Entrevista – Roberto Leher
Desenvolvimento da educação de Lula é por decreto

 

Com o Plano de Desenvolvimento da Educação, o presidente Lula dá mais um passo na sua escalada populista, centrada no favorecimento do setor financeiro empresarial e nas promessas às classes menos favorecidas. Durante o lançamento do que chamou de “revolucionário PDE”, Lula disse que o plano fará com que “a mãe pobre possa acreditar que o filho dela poderá ser doutor, engenheiro”.  

De fato, o PDE engloba ações que vão desde a instalação de energia elétrica nas escolas básicas até a fixação de recém-doutores no país, mas a idéia certamente não é formar engenheiros, médicos, professores e outros profissionais associando a isso um plano de desenvolvimento econômico que permita a geração de empregos e absorção destes quadros. 

No que diz respeito à educação superior, o decreto que estabelece o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni – nº 6.096, 24/4/07) pode alterar por completo a atual estrutura dessas instituições. O governo acena para população com uma duplicação do número de vagas nas universidades públicas e anuncia a elevação da taxa média de conclusão dos cursos de graduação presenciais para 90% e o aumento da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para 18/1. 

O Jornal da Adufrj-SSind noticiou na última edição de 2 de maio o debate ocorrido no Conselho Universitário sobre o decreto e os documentos do PDE. O ANDES-SN divulgou uma nota (www.andes.org.br/imprensa/ultimas) na qual chama a atenção para o caráter ilusionista do decreto. O Sindicato chama a atenção para a razão de 18/1 (estudantes/professor) que, segundo as estatísticas do próprio MEC é o que se verifica, em média, nas lotadas classes do ensino médio no país. Isso permitiria quase uma duplicação de ingressos, mas sem contratação de docentes. O aumento da taxa de conclusão média, dos atuais 60% para 90%, levaria à triplicação dos egressos sem investimentos adicionais. Para cumprir essas metas com o financiamento proposto, a reestruturação proposta pelo governo terá que se valer de ummodelo de ciclo básico polivalente, no estilo da “Universidade Nova” proposta pelos reitores. 

Entrevistamos o conselheiro da seção sindical e professor da Faculdade de Educação, Roberto Leher, sobre as conseqüências do PDE para as universidades, especialmente para a carreira docente. Para Leher, o Plano é um ajuste na tática do governo de criar um “mercado educacional mais robusto”. O professor denuncia a falsa autonomia contida no plano, especialmente na gestão de pessoal, que significará o aumento das contratações precárias, na figura dos professores substitutos, para o preenchimento das vagas docentes e expansão dos cursos. 

Jornal da Adufrj - Qual o nível de influência das propostas do ‘Universidade Nova’, projeto recentemente badalado por alguns reitores e encampado pela Andifes, no Plano de Desenvolvimento da Educação do governo? 

Roberto Leher - A pretensão de originalidade do PDE/REUNI é descabida. A proposta de graduação nos moldes do “fast delivery diploma” está presente no governo desde a proposta do Grupo de Trabalho Interministerial (2003) em que a idéia era expandir as vagas públicas por Educação a Distância. Uma idéia que faz parte do núcleo sólido da política do governo de Lula da Silva e que compunha o cerne da Minuta de Decreto de implementação da UN apresentado pelo MEC em março de 2007.  

No âmbito do MEC, os fundamentos do Projeto Universidade Nova estão no Projeto de Lei Orgânica (versão de dezembro de 04) que previa graduação em três anos (Art. 7) e o desmembramento da graduação em dois ciclos, o primeiro deles de “formação geral” (Art. 21). A primeira menção explícita à UN pode ser encontrada na Minuta de Decreto Presidencial Plano Universidade Nova de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (versão de março de 07). A incorporação do princípio da graduação minimalista pelo MEC é muito importante, pois indica que, enquanto política governamental, o MEC propugna que também as públicas devem se harmonizar com a tendência geral de adequação da educação superior ao mercado capitalista dependente, equiparando públicas e privadas.  

Recentemente, com o chamado PAC da Educação, o governo editou o Decreto 6.096/2007 (24/04/07) que “Institui o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais” (REUNI) que opera a implementação da Universidade Nova (incisos II, III e IV do art. 2º do decreto 6.096/2007). O inciso II garante condições para a mobilidade e a “harmonização” dos ciclos básicos, criando um vasto mercado para as privadas que disputarão a absorção dos excedentes do ciclo básico. O inciso III permite o desenho curricular previsto na UN e o IV, a diversificação das modalidades de graduação. 

Jornal da Adufrj - O que representa o decreto-lei do Reuni - Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, assinado pelo presidente Lula em 24 de abril (Decreto nº 6.096)? 

Roberto Leher - O decreto fixa metas de desempenho a serem alcançadas, em moldes do contrato de gestão de Bresser Pereira: os recursos financeiros serão reservados a cada IFES na medida da elaboração e apresentação dos respectivos planos de reestruturação (Art. 3o): a) 90% de formados em relação aos ingressantes (Art. 1o, §1o), um índice que não tem paralelo nas comparações internacionais e que somente seria possível com a implementação também na educação superior da aprovação automática e uma agressiva política de assistência estudantil e; b) a meta de relação professor/ estudante que deverá passar dos atuais 12 estudantes por docente para 18 alunos por docente em um prazo de cinco anos.  

O programa prevê, em linhas gerais, a quase duplicação do número de estudantes de graduação, mas de uma graduação minimalista, própria do capitalismo dependente. Isso sem recursos relevantes, sem garantir a assistência estudantil e a garantia de recursos estatais para a manutenção e desenvolvimento da ampliação das IFES. Os recursos somente serão liberados a partir do atingimento das referidas metas, na melhor tradição bancomundialista.  

O referido decreto prevê a possibilidade de um montante que não poderá ultrapassar o equivalente a 20% das despesas de custeio e de pessoal (excluindo os aposentados e pensionistas), montante este que será distribuído ao longo de cinco anos (Art. 3, parágrafo 1o). Admitindo que todas apresentem planos de adesão ao REUNI, que o MEC trabalhe com o teto de 20% e, ainda, que os 20% serão distribuídos todos os anos, ao longo do período de contrato, grosso modo, o montante seria de aproximadamente R$ 1,12 bilhão/ano, cerca de R$ 21 milhão/ano por instituição que, com esses recursos, terá de arcar com a expansão da infra-estrutura e com as despesas de pessoal (Art. 3, inciso III).  

Detalhe: O atendimento do Plano de cada IFES é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do MEC (Art.3, §3o), o que pode confirmar um montante inferior a 20%, assim, as universidades podem contratar docentes e investir em infra-estrutura e o MEC não fica obrigado a se responsabilizar com a garantia dos recursos acordados. Considerando o PAC e o virtual congelamento das despesas correntes da União, essa possibilidade não é pequena. Outro detalhe: a decisão sobre a pertinência ou não do contrato de gestão elaborado pela IFES compete exclusivamente ao MEC.  

Jornal da Adufrj - O que significam um ‘banco de professores’ e o a figura do ‘professor equivalente’ para a reposição do quadro docente? 

Roberto Leher - Que, em termos econômicos, a expansão (considerando as citadas metas) somente será viável com contratos de docentes substitutos, pois estes professores precarizados serão os mais vantajosos em termos da relação custo/benefício. 

Jornal da Adufrj - Como deve reagir a comunidade universitária a mais essa investida do governo Lula no processo de reforma da educação superior? 

Roberto Leher - O projeto UN é um ajuste na tática governamental. A política de aligeiramento e de criação de um mercado educacional mais robusto é a mesma, mas a forma contém novidades. Embora o Decreto 6.096/2007 denuncie o caráter compulsório de adesão, a primeira aparência é de que as universidades são livrespara aderir ou não ao projeto, assim como foi muito difundida a idéia de que a proposta nasceu da livre elaboração das universidades federais, em especial da UFBa e UnB, inspiradas em Anísio Teixeira.  

O retrospecto das iniciativas de criação de uma graduação mais aligeirada para os pobres é suficientemente longo para comprovar que o mesmo é parte de um padrão de acumulação muito próprio do imperialismo de hoje, em que os países periféricos e semiperiféricos não ocuparão um lugar relevante na produção de conhecimento e em processos produtivos em que o conhecimento se constitui em vantagem comparativa importante. Assim, é imperioso que existam debates verdadeiros nos campi universitários para que os mitos em que se fundam essa proposta antiuniversitária sejam submetidos à crítica sistemática e fundamentada.  

Nos interstícios abertos pelas contradições da política do MEC, as universidades federais devem apresentar uma agenda ousada, consistente, que possibilite a real democratização e o acesso à universidade. Devemos fazer como agenda nos termos da que está propondo o Andes-SN: uma agenda estrutural para o Brasil de hoje, abordando os temas fundamentais: função social, acesso, financiamento, autonomia e democracia. Se a universidade se referenciar nesse projeto do governo, ela irá se desconstituir como instituição universitária, convertendo as IFES em Centros Universitários Federais. Uma derrota fundamental para a nação brasileira. Lograremos impedir isso com a mobilização desde a base. É imperioso que os departamentos, faculdades e institutos abram esse debate!

 

Fonte: Jornal da AdUFRJ, maio/2007.

 

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