Educação e cultura querem integração e financiamento


Uma política que integre os órgãos federais, estaduais e municipais e a sociedade civil foi a proposta mais defendida na IV Conferência
Nacional de Educação e Cultura, que terminou nesta sexta.
Maior financiamento foi reivindicado para as duas áreas.

 

As áreas de cultura e educação são universos distintos, que apresentam características particulares. Historicamente atreladas, elas foram mais uma vez colocadas em uma mesma arena na IV Conferência Nacional de Educação e Cultura, que terminou nesta sexta-feira (25), na capital federal. No entanto, pela própria forma como foi concebido, o evento estabeleceu um espaço em que as duas áreas foram discutidas paralelamente, cada qual focando seus desafios e perspectivas. Pode-se dizer que foram duas conferências, que ocorreram simultaneamente.

Com o tema “Consolidando Novos Rumos”, o evento foi uma iniciativa da Comissão de Educação e Cultura, da Câmara dos Deputados, e teve como objetivo fomentar o debate e proporcionar à sociedade civil a oportunidade de contribuir para a construção de políticas públicas nas duas áreas. Essas propostas não necessariamente tornam-se leis, mas contribuem para o governo na formulação de suas políticas públicas. Cerca de 2.300 participantes, entre parlamentares, educadores, artistas, produtores culturais, representantes de organizações não governamentais, movimentos sociais, entidades trabalhistas e universitários de todo o país participaram da conferência.

Na área de educação, a questão central foi a avaliação do Plano Nacional de Educação (PNE), prevista em lei e que aconteceu pela primeira vez. O plano aprovado pela Câmara em 2002 foi considerado pelas organizações do setor o fruto de uma manobra política do governo de Fernando Henrique Cardoso, já que propostas elaboradas com a participação da sociedade civil à época foram vetadas no momento da implementação do PNE. “Um plano elaborado e imposto pelo governo”, define Roberto Lehrer, representante da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes).

O PNE contém 294 metas a serem atingidas no prazo de dez anos, envolvendo a educação básica (76 metas), educação superior (35), educação de jovens e adultos (26), educação à distância (22), educação tecnológica e formação profissional (15), educação especial (28), educação indígena (20), formação dos professores e valorização do magistério (28) e financiamento e gestão (44).

Já em relação à cultura, as discussões centrais foram acerca da implementação do Sistema e do Plano Nacional de Cultura. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 306/2000, que institui o Plano Nacional de Cultura está em processo final de tramitação (pronta para votação em segundo turno no Senado Federal). Segundo o deputado Gilmar Machado (PT-MG), 2005 é o ano para que o Ministério da Cultura, juntamente com as secretarias estaduais e municipais de cultura, o segmento cultural e a sociedade civil, mobilize-se para a construção deste plano. “Tem que ser uma proposta do país e não apenas do governo”, avalia o deputado.

Diferentes contextos, problemas iguais

Localizadas em momentos bastante diferenciados em suas trajetórias de consolidação política, as áreas de educação e cultura receberam avaliações e contribuições muito semelhantes. Em conferências que ocorreram em espaços diferentes, debatedores ressaltaram a fundamental importância de se levar as discussões e o debate para a base dos setores, através de uma integração dos órgãos federais, estaduais e municipais com a sociedade civil, tanto para avaliar com profundidade o Plano Nacional de Educação como para iniciar a construção do Plano Nacional de Cultura.

“Uma revisão preconizada só é possível com as discussões coordenadas em âmbito nacional e com a participação de todas as organizações integradas, neste caso, à área de educação. Só assim teremos condições de cumprir as metas propostas porque elas serão assumidas como um compromisso da sociedade”, afirmou Neroaldo Pontes de Azevedo, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed). Ele afirma que essa integração está prevista no segundo artigo do próprio plano e que, caso não ocorra, a avaliação é praticamente inviável já que, segundo ele, o plano é desconhecido de grande parte da sociedade, inclusive até dos próprios educadores.

Assim como no caso da Cultura, onde a preocupação para que ela não seja vista somente como entretenimento, mas como elemento de transformação social e de formação de cidadãos, a mercantilização da educação também foi duramente criticada pelos debatedores e participantes da conferência. “Em Brasília você tem 79 faculdades privadas e uma pública, a Universidade de Brasília (UnB). É preciso reverter urgentemente esse processo”, afirmou Juçara Dutra, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). O debate apontou para a necessidade de colocar a educação como política social, resgate da cidadania e vetor de desenvolvimento econômico, que traz resultados concretos na geração de empregos e melhoria da qualidade de vida.

Sem investimento, não há mudança

O aumento do investimento público financeiro foi outra reivindicação comum do público presente na Conferência. A cobrança dos educadores é a de que a verba destinada ao setor passe dos atuais 4,2% para 7% do PIB (percentual vetado pelo governo FHC na aprovação do atual plano), como era o compromisso de Lula enquanto candidato à Presidênciada República. Nas campanhas presidenciais de 1994 e 98, Lula defendia um investimento de 10% do PIB. “Um posterior aumento para 10% é o ponto inicial para a construção da educação no Brasil, para reverter esse plano que não tem política de educação porque não tem definição de recursos”, define Lehrer.

Na avaliação da presidente da CNTE, a discussão do financiamento é um aspecto estratégico do PNE. Citando o mote da atual campanha da entidade que representa, “A verdadeira dívida é com a educação”, Juçara propõe a conversão do serviço da dívida externa em investimentos na área. Segundo dados da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Prodasen, em 2001, o Ministério da Educação investiu 14,5 bilhões de reais no setor, enquanto o Brasil gastou 101 bilhões de reais em pagamento de juros e em amortização das dívidas interna e externa.

“Trata-se da necessidade de elevar os recursos para o setor para melhorar a qualidade da educação. Não resolve nada atualizar um plano que não vai ter financiamento, que não vai ter uma política de valorização profissional, que não vai ter um sistema nacional de educação. É preciso, portanto, retomar a metodologia e o debate com a sociedade”, defende ela.

Para que o Plano Nacional de Cultura não padeça dos mesmos males que sofre o atual PNE, os presentes na conferência ressaltaram que um maior investimento do governo no setor é fundamental. O deputado Gilmar Machado defende a aprovação da PEC 150/2003, que vincula 2% dos impostos arrecadados pelos Estados e União para a cultura, assim como 1,5% e 1% dos impostos arrecadados por Estados e municípios, respectivamente. A emenda constitucional estabelece ainda que, dos recursos vinculados da União, serão repassados aos estados e municípios 25% para cada um dos entes. “O que significaria quintuplicar os atuais recursos alocados no Ministério da Cultura, desconsiderados os recursos da Lei Rouanet e do Audiovisual”, afirma o deputado.

O secretário municipal de Cultura de Recife, João Roberto Costa do Nascimento, pediu que a proposta da Conferência Nacional de Cultura, prevista pelo ministério para maio ou junho de 2006, fosse antecipada para acontecer ainda em 2005.

Fonte: Agência Carta Maior, Patrícia Bonilha, Brasília, 25/02/2005.


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