Educação sintetiza a sociedade brasileira 

  

Políticos, intelectuais e jornalistas com visões ideológicas distintas não se cansam
de dizer que a Educação é prioridade máxima

Fazer um retrato da sociedade brasileira atual não é fácil. Alguns analistas realçam os elementos de continuidade com o passado.

Exemplo clássico são os efeitos da escravidão, que teria se transformado num "vírus" inoculado nas relações sociais, como se vê bem no mercado de trabalho.

Mas não é possível ignorar as imensas transformações ocorridas nas últimas décadas. Urbanização, democratização e ampliação dos serviços públicos são algumas das mudanças recentes.

No cenário complexo em que vivemos, o maior consenso é que o grande enigma do Brasil encontra-se na persistência da desigualdade, a despeito das diversas ações contra ela.

Mais intrigante ainda é o fato de que a Educação, aqui, serve mais para manter a separação entre ricos e pobres, quando deveria ser instrumento para reduzir a distância entre eles.

Trata-se do círculo vicioso educacional, síntese exemplar de nossa estratificação social e principal barreira à efetiva modernização do país.

Políticos, intelectuais e jornalistas com visões ideológicas distintas não se cansam de dizer que a Educação é prioridade máxima. No entanto, as políticas da área não avançam com a velocidade requerida pelo assunto.

Mais do que isso: as coalizões ligadas à questão educacional são mais fracas politicamente do que as de outros setores, como a relacionada à Saúde.

A compreensão deste paradoxo ganhou um importante instrumento na última semana, com a divulgação de pesquisa de opinião feita pelo Ibope em âmbito nacional, com o apoio do movimento Todos Pela Educação.

O primeiro fato destacado pela pesquisa é chocante: a Educação não é um assunto muito importante para a sociedade brasileira.

Numa lista de prioridades, a questão educacional ficou em sétimo lugar, atrás, pela ordem, da Saúde, do Emprego, da Fome/Miséria, da Segurança Pública, da Corrupção e das Drogas.

Contudo, se observarmos os dados conforme o grau de escolaridade dos entrevistados, a situação muda de figura: a Educação ganha duas posições e fica em quinto lugar entre aqueles com ensino superior.

Ou seja: os que menos precisam ampliar sua escolaridade ou a de seu filho, dão maior relevância ao assunto, e o contrário ocorre exatamente com os que mais necessitam da Educação como instrumento de mobilidade social e cidadania.

Retrato do circulo vicioso da desigualdade

Aí está um dos maiores achados da pesquisa: a percepção social do assunto cria um círculo vicioso.

A opinião dos entrevistados está fortemente correlacionada ao grau de escolaridade da população. Em menor medida, mas também importantes, são a renda e a situação de ter filho em escola pública - e não em um colégio particular.

Constata-se, então, um tipo social e uma visão de mundo ligada a ele.

As pessoas com menor escolaridade, renda e com filhos no ensino público tendem a ser mais condescendentes com a qualidade educacional, têm baixa participação em estruturas da escola (como a Associação de Pais e Mestres), pouco se preocupam com instrumentos de gestão escolar, delegam aos professores à resolução dos problemas educacionais e, em comparação aos que estão no topo da estrutura social, dão menor importância ao Ensino Básico.

A maior parcela da população está mais próxima do tipo social descrito acima.

Sintetizando sua opinião sobre a questão educacional, ela é uma mistura de satisfação moderada com a qualidade do ensino básico - tema que não está no topo das prioridades dessa parcela mais pobre e menos escolarizada da sociedade - com a delegação da resolução dos problemas educacionais às escolas (em especial aos professores) e aos governos, sobretudo ao governo federal, exatamente aquele que hoje tem menor papel constitucional nesta área.

Um primeiro diagnóstico sobre as razões dessa percepção estaria na questão informacional.

Uma vez que estas pessoas são as que têm menor escolaridade, seriam elas também as que teriam menor informação - ou piores condições para obtê-la.

Por isso, elas conhecem pouco os instrumentos de avaliação da Educação - Enem e afins - e dão pequena importância a eles, do mesmo modo que pouco acompanham a gestão escolar e o repasse de recursos às escolas.

Mas a avaliação escolar satisfatória e o modelo delegativo que assumem - "o problema educacional é dos professores ou do governo, e não meu" - talvez tenham origem na própria melhoria das políticas e resultados da Educação nos últimos vinte anos.

Sobretudo para os mais pobres e menos escolarizados, os seus filhos chegam mais longe do que eles, galgando mais degraus de escolaridade.

Soma-se a isto o fato de que estar simplesmente na escola, independentemente de sua qualidade, traz benefícios inegáveis, como a transferência de renda para as famílias, melhor nutrição das crianças e afasta seus filhos, pelo menos por algumas horas, da "rua" e das conseqüências negativas daí advindas - a maior é o problema do tráfico, tão presente na vida brasileira atual.

Em outras palavras, há um paradoxo aqui: uma pequena melhoria da Educação para o "andar de baixo" não cria incentivos para buscar outras melhorias, especialmente relacionadas à qualidade e à participação na gestão escolar.

O círculo vicioso da desigualdade presente na Educação brasileira não diz respeito apenas às singularidades das classes mais baixas.

É interessante notar que os mais escolarizados - e mais ricos - têm menor propensão a participar do processo escolar, embora tenham maior informação sobre o assunto.

Como seus filhos estudam em colégios particulares, eles acham que isso é o suficiente para o sucesso deles. Desse modo, basta olhar à sua própria situação e nada mais. Fecha-se, aqui, o circuito do fosso social brasileiro.

Por isso, é preciso encontrar maneiras de juntar a comunidade dos mais escolarizados que têm filhos em colégios particulares com os menos escolarizados cujas crianças estudam no ensino básico público.

O ataque ao que separa os brasileiros deve ser feito por políticas que estabeleçam uma nova coalizão, capaz de mostrar que o fracasso do "andar de baixo" é um desastre para o "andar de cima".

 

Fonte: Valor Econômico, Fernando Luiz Abrucio, 20/11/2006


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