Universidades aceitam dissertações e teses fora do formato convencional
 

 

 

Textos que resvalam na ficção, como romances e ensaios autobiográficos,
causam polêmica entre orientadores
 

Desafiando a tradição de formatos e metodologias quase sagradas e abençoadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Universidades brasileiras têm aceitado dissertações de mestrado e teses de doutorado na forma de romances, ensaios autobiográficos, roteiros e textos experimentais que resvalam na ficção e na criação literária. A repercussão aparece em extremos: há os entusiastas da flexibilização e os que defendem como imprescindível a manutenção dos moldes acadêmicos tradicionais.

A prática, que vem ocorrendo há alguns anos nas áreas de Literatura, Educação, Psicologia e Ciências Sociais, ganhou mais visibilidade neste ano, após dois finalistas do Prêmio Jabuti, na categoria melhor livro de romance, terem sido apresentados pouco antes como teses de doutoramento: Rakushisha (editora Rocco), de Adriana Lisboa, e A Chave de Casa (editora Record), de Tatiana Salem Levy. A primeira foi defendida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a segunda, na Pontifícia Universidade Católica do Rio.

No caso de Adriana, a experiência começou no mestrado. “Com apoio do meu orientador, transformei minha pesquisa sobre Manuel Bandeira primeiro num livro de contos e depois num romance, Um Beijo de Colombina”, conta ela, que defende o processo de pesquisa por trás da elaboração de um romance. “A escrita envolveu uma pesquisa extensa de poesia clássica japonesa, estudos do idioma japonês durante três anos, uma viagem a Kyoto. No meu entender, isso justifica plenamente a inserção no ambiente acadêmico.”

A escritora não está sozinha nessa postura. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi formado um grupo de pesquisa para analisar e estimular a busca por novas formas de expressão do trabalho acadêmico. Ligado ao programa de pós-graduação em Educação, o grupo é coordenado por Sandra Mara Corazza, ela mesma orientadora de pelo menos uma dúzia de teses fora do modelo convencional. Uma delas, a de Luciano Bedin da Costa, começa com a seguinte introdução: “É bem verdade que já estamos para lá de cansados dos refrões pomposos, dos giros que se anunciam grandiosos, e que, ao final das contas, não passam de meras palavras de ordem. Sejamos justos com a coisa: dos giros, os pequenos, por favor!”

As propostas ganham amparo no crítico e intelectual francês Roland Barthes (1915-1980), um defensor de mudanças na linguagem acadêmica e da flexibilização na hierarquia exigida no formato acadêmico consagrado. “Há um impulso na criação de novas sensibilidades e de novas maneiras de pensar, de pesquisar, de ler e de escrever os componentes educacionais”, explica Sandra. “Damos suporte aos orientandos, preparamos oficinas de escritura, seminários avançados”, completa.

Essa abertura, no entanto, pode atrapalhar o caráter universal do conhecimento que a padronização fornece, comprometendo o trabalho de pesquisa, na opinião de Aurora Bernardini, professora da pós-graduação em Teoria Literária da Universidade de SP (USP). “Eu não considero um romance sozinho um trabalho de doutoramento, a menos que ele venha acompanhado de uma introdução, de um outro texto teórico, que reflita a pesquisa feita pelo aluno”, diz ela. “Sem teoria não se faz uma tese.”

 

Fonte: O Estado de S. Paulo,  Simone Iwasso, 20/12/2008.

 


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