann (enviado especial a Davos), 27/1/2008.

 


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