Elas dominam o saber

 

As mulheres reinam na educação brasileira. Ultrapassam os homens em número de estudantes em sala de aula a partir da 5ª série e são maioria nas instituições de ensino superior. Nas universidades, representam mais de 60% dos alunos que conseguem pôr a mão em um diploma em todas as regiões do Brasil. Elas só perdem para os meninos no início da vida estudantil. Da primeira a 4ª série do ensino fundamental, eles são quase um milhão a mais que as meninas.

A constatação é de um levantamento do Ministério da Educação (MEC). Segundo dados do Censo da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres são maioria na educação superior em todas as regiões do Brasil desde 1996. E, a cada dia, a diferença cresce ainda mais.

O esforço das mulheres em levar os estudos adiante não representa igualdade de gênero. De acordo com os especialistas em educação, culturalmente elas são preparadas para ser maioria em áreas de atenção social, como educação e saúde. Para a gerente de projetos da Secretaria Especial da Política para Mulheres (SPM), Dirce Groz, ser maioria na educação não significa participação efetiva nas decisões da sociedade. O problema é como essas mulheres aprendem as práticas pedagógicas. Transferem para o meio social as atribuições de casa, ressalta.

Para Groz, essa diferença não se restringe à formação universitária. Vem desde as primeiras séries de ensino. Os livros didáticos representam a mulher mais nos espaços domésticos, e pouco nos públicos, afirma. Segundo Groz, a tendência de divisão de tarefas sociais ensinada na escola é reforçada também pelas primeiras lições de educação em casa e na rua. Os brinquedos diferentes influenciam as escolhas quando adultas, diz.

O diretor de estatística e avaliação da educação do Inep, Dilvo Ristoff, reconhece que o fato das mulheres estarem em maior número em sala de aula não significa garantia de direitos iguais. Ainda mantemos conceitos históricos que colocam a diferença de gêneros ligada à questão de valores sociais. O homem é tido como provedor, enquanto as mulheres são protegidas, afirma.

Nas universidades, há cerca de 1 milhão de mulheres a mais do que homens. A região Sudeste é onde a diferença é mais acentuada em números totais. São 1,1 milhão de mulheres, contra 911,5 mil homens. No Centro-Oeste, as matrículas globais de graduação de mulheres chegam a 228.396, enquanto as de homens ficam em 156.134. Na região Norte, elas são 48.824 a mais em relação aos 100.926 homens matriculados. É provável que a maior presença percentual de mulheres na escola e no campus nas regiões Norte e Centro-Oeste tenha relação direta com a menor urbanização, a industrialização e com o modelo econômico rural, avalia Ristoff.

Os percentuais de homens e mulheres nas universidades levantados pelo Inep mostram que os homens são destaque em cursos ligados a setores públicos e de infra-estrutura. Eles mandam nas áreas relacionadas a engenharia e tecnologia, representando 91,5% das matrículas em mecânica, 88,9% em eletricidade e energia e 79,9% em computação. Já as mulheres correspondem a 92,5% dos alunos no curso de nutrição, 83,8% na enfermagem e 90,8% dos estudantes de pedagogia.

Um exemplo é a turma do 4º semestre do curso de pedagogia da Universidade de Brasília (UnB). Os colegas do sexo masculino nem se atrevem a desafiá-las. Elas decidem qual o tema e o método de apresentação dos trabalhos, explica a professora de fundamentação da arte na educação, Neuza Maria de Conto. A professora considera a diferença entre homens e mulheres na educação menos preocupante do que a busca desesperada por um diploma. Na pedagogia, temos universitários bombeiros e policiais que dariam ótimos educadores, mas eles não querem nem saber de sala de aula. É uma pena, lamenta Neuza.

Apesar de serem maioria nas salas de aulas, elas ainda estão em desvantagem na docência da educação superior. A participação, no entanto, cresce num ritmo 5% maior que o dos homens a cada ano. Se continuarem nesse ritmo, o Inep estima que serão maioria em 2011. Em 1996, as professoras no ensino superior eram 57.466 e, em 2004, passaram para 128.695, enquanto os homens passaram de 90.854 para 164.547, no mesmo período. O crescimento delas na docência superior é de 223,9%, enquanto o número de professores universitários cresceu 181,1%.

Na tentativa de desenvolver políticas educacionais para mudar essa realidade, a SPM vai realizar neste semestre um projeto com 1,2 mil educadores para discutir gênero, raça e orientação sexual. As oficinas terão como objetivo levantar propostas para o tema. Participarão da experiência, professores de Porto Velho (RO), Maringá (PR), Salvador (BA), Dourados (MS) e Niterói e Nova Iguaçu (RJ). A escolha de municípios de diferentes regiões foi para buscar a diversidade regional.

O número 2011 é quando o Inep estima que o número de mulheres na docência universitária será maior que o de homens.

Meninos deixam escola A predominância de mulheres em salas de aula da quinta série do ensino fundamental à faculdade revela um dado preocupante: é grande a evasão escolar do sexo masculino. O quadro deveria ser o contrário, já que os meninos são maioria no início da vida estudantil e na população com até 20 anos de idade.

Violência e necessidade de contribuir com o sustento da família são apontadas pelas autoridades em educação como justificativas para o abandono dos estudos pelos rapazes. Mas, para os especialistas na área, o modelo escolar rígido não contempla a necessidade de consumo dos jovens.

Não é agradável ir à escola, e os meninos agüentam menos a cobrança disciplinar porque não vêem benefício em continuar os estudos, afirma a professora Wivian Weller, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Em 2003, a professora iniciou pesquisa para saber a perspectiva de retorno de ensino para jovens do movimento hip hop no Brasil e na Alemanha. Wivian constatou as mesmas opiniões nos dois países. Um aluno de periferia que faz contabilidade e trabalha como balconista ou frentista sabe que o diploma em si não traz mudança de vida para ele. Para que continuar?, questiona.

Ensino rígido De acordo com a especialista, desde os anos 60 o ensino público no Brasil ficou mais rígido, e o particular se voltou para o vestibular. Por uma questão cultural e de formação, a mulher é mais tolerável e se adapta melhor ao esquema de ensino atual.

A evasão de homens depois da fase do vestibular também é explicada pela opção masculina pelo mercado de trabalho. Cerca de 25% dos jovens que estão no ensino médio têm dificuldades de continuar os estudos, mesmo que o ensino seja público. De acordo com o Inep, muitos escolhem primeiro o emprego para voltar à universidade mais tarde. A hipótese justificaria a presença de mais de 100 mil alunos com mais de 40 anos nas universidades.

Para o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Fernando Silva, os meninos estão mais vulneráveis às explorações no mercado de trabalho. Eles são as maiores vítimas do trabalho infantil. As meninas só são maioria no trabalho infantil doméstico, conta. De acordo com Fernando, as mortes de jovens por causas externas como os casos de violência é outro dado a ser considerado na ausência dos homens na escola.
 

Fonte: Correio Braziliense, Hércules Barros, 08/03/2006.


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