Ditadura: governo define regras de abertura de arquivos

 

 

 

O ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou nesta sexta-feira (26) que o governo definirá nos próximos dias os critérios para a abertura dos arquivos da ditadura militar. Segundo Barreto, apenas alguns arquivos que comprometem a segurança do estado permanecerão sob sigilo.

“Nós próximos dias deveremos ter avanços a respeito. Todos os documentos deverão ser abertos e ter acesso à população”, disse. “A ministra Dilma [Roussef] tem coordenado o trabalho de abertura dos arquivos e estamos discutindo de que maneira isso deve acontecer no sentido de dar cada vez mais transparência”, declarou.

A afirmação foi feita logo após a abertura da reunião da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que julga hoje 13 processos de religiosos perseguidos pela repressão (veja abaixo). O julgamento ocorrerá na tarde desta sexta-feira. O mais aguardado é o julgamento do ex-deputado federal e ex-secretário especial de Direitos Humanos da Presidência da República Nilmário Miranda, preso por 32 dias em abril de 1968 e torturado repetidas vezes.

Também em relação à abertura dos arquivos militares, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, criticou que as Forças Armadas não responderam aos pedidos de documentos feitos pela comissão que analisa este processo. “As respostas que vieram das forças armadas foram insuficientes”, declarou.

Vannuchi disse ainda esperar a participação do ministro da Defesa, Nelson Jobim, no debate para dar mais transparência aos documentos militares. “Estamos retomando este assunto sem sentimento de revanchismo nem vingança, ninguém pode ser movido a olho por olho e dente por dente”, disse.

 

Processos que serão julgados na tarde desta quarta-feira:
 

Marcelo Pinto Carvalheira: Arcebispo emérito da Igreja Católica na Paraíba. Reitor do Seminário Maior do Nordeste e professor da Faculdade de Filosofia do Recife (FAFIRE), Carvalheira foi preso em 1968, acusado de atividades subversivas e de esconder em seminários pessoas consideradas subversivas e foragidas da justiça. Após 51 dias de cárcere e tortura teve suas atividades monitoradas por longos até o final da década de 80. 

Alípio Cristiano de Freitas: Ex-padre de nacionalidade portuguesa, preso em 1963 sob acusação de praticar atividades subversivas. Foi condenado a seis anos de reclusão.  Alípio relata em seu requerimento que lecionou na Universidade do Maranhão e após sofrer prisão e tortura exilou-se no México. Em 1965, retornou ao Brasil e foi novamente preso e condenado a 24 anos de reclusão. Cumpriu pena em diversos presídios como o de Ilha Grande, DOPS/RJ, OBAN, DOPS/SP, Presídio Tiradentes, Carandiru e Penitenciária de São Paulo até ser libertado em fevereiro de 1979. Teve a cidadania brasileira cassada, o que lhe impediu conseguir emprego no Brasil. 

Eliana Bellini Rolemberg: Diretora-executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE, entidade que reúne a Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. Informa em seu requerimento que no início de 1970 foi levada clandestinamente à OBAN, onde sofreu torturas por 20 dias e foi transferida para o Presídio Tiradentes. Julgada, foi condenada a dois anos de reclusão. Seu maior temor foi a integridade de sua filha de nove meses e por isso pediu ao irmão que a levasse para fora do país. Rolemberg relata que em virtude das torturas teve seqüelas físicas e psicológicas. Após ser libertada foi ao encontro da filha e do marido na França e retornou ao Brasil em 1979. 

Frederick Birten Morris: Conhecido como Pastor Fred, chegou ao Brasil em janeiro de 1964, com a finalidade de desenvolver atividades pastorais na Igreja Metodista. Cedia sua residência para as reuniões na luta contra a ditadura militar. Em setembro de 1974 foi seqüestrado e sofreu várias sessões de torturas ao longo de 17 dias. Foi expulso do país por meio de decreto do Presidente Ernesto Geisel, sendo proibido de entrar no Brasil até 18 de agosto de 1988. 

Alanir Cardoso: Preso e torturado com o Pastor Fred. Militante ligado à Ação Popular (AP), relata que deixou seu emprego no Consórcio de Empresas de Radiodifusão e Notícias do Estado de Goiás-CERNE, por perseguição política. Preso na cidade de Goiânia, foi condenado em 1969 a 2 anos e 3 meses de reclusão. No ano de 1974, foi novamente preso em Recife e levado ao DOPS, onde foi torturado, o que lhe deixou seqüelas físicas até hoje. Novamente condenado, dessa vez a 4 anos e 6 meses de reclusão. Como incurso na Lei de Segurança Nacional foi posto em liberdade somente no ano de 1979. 

Maria Emília Lisboa Pacheco: Assessora da FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Com assento no CONSEA por representação do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar. Relata que em dezembro de 1971 ficou presa por um mês na Prefeitura de João de Monlevade/MG, Permaneceu presa por 1 mês sofrendo torturas. Após sua absolvição, em 1973, foi selecionada para compor os quadros da CODEVALE – Comissão de desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha, não sendo contratada em razão de seus antecedentes. 

Nilmário Miranda: Ex-deputado federal, primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ex-Secretario Especial de Direitos Humanos. Iniciou sua militância política em Teófilo Otoni com apenas 15 anos de idade, inspirado pela Igreja Católica, especialmente Frei Cristóvão e o bispo diocesano. Atuou em diversos movimentos naquele município. Após a prisão de seu pai, em 1964, mudou-se para Belo Horizonte, onde intensificou sua participação política através de ligação com a Organização Marxisista-Política Operária – POLOP.  Foi preso por 32 dias em abril de 1968 e sofreu inúmeras torturas. Ao ser denunciado com base na Lei de Segurança Nacional passou a viver na clandestinidade, deixando o curso de Economia. Preso novamente em maio de 1972, foi interrogado do Delegado Fleury e sofreu novas torturas. Nos 40 dias que esteve preso passou por vários presídios na cidade de São Paulo e Juiz de Fora. Viveu sete anos entre clandestinidade e prisão. 

Roberto Faria Mendes: Ex-militante do MEB. O anistiando teria sido dispensado de suas funções no Movimento de Educação de Base por suspeita de subversão, e em razão de constar como suspeito de pertencer à Aliança Libertadora Nacional – ALN e por ter sido citado em Inquéritos Policiais Militares instaurados em 1970 e 1971, que apuravam infiltração subversiva no MEB de Conceição do Araguaia /PA. Em janeiro de 1974, após ser preso e indiciado em IPM, passou a viver em liberdade vigiada, que o teria impedido novamente de prosseguir nas suas atividades profissionais. 

Ruy Frazão Soares, representado por Felícia de Moraes Soares. Militante da Juventude Universitária Católica em 1961, foi preso e torturado em 1964, quando era estudante da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco. Após sua libertação, em viagem aos EUA, em 1965, denunciou na Assembléia das Nações Unidas as torturas praticadas no Brasil. Assumiu o cargo de Exator federal, no Maranhão, onde atuou no Movimento de educação de Base, ligado à Igreja Católica, junto à população camponesa da região. Após 1971, com a repressão generalizada contra os camponeses, passou a viver na clandestinidade, inclusive adotando outra identidade, e militou no PCdoB. Em maio de 1974 foi preso em plena feira de Petrolina/PE e nunca mais localizado pelos seus familiares. Depoimento de outro preso político daria conta de seu assassinato ainda no ano de 74. Seu nome integra a lista de desaparecidos políticos, com base na lei 9.140/95 e batizou várias ruas, praças e escolas. 

Helena Soares Melo, Helder Soares Bebendo e Peter John Mc Carthy: As irmãs Helena e Helder e o padre Peter foram presos em setembro de 1981, na região do Araguaia/PA, após atenderem pedido da Igreja local de maior presença de religiosos. A região viva forte clima de tensão com prisões de padres e posseiros. Nesta ocasião os padres franceses Aristides e Francisco foram expulsos do Brasil após serem enquadrados na LSN. Em outubro de 82, os três religiosos teriam sido presos e torturados durante toda uma noite na sede do INCRA. 

Elia Meneses Rola: Atuante na política estudantil do Ceará, na década de 60 mudou-se para o Rio de Janeiro em razão de ameaças de prisão. Em 1973 foi presa, levada ao DOI/CODI e, posteriormente, à OBAN, onde permaneceu por 1 mês, sofrendo torturas e humilhações. Por estas perseguições teria sido obrigada a mudar de endereço várias vezes e também a pedir demissão do IBGE, em outubro de 1973. No ano de 1975, após a condenação de seu companheiro, ambos deixaram o pais clandestinamente, só regressando após a lei de Anistia de 79.

 

Fonte: Congresso em Foco, Renata Camargo, 26/9/08.

 


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