Duelo de imortais

 

Intrigas e insinuações em disputa por prêmio de 100 000 reais esquentam as tardes da ABL

O tradicional chá das quintas-feiras na Academia Brasileira de Letras (ABL) está fervendo. À mesa, um quitute extra e apimentado: o bafafá em torno do Prêmio Machado de Assis. Os imortais andam em pé de guerra desde que o relator da comissão do prêmio, o filólogo Evanildo Bechara, anunciou a candidatura do pernambucano Roberto Cavalcanti. Quem? Um certo constrangimento tomou conta do plenário porque a obra menos obscura de Cavalcanti, Coronel, Coronéis, foi escrita em parceria com Marcos Vilaça, presidente da ABL. Segundo alguns dos presentes à sessão, o advogado e imortal Alberto Venâncio Filho protestou na hora. Ele e outros membros da Academia, como Lêdo Ivo, Sábato Magaldi, Afonso Arinos e Tarcísio Padilha, estariam em campanha pelo romancista mineiro Autran Dourado. "Neste período há muita política, e vale tudo: telefonemas, cantadas, insinuações", conta Arnaldo Niskier, ex-presidente da ABL. Concedido desde 1941

 

para o conjunto da obra de um autor, o Machado de Assis é a principal distinção literária da casa. Uma honraria que, mais que prestígio, rende ao eleito um polpudo cheque de 100 000 reais – o maior prêmio do país no gênero. Pelo estatuto da casa, os interessados não podem se candidatar. As indicações são feitas pelos acadêmicos, e a decisão sai em maio. O vencedor é anunciado em 20 de julho, aniversário da instituição, que em 2007 faz 110 anos.

O mexerico agita o templo da literatura. "É antiética a candidatura de Cavalcanti", dispara um imortal, que pede anonimato. "Há quem comente que, se ele vencer, precisará dividir o prêmio com o presidente da casa", acrescenta. "Não vejo pecado no nome do Cavalcanti', opina Niskier. "A Academia é o último lugar para haver censura a um autor." Outra que se mobiliza é Ana Maria Machado, agraciada com o Machado de Assis em 2001. "Ambos são respeitáveis e merecedores, mas não gostei de saber que o Autran tem telefonado a acadêmicos pedindo para ser o premiado", comenta. "É constrangedor." No ano passado, o eleito foi o conhecidíssimo poeta cearense César Leal. Sua obra mais expressiva é uma coletânea de ensaios sobre Camões, Shakespeare e Thomas Mann. Em outros tempos, foram contemplados nomes respeitáveis como Cecília Meireles, Ferreira Gullar, Antônio Torres, Fernando Sabino e Carlos Heitor Cony. "O prêmio gera repercussão extraordinária aqui e no exterior", diz Antônio Torres, o eleito em 2000. Em meio à polêmica, o humorista Hélio de La Peña, do programa Casseta & Planeta, faz graça. "Pena que meu conjunto se restrinja a duas obras e eu não tenha um parente lá que possa me passar pela janela", brinca o autor de O Livro do Papai, uma publicação de "antiajuda", e Vai na Bola, Glanderson, com as desventuras de um aspirante a craque.  

O regimento da ABL estabelece que seus quarenta membros não podem concorrer a prêmios da casa. No caso do Machado de Assis, a cada ano uma comissão com cinco integrantes avalia as indicações e seleciona até três nomes. O vencedor é escolhido por voto secreto, e, em seguida, os papéis são queimados numa urna. "Tudo deve ser feito em sigilo para preservar os candidatos", justifica Domício Proença Filho, membro da comissão. Na prática, os nomes dos candidatos vazam, e as campanhas têm muito lobby e intriga. "Espero que se aja com bom senso e o eleito tenha realmente uma obra literária", cutuca Lêdo Ivo, opositor escancarado da candidatura do advogado, economista e ex-senador Roberto Cavalcanti. Também imortal, também pernambucano e ainda senador, Marco Maciel reage às críticas ao conterrâneo. "Ele tem um vasto trabalho, não só na área cultural como na econômica." De fato, Cavalcanti já publicou mais de vinte livros, mas vários são compilações de seminários e fóruns sobre política e economia. "Há sempre tanta discussão porque, além do prestígio e da recompensa financeira, o prêmio pode ser uma porta de entrada para a Academia", explica o imortal Murilo Melo Filho. Foi o que ocorreu com Sábato Magaldi, Carlos Heitor Cony e Ana Maria Machado. Neste ano, além de Cavalcanti e Autran Dourado, sabe-se que foram cogitados Afonso Romano de Santana e Salim Miguel. O imbróglio acontece num momento em que o presidente da instituição está na Europa. Que ele chegue preparado, na próxima semana, pois o bafafá está longe de ser uma página virada.

 

Fonte: Rev. Veja Rio, Sofia Cerqueira, 9/5/2007.

 


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