A Educação Profissional e o samba do crioulo doido
Arenales Faustino B. dos Santos*

 

A REFORMA

A reforma da educação profissional no Brasil aconteceu em função da mudança da base tecnológica do processo produtivo, dentro de uma visão neoliberal (assumida), na qual a qualidade estava vinculada a relação custo benefício (nada de re-trabalho / perda zero). Portanto, nada de reprovação nas escolas, nada de aluno matriculado no ensino técnico fugindo para fazer vestibular, esta era a tônica!

Na época, o Ministro da educação, Paulo Renato de Souza, calculou em cerca de cinco mil dólares / ano o custo de um aluno nas Escolas Técnicas Federais e CEFET's, e não achava justo que estes alunos cursassem o ensino técnico em eletrônica e fizessem vestibular para odontologia, por exemplo.

Assim, foi publicado o Decreto Nº 2.208/97, o qual normatizava os artigos 39 a 42 da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) - Nascia a Reforma da Educação profissional.

Para matar a estrutura velha e dar vida a uma nova concepção de educação profissional e de ensino médio, usou-se a Lei 5.692/71 para cristo, a detentora de todos os males! Àquela que mantinha as características discriminatórias da profissão de técnico por engessar o aluno numa habilitação específica; aquela que não garantia identidade própria nem para o 2º grau e nem para a educação profissional porque o currículo era integrado; aquela feita num regime de exceção e etc.

Na resolução CNE/CEB nº 3/98 o ensino técnico integrado foi proibido como forma de garantir identidade própria tanto para educação profissional como para o ensino médio e, para justificar que o ensino técnico integrado não mais servia ao novo modelo proposto, o Conselho Nacional de Educação, no Parecer CNE/CEB nº 16/99 assim se pronunciou: "... se a estética da sensibilidade for efetivamente inspiradora das práticas da educação profissional ela deverá se manifestar também e, sobretudo, na cobrança de qualidade do curso pelos alunos e no inconformismo com o ensino improvisado, encurtado e enganador, que não prepara efetivamente para o trabalho, apesar de conferir certificados ou diplomas".

A separação, portanto, consumou-se! O Ensino médio poderia ser feito com 2400 horas, em três anos, e o Ensino Técnico com cargas horárias que variavam de 800 a 1200 horas, dependendo da área profissional.

Além da separação, acima referida, os planos dos novos cursos técnicos passaram a ser modulares com terminalidade (a cada 400 horas de estudo os alunos poderiam receber uma certificação para o trabalho) e, tendo como base os Referenciais Curriculares da Educação Profissional (documento produzido para ajudar na compreensão da Reforma) em várias áreas, as novas habilitações profissionais foram surgindo com nomes diversos, de acordo com a necessidade do mercado de trabalho e de acordo com a idéia de uma educação voltada para o empreendedorismo (não havia empregos, o aluno teria que se virar por conta própria). Pois bem, os professores (sambistas) tiveram que reformular toda a estrutura do ensino técnico vigente até então, e o fizeram de 1998 a 2001. Separaram o ensino técnico do médio por força da lei, ou seja, do Decreto.

Neste ínterim, O PT, que ainda era um partido de esquerda, e contra as idéias neoliberais, se pronunciou veemente contra a Reforma alicerçada na premissa de que "não se muda educação por decreto", e, apesar da nova lei, algumas escolas técnicas e CEFET's que tinham dirigentes vinculados ao PT se recusaram a fazer tal mudança.

A REFORMA DA REFORMA

Em 2003 o PT sobe ao planalto nos braços do povo e passa a legislar no colo do FMI, engole o que disse e reforma a educação profissional com a publicação do Decreto nº 5.154/2004. Praticamente, mantém o mesmo teor do Decreto 2.208/97, com exceção da terminologia e da permissão para a volta do ensino técnico integrado.

Em síntese, mudou pouco, se não fosse o trabalho que os professores passam a ter, agora, para re-reformular uma proposta de ensino técnico integrado. O pior é que no CEFET-PA os professores receberam esta missão para executá-la em 15 dias (quinze dias), mas isto não é tudo.

A VOLTA DO CURRÌCULO INTEGRADO

O PARECER CNE/CEB Nº 39/2004 que esclarece a aplicação do Decreto nº 5.154/2004 afirma que a educação profissional técnica de nível médio na forma integrada pode ser realizada em 3 ou 4 anos (igualzinho ao que era na Lei 5.692/71), com mínimos de 3.000 e 3.200 horas, assegurando-se, simultaneamente o cumprimento das finalidades estabelecidas para a formação do ensino médio e da educação profissional. Ah, também nega o direito ao aluno concluinte do 3º ano, matriculado nesta forma de educação profissional, prestar exames vestibulares, e afirma que o novo ensino técnico integrado não pode ser encarado como uma forma saudosista e simplista à Lei 5.692/71...Risos!! (é verdade, A Lei 5.692/71 não proibia os alunos de fazer vestibular no 3º ano).

Considerando-se que o Artigo 35 da LDB determina que o ensino médio tenha a duração mínima de 2.400h distribuídas em 3 anos letivos, e que de acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação profissional os cursos podem variar entre 800 e 1200h, ficam as perguntas:

1-    Como garantir o cumprimento das finalidades do ensino médio e da educação profissional se o curso técnico integrado pode ser feito em 3.200h e 3.400horas? Quem perderá a identidade, o ensino médio ou o técnico?

2-    Se o novo ensino técnico integrado terá a mesma carga horária que tinha pela Lei 5.692/71 não estaríamos retornando à prática de um ensino improvisado, encurtado e enganador?

3-    A estrutura curricular de um curso técnico para quem já concluiu o ensino médio/2º grau será diferente da estrutura do ensino técnico integrado?

4-    Como proibir aos alunos concluintes do 3º ano de fazerem vestibular se a Constituição Federal e o Artigo 3º da LDB determina que o ensino deve privilegiar os princípios: da liberdade de aprender; do pluralismo de idéias e do respeito a liberdade e o apreço a tolerância?

5-    Como ficarão estes alunos se os processos seletivos para vestibulares passaram a serem seriados, eles ficarão excluídos destes processos?

6-   Como acreditar que a nova educação profissional não é mais marginalizada, ou discriminada, se a idéia desta proibição implica na formação de uma classe eminentemente operária? Ela continuará sendo destinada aos "desvalidos da fortuna" como afirmava o Presidente Nilo Peçanha em 1910?

7-    Quanto tempo vai vigorar estas novas verdades impostas? Mais 4 anos?

Bom, as perguntas são muitas. O fato é que não dá mais para encarar a educação profissional como uma política assistencialista porque ela é, um fator estratégico de competitividade na nova ordem econômica mundial. É preciso encará-la com seriedade e respeito aqueles que a fazem há tantos anos com orgulho de fazer bem feito.

É bom que se registre que, nós professores, não somos brinquedinhos de políticos ansiosos por registrarem suas marcas. Somos profissionais responsáveis com o nosso trabalho e com respeito ao nosso público. Não se pode brincar com reformulação de currículos, isto leva tempo e requer também investimentos para as reformulações propostas, não podemos fazer pelo simples capricho político ou ideologias passageiras, as quais atropelam o nosso fazer pedagógico. Temos que ter cuidados para que não caiamos no descrédito da sociedade em função destas verdades passageiras que os políticos e legisladores nos impõem, sem ter a mínima idéia de como executá-las. O nosso "ethos" profissional, aquilo que nos valoriza e nos faz nos orgulharmos por aquilo que fazemos não deve ser visto pela facilidade e rapidez com que mudamos as estruturas curriculares de nossos cursos, e sim por trabalharmos em instituições geradoras de conhecimento de interesses aos processos produtivos na concepção de um desenvolvimento que garanta transformação produtiva com equidade social e sustentabilidade ambiental, esta sim deve ser a nossa missão nas Escolas Técnicas e CEFET'S. Aos legisladores de plantão desejo um bom carnaval e que usem suas fantasias por lá!!! 
 

*Arenales Faustino Barroso dos Santos, graduado em Licenciatura Plena em Eletrônica pela UFC, com Especialização em Controle de Processos Industriais pelo CEFET-MG, Especialização em Gestão do Ensino Técnico, Mestrado em Administração pela UFRS/UNAMA. Coordenador do Curso de Eletrônica, Coordenador de Ensino, Gerente dos Cursos Superiores de Tecnologia e Diretor de Ensino do CEFET-PA. Atualmente é Assessor de Educação e Cultura da ADESG-PA e Professor do CEFET-PA.


Fonte: Gestão Universitária, Edição nº 47, 09/03/2005.


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