Educação e avaliação
Fernando Haddad* 

  

O graduado, por sua vez, ostentará, como em todo mundo, seu histórico escolar e a reputação da instituição que lhe conferiu o diploma como insubstituíveis indicadores da qualidade da sua formação.

Todo processo educacional reclama avaliação. Não há professor que não submeta seus alunos a avaliação.

O objeto dessa avaliação é o aluno individualmente considerado e seu objetivo é a verificação da aquisição de competências que preparam uma subjetividade para assimilar conhecimentos mais complexos.

Caso bem diferente é o da avaliação que tem por objeto a unidade de ensino. O objetivo aqui é verificar se os elementos que compõem a unidade de ensino -a escola, no caso da educação básica, e cada curso de graduação oferecido por uma instituição, no caso da educação superior- estão bem moldados para a oferta de educação de qualidade.

Como indivíduos mudam mais celeremente que instituições, a periodicidade da avaliação de alunos e de unidades de ensino não precisa necessariamente ser a mesma.

O desempenho do aluno em relação a seus pares pode se alterar num bimestre, mas o desempenho de uma unidade de ensino em relação às demais raramente se altera num biênio.

Quando a avaliação de unidades de ensino tem por base o desempenho de alunos, aplica-se o mesmo procedimento de avaliação a uma amostra representativa dos alunos de cada unidade de forma a permitir comparações.

As mudanças promovidas pelo Ministério da Educação nos seus instrumentos de avaliação se nortearam por essas considerações. Não se trata de descartar os instrumentos existentes, mas de aperfeiçoá-los. Tomemos o caso da educação básica.

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é um exame aplicado a cada dois anos a uma amostra de alunos de cada Estado, acompanhado de um questionário.

Trata-se de uma ferramenta útil, que permite estabelecer correlações estatísticas entre o desempenho dos alunos e um conjunto de variáveis, como perfil do corpo docente, infra-estrutura da escola etc.

Contudo, como a amostra não é representativa dos alunos de cada sistema municipal ou de cada escola, ela não permite ao prefeito, por exemplo, saber se o sistema educacional por ele gerenciado se distingue dos demais sistemas municipais.

Muito menos dá condições à diretora da escola de saber se seus esforços para melhorar as condições de ensino no seu estabelecimento produzem ou não resultados comparativamente aos demais.

Com o Saeb ampliado -a Prova Brasil-, cada prefeito, secretário de Educação e diretora de escola receberá um relatório sobre a posição relativa de cada escola, possibilitando corrigir as deficiências e disseminar as boas práticas que serão identificadas.

Até 30 de novembro de 2005, cerca de 5 milhões de alunos de quarta e oitava séries de todas as 43 mil escolas públicas urbanas do país realizarão a prova, graças à adesão dos governos estaduais e municipais, a maioria dos quais não teria condições de construir um sistema próprio de avaliação.

Experiências como a Prova Brasil vêm sendo adotadas por muitos sistemas educacionais em todo o mundo, produzindo efeitos bastante positivos.

Tomemos, agora, o caso da educação superior. O chamado "provão" era aplicado anualmente a todos os concluintes de determinados cursos de graduação. Em oito anos de existência, avaliou apenas um terço dos cursos.

Da maneira concebida, se fosse aplicado aos 18 mil cursos de graduação oferecidos, exigiria investimento anual equivalente a 30% do que a União investe no ensino fundamental por meio do Fundef.

O problema, contudo, não é apenas esse. Corria-se um risco desnecessário: transformar um instrumento de avaliação que deveria permitir a comparação entre cursos de várias instituições em um instrumento de avaliação de alunos, papel para o qual ele simplesmente não se presta. Não por acaso, não existe em nenhum outro país do mundo algo que se assemelhe ao "provão".

Sem desconsiderar a opinião dos entusiastas do inaudito "provão", o Enade, como apenas um elemento, dentre outros, da avaliação de cursos, retoma o objetivo correto, com a vantagem de permitir que, com os mesmos recursos, todos os cursos de graduação oferecidos por cada instituição sejam avaliados num prazo máximo de três anos.

O graduado, por sua vez, ostentará, como em todo mundo, seu histórico escolar e a reputação da instituição que lhe conferiu o diploma como insubstituíveis indicadores da qualidade da sua formação.

Daí a importância da avaliação institucional que, somada à avaliação de cursos e ao próprio Enade (os três componentes do Sinaes), possibilita às instituições de ensino superior construir sua reputação.

Não se tomem essas evoluções como contestação do que foi feito no passado.

Assim como o Fundeb aperfeiçoa o Fundef, ao incorporar, com mais recursos (R$ 4,3 bilhões), a educação infantil e o ensino médio, o Saeb ampliado e o Enade (inscrito no Sinaes) são desdobramentos importantes dos antigos modelos de avaliação que promoverão grandes avanços na educação brasileira.

* Fernando Haddad, 42, advogado, mestre em economia, doutor em filosofia, professor licenciado de teoria política da USP, é o ministro da Educação.
 

Fonte: Folha de S. Paulo, 20/11/2005


Opiniões sobre os artigos ...


Coletânea de artigos


Home