Energia – o Brasil na contramão?
José Goldemberg*

 

 

 

“Argumentar que as energias renováveis são caras teria inviabilizado, em 1975,
o Programa do Álcool e a energia nuclear, que é tão cara como as renováveis,
mas vem sendo subsidiada até hoje”

"Quem semeia ventos colhe tempestades" (máxima popular). 
 

O Ministério de Minas e Energia publicou recentemente o Plano Decenal de Expansão de Energia para os próximos dez anos, em que se prevê um aumento substancial da geração de energia elétrica com usinas termoelétricas, usando carvão, óleo diesel e óleo combustível, principalmente nos Estados do Norte do País.

Em termos práticos o que isso significa é que a tradicional energia hidrelétrica (limpa e renovável), na qual se baseou a industrialização do País e que hoje representa 84% da capacidade instalada, vai cair para 76%. O que se vê pois é um aumento de energia que não é nem renovável nem limpa, na direção oposta do que se tenta fazer em todos os países do mundo.

A Empresa de Planejamento Energético (EPE), responsável pelos leilões de energia, tem uma explicação simples para o que está ocorrendo: a culpa é dos ambientalistas, que criam obstáculos ao licenciamento e à construção de novas usinas hidrelétricas, principalmente na Amazônia.

A EPE argumenta que as termoelétricas constantes do Plano Decenal "são resultado dos leilões realizados" – o que é verdade. O que a EPE não diz é que os leilões são organizados de acordo com o modelo energético adotado no começo do governo atual e que ele é realmente responsável pelo que está ocorrendo.

De acordo com esse modelo, vencem os leilões os empreendedores que oferecerem energia pelo menor custo quando a usina começar a funcionar. Aparentemente, esse é um bom sistema, porque favorece os consumidores, mas tem o resultado perverso que favorece também as usinas que podem ser construídas rapidamente, mesmo que sejam poluentes. Os leilões de energia elétrica são, no fundo, como leilões para a compra de papel para uma repartição pública: vence o de menor preço, independentemente da qualidade, o que é uma receita perfeita para comprar o pior.

A EPE se defende argumentando que cabe ao Ministério do Meio Ambiente e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) cuidar dos problemas da poluição, o que coloca esse órgão da administração pública numa situação difícil, sobretudo quando se trata de construir grandes hidrelétricas que, além de produzir energia, têm impactos além dos ambientais. 

As termoelétricas previstas – quase todas no Norte do País – usam óleo combustível e diesel, que a Petrobrás tem em quantidade. Os órgãos licenciadores daqueles Estados são bastante tolerantes e por isso as obras são licenciadas rapidamente. Dificilmente seriam licenciadas em São Paulo. Já as hidrelétricas são licenciadas pelo Ibama, que argumenta que os estudos ambientais apresentados pelos empreendedores têm frequentemente qualidade técnica que deixa a desejar.

Jogar a culpa nos outros é sempre a primeira opção, mas o que se vê no caso de energia é que há um desacerto completo dentro do governo.

Por isso surgiram propostas aberrantes para resolver os problemas (além de substituir a ministra de Meio Ambiente). A primeira é a de que grandes obras hidrelétricas na Amazônia seriam declaradas de interesse nacional e o Congresso Nacional autorizaria sua realização sem ouvir os órgãos ambientais. Ela claramente viola a Constituição e parece ter sido abandonada.

Surge agora uma outra, determinando que o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) crie um "procedimento extraordinário" de licenciamento para as obras do PAC, consideradas estratégicas. Ela talvez não seja inconstitucional, mas dependerá de aprovação do próprio Conama e o governo, por meio de decreto, não tem poder de obrigar o Conama a fazê-lo. Além disso, ela introduz regras sobre prazos questionáveis para concessão de licenças.

Essas ideias mostram a confusão que foi criada pelo governo.

Parte da razão pela qual o Ibama não tem licenciado obras a tempo é que ele foi "aparelhado" no início do atual governo com ativistas da área ambientalista, dos quais os órgãos do Ministério de Minas e Energia se queixam agora.

A simples profissionalização e o aumento da competência técnica e administrativa do Ibama resolveriam boa parte dos problemas.

O outro aspecto deste problema é que o modelo energético não abre espaço para energias renováveis e eficiência energética, que é precisamente o que a Europa e os Estados Unidos estão fazendo agora.

No que se refere à eficiência energética, os órgãos do governo têm o hábito de menosprezá-la, apesar de existir uma lei aprovada pelo Congresso em 2001 que autoriza o Ministério de Minas e Energia a estabelecer limites máximos de consumo dos equipamentos usados no País. (Essa lei só começou a ser regulamentada, timidamente, em 2008.)

Argumentar que as energias renováveis são caras teria inviabilizado, em 1975, o Programa do Álcool e a energia nuclear, que é tão cara como as renováveis, mas vem sendo subsidiada até hoje. Argumentar, também, que o consumo médio do brasileiro é baixo, e que é essencial aumentar esse consumo para se igualar aos países da Europa, ignora o fato de que nesses países o inverno é rigoroso. Além disso, nossas metrópoles são modernas e nelas se consome energia como em muitos países industrializados.

Onde o consumo é baixo, como nas zonas rurais, é preciso de fato aumentar o consumo e a qualidade dos serviços. O Programa Luz para Todos está fazendo isso.

Quanto à judicialização dos processos de licenciamento de hidrelétricas, a ação do Ministério Público às vezes é realmente um problema, mas o que se pode dizer é que é assim em todos os países democráticos e que devemos abandonar o saudosismo dos tempos do autoritarismo.
 

* José Goldemberg foi presidente da Companhia Energética de São Paulo e é professor da Universidade.
 

Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/2/2009.

 


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