Um dia sem os economistas
Emir Sader*

 

Diante das últimas denúncias, Palocci e Meirelles deveriam se afastar do governo. Farão falta? Eu diria que nenhuma. Se for para manter a mesma política, há uma máquina de fabricação de modelos similares. Mas bem que podíamos experimentar algo novo. Quem sabe um dia sem os economistas.

Alguém se surpreende com que as duas mais importantes autoridades econômicas do governo sejam acusadas de manejos ilegais de dinheiro? Henrique Meirelles tem processo formado na Justiça, apresentado pela Procuradoria Geral da República, com acusações de enriquecimento ilícito, de sonegação fiscal etc. E Palocci, de participar da caixinha de Delúbio.

Sejam certas ou não, uma conseqüência deve derivar imediatamente: ambos não possuem condições de ocupar os cargos que ocupam. Devem se afastar ou ser afastados imediatamente, sem que isso represente uma condenação prévia, mas sim que as simples suspeitas que recaem sobre eles são suficientes para inviabilizá-los para os cargos que ocupam.

O que será o governo sem eles? Farão muita falta? Eu diria que nenhuma falta. Se for para manter a mesma política, há uma máquina de fabricação de modelos similares – vários deles já passaram pelo próprio Ministério da Fazenda e delo Banco Central –, podem substituir os dois, fazendo exatamente a mesma coisa. O pensamento único forjou também os dirigentes econômicos únicos, que fazem e dizem as mesmas coisas, com as mesmas fisionomias sérias ou com um sorrisinho de auto-confiança nos lábios – conforme o nível das bolsas.

Ou, melhor ainda, o governo pode aproveitar para mudar os auxiliares e mudar a política econômica. O que seria o Brasil sem eles? Experimentemos. Tentemos viver um dia sem os economistas. (Talvez o sábado e o domingo sejam os melhores dias das semanas justamente porque ficamos livres das cotações da Bolsa, do dólar, da Nasdaq e companhia limitada. Fiquemos livres das entrevistas dos operadores de mercado, dos colunistas econômicos, dos ministros e presidentes dos bancos centrais.)

Tentemos substituí-los por gente como a gente, que priorize os objetivos sociais – nível de emprego, de salários, universalização e qualidade das políticas de saúde, educação, cultura –, em detrimento dos objetivos financeiros. Que diminua drasticamente ou desapareça com os superávits fiscais, que diminua drasticamente as taxas de juros, que eleve o salário mínimo a R$ 400, que só conceda créditos governamentais em troca de garantia de empregos e com carteira de trabalho assinada, de aumentos salariais. Gente que privilegie a saúde, a educação, a cultura, em detrimento das taxas de juros e das bolsas de valores.

Um dia sem os mexicanos é impossível para os estadunidenses, porque os mexicanos trabalham muito. Um dia sem os economistas se revelará perfeitamente factível e saudável. Veremos que podemos ser autônomos, independentes, felizes, sem os economistas. Comecemos agora, pelo Ministério da Fazenda e a Presidência do Banco Central, sem os economistas.
 

* Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".  

Fonte: Ag. Carta Maior, Emir Sader, 19/08/2005.


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