Por que a economia parou de crescer  

 

O ciclo de “crescimento sustentado e virtuoso” durou pouco. Muito menos do que alardeavam porta-vozes do otimismo oficial. Os últimos dados disponíveis parecem confirmar que a economia literalmente parou de crescer e sinalizam, ainda, que, sem mudanças radicais na política econômica, as chances de uma retomada ficam cada vez mais distantes. O coquetel preparado pela equipe econômica – uma mistura de queda de salários, desemprego elevado, arrocho nos gastos e investimentos públicos, juros e impostos recordes – nocauteou a economia.
Na prática, não há crescimento digno de nota desde o último trimestre de 2004, quando o Produto Interno Bruto (PIB), que mede o total de riquezas que o país produz, experimentou uma variação de apenas 0,4% em relação aos três meses anteriores. De janeiro a março de 2005, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto avançou meros 0,3%. Na comparação com igual trimestre do ano anterior, a taxa de crescimento murchou para 2,9%, praticamente metade dos índices alcançados até o terceiro trimestre do ano passado.

EM NÚMEROS

Mais grave, os investimentos – que poderiam ajudar a manter o crescimento, ao criar mais fábricas, mais empregos e mais renda – caem há seis meses. Sofreram um tombo de 3,9% no último trimestre de 2004 e voltaram a cair 3%, nos primeiros três meses deste ano. A redução dos investimentos privados sinaliza que as empresas já não acreditam que a economia poderá voltar a crescer, no médio prazo, o que tende a agravar o desaquecimento, daqui para a frente.

 

O arrocho provocado inten-cionalmente pelo governo pode ser traduzido em números concretos. Numa estimativa ligeiramente otimista, perto de R$ 110 bilhões (algo como 6% do PIB) deixaram de circular na economia nos primeiros quatro meses de 2005 por conta da política vigente.

Toda essa montanha de dinheiro foi esterilizada, deixando de criar mais produção e empregos, ajudando a esfriar a atividade econômica. Quase metade daquele valor, ou R$ 51,2 bilhões, foi desviada pelo governo para o pagamento dos juros de sua dívida, vencidos no período. Ou seja, engrossaram a especulação financeira, sem produzir qualquer reflexo sobre o lado real da economia.
 

JUROS & IMPOSTOS

Outro pedaço, equivalente a R$ 37,8 bilhões, correspondeu ao aumento das despesas com juros suportados por empresas e consumidores em conseqüência da mesma política econômica. De acordo com dados do Banco Central (BC), considerando as taxas de juros médias cobradas pelos bancos em seus empréstimos, aquelas despesas saltaram de R$ 107,2 bilhões para R$ 145 bilhões em abril, num aumento de 35,3%.

A terceira maior fatia, algo como R$ 21,2 bilhões, foi consumida pelo aumento dos impostos pagos pelos contribuintes apenas nos primeiros três meses deste ano. Nos cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), os brasileiros pagaram R$ 181,7 bilhões em impostos, contribuições e taxas aos governos federal e estaduais e às prefeituras  no  primeiro  trimestre  deste

 

ano, representando 41,6% de todas as riquezas geradas em igual período pela economia – um recorde absoluto.
Se a carga total de impostos fosse mantida nos mesmos 36,7% observados no primeiro trimestre de 2000, um percentual ainda “salgado” para os padrões da economia brasileira, os contribuintes teriam pago R$ 21,2 bilhões a menos.

ENXUGAMENTO

Este dinheiro arrecadado a mais até poderia ter sido direcionado para investimentos em saúde pública ou educação, por exemplo, redistribuindo a renda, ou para a recuperação de estradas e portos, construção de ferrovias, gerando empregos e mais renda, criando melhores condições de funcionamento para a economia. O aumento da receita, no entanto, foi integralmente destinado ao pagamento de juros, mantendo- se uma política de arrocho aos investimentos públicos.
Até o dia 20 de maio, conforme dados divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo, com base em informações do próprio governo, a União investiu meros R$ 271 milhões, representando 1,25% do investimento total incluído no orçamento de 2005 (R$ 21,6 bilhões). É menos do que os R$ 296 milhões gastos por dia, em média, pelo governo para fazer frente às despesas com juros. 

ÁGUA FRIA

Os ministérios dos Transportes, Saúde e Cidades, por exemplo, aplicaram, respectivamente, 0,4%, 0,9% e 0,8% de todo o investimento autorizado pelo orçamento. Dos R$ 2,7 bilhões prometidos ao Ministério das Cidades para investimentos em saneamento básico, nenhum centavo foi liberado até maio.
No ano passado, os gastos do governo federal com ações e serviços de saúde, no Sistema Único de Saúde (SUS), estacionaram em R$ 189,50 por habitante, o que significou uma diminuição de 11% desde 1995.
Em resumo, a política econômica se baseia única e exclusivamente no aumento dos juros, que sobem desde setembro do ano passado, elevação de impostos e no enxugamento de despesas públicas (especialmente investimentos), a pretexto de segurar os preços e derrubar a inflação.
Os cortes de gastos, que contribuem para esfriar ainda mais a atividade econômica, cumprem um segundo objetivo dessa política: criar sobras de recursos para pagar os juros da dívida do setor público.
Uma larga parcela do dinheiro que os contribuintes entregam ao governo, todos os meses, para o pagamento de impostos, taxas e contribuições, é desviada para o mercado financeiro, para os donos do capital, no país. Ou seja, não retornam à economia para favorecer o grosso da sociedade sob a forma de mais e melhores serviços nas áreas de saúde, saneamento básico, educação, reforma agrária etc.


Efeitos em cascata das perdas na agricultura


Como se não bastasse, outro fator tende a complicar as possibilidades de recuperação. Com a seca nas regiões mais ao sul, a agricultura deixará de colher, neste ano, cerca de 18 milhões de toneladas de soja, milho, algodão, arroz – um prejuízo estimado em R$ 10 bilhões.

Com preços mais baixos do que no ano passado e uma colheita menor do que a esperada, o valor bruto de venda dos produtos agrícolas, carnes, ovos e leite tende a recuar de R$ 196,6 bilhões, valor registrado em 2004, para menos de R$ 170 bilhões neste ano, de acordo com a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA).

Resultado: perto de R$ 26,74 bilhões não vão circular pelo interior do país, deixando de irrigar a economia e os negócios em geral na região. Por isso, já se observa redução das vendas e da produção das indústrias de máquinas e equipamentos (tratores, colheitadeiras, arados, plantadeiras), adubos, fertilizantes e defensivos agrícolas em geral. O desaquecimento, da mesma forma, tende a atingir as redes de lojas, supermercados e magazines que têm sede ou filiais nas principais regiões agrícolas, gerando efeitos negativos em cadeia sobre o restante da economia. 
 

Fonte: BrasildeFato, Lauro Veiga Filho, ed. n 119, 9 a 15/06/2005.


Opiniões sobre os artigos ...


Coletânea de artigos


Home