Emenda 3: o que é isso afinal?
Antônio Augusto de Queiroz* 

 

Desde que o presidente da República vetou a chamada Emenda 3 do projeto de lei que criou a Super-Receita, que se discute o objeto dessa emenda, sem que se tenha uma visão clara sobre as implicações de seu conteúdo. O texto vetado, aparentemente neutro, transfere do fiscal do Trabalho para a Justiça do Trabalho a prerrogativa de desconstituir pessoa jurídica (empresa) criada para fraudar os direitos trabalhistas.

No Brasil tem sido comum as grandes empresas, especialmente na área de comunicação, exigirem de seus empregados que se transformem em empresa individual ou pessoa jurídica para contratá-los como prestadores de serviços, livrando-se do pagamento de uma série de encargos trabalhistas e previdenciários, numa clara burla ao Direito do Trabalho.

O ex-empregado, que se transforma em empresa ou pessoa jurídica, deixa de ser empregado e passa a ser um prestador de serviços, mas continua cumprindo horário, recebendo ordens e exercendo as mesmas atividades de antes, nas dependências do contratante. Quem presta serviço nessas circunstâncias, em atividade não eventual, é considerado empregado, segundo o artigo 3º da CLT.

A conseqüência da mudança de status - de pessoa física e empregado para pessoa jurídica e prestador de serviços - é que o ex-empregado não terá mais direitos trabalhistas, como férias, 13º, FGTS, multa por ocasião da demissão; nem previdenciários, como aposentadoria, auxílio-doença, auxílio-reclusão e licença-maternidade, entre outros, exceto, no caso da Previdência, se continuar segurado do INSS e pagar 20% sobre o mesmo valor que, como empregado, pagava de 8% a 11%.

A empresa contratante, por sua vez, além de poder contar com a prestação de serviços ininterrupto pelos 12 meses do ano (empresa não tira férias), ainda fica livre do pagamento para o INSS de 20% sobre a folha, a título de contribuição previdenciária; não terá que pagar 13º nem 30 dias férias, acrescidas de um terço; não pagará contribuição para o Sistema “S” sobre esse prestador de serviço; não terá que pagar 8% de FGTS; não terá que pagar aviso prévio proporcional nem tampouco pagar a indenização de 40% sobre o montante do FGTS.

Pelas regras atuais, o fiscal do Trabalho, em sua atividade de rotina, quando encontrar uma situação semelhante a essa, de clara burla do direito do trabalho, autua a empresa, aplica as devidas multas e desfaz a irregularidade, transformando o trabalhador de prestador de serviço em empregado, com todos os direitos inerentes à condição de empregado, e conseqüentemente desconstitui a pessoa jurídica fraudulenta.

Já o texto da emenda, aparentemente neutro, se for transformado em lei terá graves conseqüências sobre as relações de trabalho e os cofres públicos, porque impede o fiscal do Trabalho de fiscalizar, mesmo as situações fraudulentas, na medida em que essa atribuição deixaria de ser de sua competência e passaria a ser de responsabilidade exclusiva da Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho, por sua vez, só age sob provocação e como o fiscal não pode provocá-la, apenas o prejudicado, o ex-empregado, e agora prestador de serviço, jamais irá questioná-la na Justiça, porque, ao buscar o acessório, corre o risco de perder o principal - o trabalho.

A transferência dessa atribuição para a Justiça do Trabalho significaria, na prática, a legalização da fraude, porque, além de o trabalhador não querer ou poder reclamar, para não perder o seu ganha pão, a Justiça do Trabalho não teria pessoal nem magistrados para atender a essa nova atribuição. Se atualmente ela leva em média dez anos para decidir um processo, imagine se tiver que aumentar ainda mais sua carga de trabalho.

Portanto, o setor empresarial pode até ter – e efetivamente tem – razão quanto aos pesados encargos que incidem sobre a folha, mas a solução não passa pela emenda 3 nem pela precarização das relações de trabalho. Impõe-se, assim, a manutenção do veto pelo Congresso, sob pena de agressão aos direitos dos trabalhadores e aos cofres públicos, bem como encontrar uma solução que resolva o problema de natureza tributária.


* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP.

Fonte: DIAP, 25/3/2007.
 


A burla à CLT na Emenda 3
Vilson Antonio Romero* 

 

Uma coisa é multar prestadores de serviços organizados como empresas, individuais ou não, a partir de sua decisão pessoal ou pela necessidade de mercado. Pode configurar excesso de exação. Outra é o poder econômico precarizar o vínculo com seus “colaboradores” para burlar legislação trabalhista, previdenciária e tributária. Esta é a discussão posta acerca do veto da Emenda 3, do Projeto de Lei 6.272, transformado na Lei 11.457, de 16 de março.  

Numa situação exemplar, o diretor administrativo de uma empresa de médio ou grande porte reúne todos os integrantes – empregados – do setor de recursos humanos – poderia ser outro departamento qualquer – e comunica que o serviço por eles executado será terceirizado por motivo de contenção de despesas. Isto resulta, de imediato, em um sem número de pessoas jogadas no “olho da rua”. Um pavor total se instala entre estes subalternos, endividados, comprometidos até “a raiz dos cabelos” com comida, escola, saúde, transporte de si próprio e de sua prole ou demais dependentes.  

Mas o magnânimo dirigente empresarial “tira o bode da sala”. Diz que há uma alternativa que salvará a pele de todos e cumprirá sua meta redutora de custos administrativos ou de produção: “pejotizarem-se!”. Ou seja, unam-se os atuais empregados, com vínculo registrado em carteira, e constituam uma empresa – pessoa jurídica – ou diversas firmas individuais com todos sendo sócios, gerentes ou não. Daí, num beneplácito, poderão permanecer exercendo suas atividades como dantes, todos felizes, no mesmo lugar, mesma sala, mesma escrivaninha. Só que não estarão mais na folha de pagamentos de salários da empresa. Perceberão a contraprestação de sua atividade através da emissão de um recibo ou nota fiscal de serviços.  

Esta ficção já é realidade e é uma das situações que o veto à Emenda 3 visa impedir: a precarização da relação trabalhista. Pois como se vê, sendo um empregado ou mais, aparentemente salvam-se todos. Os subordinados seguem levando pra casa seu dinheirinho, tão necessário e tão suado. Os superiores, mandatários do poder econômico, lhes garantem a ocupação sob nova nomenclatura: prestadores de serviço. Só que enquanto uns ganham, ao deixarem de pagar, recolher ou provisionar INSS, FGTS, férias, 13º salário, outros foram “convencidos” a abrir mão de todos estes direitos. Apesar disto, permanecem na nova situação renomeada, os requisitos fundamentais da relação de emprego: pessoalidade, continuidade, subordinação e onerosidade.  

Algum tempo mais tarde, descontentes, um ou mais de um dos remunerados por nota fiscal acorrerá à Justiça do Trabalho e obterá o reconhecimento do vínculo empregatício. Sentenças do gênero têm já sido prolatadas. Mas terão passado muitos anos e talvez o FGTS, o INSS e outros entes públicos não tenham mais como cobrar os valores integrais devidos, por prescrição ou decadência ou até em decorrência de conciliação. Fica evidente a afronta ao art. 9º da CLT: “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos”. Há, pois, além da burla, um claro ato frustrando direitos do trabalhador.  

Portanto, para manter o poder do Estado enquanto protetor do trabalho e garantidor do emprego formal, só restou o veto ao dispositivo que diz: “§ 4º No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial”.

A grita empresarial tem sido generalizada. No Congresso, há ameaças de obstrução de votações se o veto não for revertido. Mas o legislador têm de atentar que o restabelecimento desta famigerada Emenda 3 pode ser o início do fim da “vetusta” CLT, uma das únicas salvaguardas dos trabalhadores contra o poderio dos empregadores. Derrubada esta, fim do trabalho com vínculo e extermínio da relação empregatícia. Viva a “pejotização”!”
 

* Vilson Antonio Romero é jornalista, funcionário público, diretor da Associação Riograndense Imprensa. E-mail: vilsonromero@yahoo.com.br

Fonte: DIAP, 27/3/2007.

 



Texto da Emenda 3 – Super-Receita – PL 6.272/05  

(...) 

Parágrafo 4º - No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial.”(NR) 

(...)
 


 

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