Definição de raça causa polêmica



Está cada vez mais difícil saber quem é negro no Brasil. Pelo sistema de cotas adotado nos vestibulares de várias universidades, negro pode ser quem se declare assim, e ponto. Pode ser quem tenha antepassados negros assim tipificados em certidões ou documentos oficiais. Pode ser quem, em uma fotografia, apareça escuro. Pode ser quem assim se declare e também tenha estudado sempre em escolas públicas.

"Engraçado, isso. Para discriminar o preto, o porteiro do shopping ou o policial não precisam disso tudo. Não pedem fotografia nem histórico escolar. Eles olham a cor da pele, o cabelo carapinha, o lábio robusto e pronto", surpreende-se o jornalista negro Jaime do Amparo Alves, 25.

A definição sobre quem deveria merecer o benefício ficou complicada porque o Brasil tem 86% de sua população com mais de 10% de genes africanos. Todos quase negros ou quase brancos, quem deveria merecer o benefício?

A primeira resposta dada: quem se declarar negro é negro. Assim aconteceu no vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que em 2003 reservou 38 das 98 vagas de medicina para estudantes autodeclarados negros.

"Foi quando percebemos que alunos brancos oportunistas tinham decidido roubar as vagas dos negros. Das 38 vagas para cotistas, apenas 15 foram preenchidas por negros e pardos de verdade", conta Frei Davi Santos, 53, diretor-executivo do Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes).

Foi um tsunami de ações na Justiça. Mais de 200 só a respeito do vestibular da Uerj.

Para se proteger das fraudes, algumas universidades instauraram aquilo que os detratores chamam de "tribunais de negritude". A UnB (Universidade de Brasília) resolveu apartar os falsos negros logo no ato de inscrição. E pediu fotos de todos os candidatos.  Mas foi preciso tomar cuidados. Um programa simples de computador pode africanizar até o mais caucasiano dos indivíduos. Isso sem contar as câmaras de bronzeamento.

A UnB resolveu ela mesma fotografar, com máquina e iluminação padronizadas, todos os candidatos ao seu vestibular.

Se houvesse contradição entre a foto e a candidatura à cota, uma comissão apuraria a procedência ou não do pedido do benefício.

Marcus Vinicius Araújo Soares, chefe do núcleo de Planejamento do órgão responsável pelo vestibular da UnB, diz estar "satisfeito" com a forma adotada pela universidade. "O processo tem sido transparente, sem problemas jurídicos, vitorioso."

Negro para sempre

Como a UnB começou a adotar as cotas no ano passado, quem teve a inscrição pelas cotas homologada antes agora não precisou tirar a foto de novo. Apenas informou que já havia sido considerado afrodescendente. Uma vez basta.

A contribuição original veio da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que pediu a candidatos sem características fenotípicas de negros que apresentassem documentos provando ter ascendência negra.

"Parece que isso não vai levar a muito coisa", diz o jornalista Jaime Alves. Ele lembra que, no Brasil, onde à condição negra sempre se associaram mazelas, "uma gota de sangue branco bastava para que o bebê fosse registrado como qualquer coisa, menos preto". Esta a razão dos 169 sinônimos existentes no léxico nacional para homem negro ou pardo.

Na Uerj dos meninos brancos-negros, a comissão do vestibular optou por adicionar à autodeclaração de negro a necessidade de o candidato ter atestado de carência. Como se não existissem negros acima da linha da pobreza.

"Pelo menos estamos discutindo tanto para incluir. Estados Unidos e áfrica do Sul deram-se a todo esse trabalho, nos anos 50, para excluir, para apartar o negro", diz, otimista, o frei Davi.

Fonte: Folha de S. Paulo,  Laura Capriglione, 15/02/2005.


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