Energia misteriosa faz dez anos sem ganhar explicação

          

 

Força que faz Universo crescer de forma acelerada desafia físicos teóricos, e astrônomos
ainda esperam "ajuda do céu". Entidade física de natureza desconhecida –
batizada de energia escura –, vai contra a gravidade,
afastando as galáxias umas das outras
 

Uma das maiores descobertas da história da astronomia está completando uma década neste ano, mas cientistas não têm muita motivação para comprar um bolo e tornar a data uma comemoração. Em 1998, dois grupos de pesquisa independentes descobriram que o Universo está se expandido de maneira acelerada – algo que ninguém esperava. Passados dez anos, a força que move esse fenômeno já tem um nome – energia escura –, mas ninguém ainda sabe o que ela é.

"Não estamos mesmo muito mais perto da resposta do que estávamos antes", disse à Folha Robert Kirshner, astrônomo da Universidade Harvard, de Cambridge (EUA). "Mas estamos bem convencidos hoje de que essa coisa existe, e esse sinal não se foi nos últimos anos. Na verdade se tornou melhor, mais evidente."

Kirshner foi um dos astrônomos com papel crucial na descoberta de 1998. Ele inventou uma maneira de analisar a luz de supernovas (explosões de estrelas) em galáxias que se afastam da Terra a alta velocidade para estimar quão distantes elas estão. Sob liderança de Adam Riess, ex-aluno de Kirshner, astrônomos usaram essa técnica para fazer um grande mapeamento do Universo, mostrando que as galáxias mais distantes estão se afastando cada vez mais rápido.

Os astrônomos demoraram para acreditar no que estavam vendo. Já se sabia desde 1929 que o Universo estava em um movimento de expansão, que tinha iniciado com o impulso do Big Bang, a explosão que o originou. Todos achavam, porém, que a força da gravidade de toda a massa que existe no cosmo acabaria freando esse impulso alguma hora.

"No final de 1997, quando estavam saindo as primeiras análises de Adam Riess, ele me disse "Cuidado aí! Parece que nós estamos obtendo massa negativa". Eu respondi então: "Você deve estar fazendo algo errado. Tem certeza de que não esqueceu de dividir por pi?"."

Mas não era um erro na fórmula. Os astrônomos ficaram tão chocados quanto Isaac Newton ficaria ao ver uma maçã caindo para cima. Não é possível perceber a energia escura em pequena escala - maçãs costumam cair para baixo aqui na Terra –, mas na escala cosmológica essa força está agindo contra a gravidade, afastando as galáxias umas das outras.

Problema constante

Sem dados experimentais que possam sugerir o que é a energia escura, cientistas voltaram então para a teoria. Algo que poderia explicar a energia escura era um conceito antigo criado por Albert Einstein. Sua teoria da relatividade geral indicava que a gravidade deveria fazer o Universo encolher, mas o grande físico acreditava num cosmo imóvel, parado. Sua solução foi postular uma força repelente para fechar as contas.

A essa nova força – uma tentativa de resolver o problema "na marra" – o físico deu o nome de "constante cosmológica". O que a idéia implicava era um tanto absurdo: o vácuo, ou seja, o nada, conteria energia.

Aparentemente, na década de 1930, Einstein acabou sucumbindo às provas de que o Universo estava mesmo em expansão e se afastou do debate. Após a descoberta da expansão acelerada em 1998, porém, físicos ressuscitaram sua idéia: a energia escura talvez seja a constante cosmológica.

A essas alturas, a energia do vácuo já não era uma idéia tão absurda, e tinha sido até mesmo postulada na forma de "partículas virtuais" pelos físicos quânticos. Com base nisso, então, teóricos calcularam qual seria o valor da constante cosmológica se ela fosse mesmo o impulso do "vazio quântico". Só que a conta não fechou.

"A energia escura é ridiculamente pequena, e a energia do vácuo teórica é ridiculamente grande", explica Raul Abramo, físico da USP (Universidade de São Paulo). "Seria como casar uma ameba com uma baleia."

Outros teóricos postulam que a energia escura seja uma outra força da natureza, uma espécie de "antigravidade". Para isso, porém, precisaria haver evidência de que ela varia no espaço e no tempo. Em outras palavras, seria preciso essa energia não ser "constante". Mas até onde a precisão dos telescópios permite ver, ela é.

Para sair da enrascada, físicos esperam agora a chegada de dados de supertelescópios, mas nada garante que imagens mais precisas tragam novas idéias.

Nova geração de supertelescópios renova esperança

Apesar de cosmólogos estarem um tanto quanto imobilizados na busca de uma solução teórica para o problema da energia escura, cientistas que fazem o trabalho "braçal" na área – construir e operar telescópios – vislumbram uma oportunidade de ouro.

Um congresso no mês passado no Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, reuniu representantes de vários novos projetos de observação que podem jogar luz sobre o enigma. Alguns deles, que começarão a operar na próxima década, ajudarão a investigar como a gravidade e a energia escura atuam em cada nível. Uma boa varredura no céu mostra como as estrelas se agrupam para formar galáxias, como surgem aglomerados de galáxias, como estes se juntam em superaglomerados e assim em diante.

"Numa varredura profunda, podemos ver mais objetos, e podemos aprender algo novo", diz John Peoples, um dos idealizadores do DES (Dark Energy Survey), projeto que "turbinou" o telescópio Blanco, no Chile, para essa e outras tarefas. "Pode ser que não aprendamos algo [sobre energia escura] agora, mas a astronomia se trata disso: ampliar a fronteira."

O DES, que será o primeiro projeto desenhado especificamente para tratar da energia escura, deve começar a operar em 2010. O Brasil, que ajudou a projetar os softwares que comandarão o telescópio, participará também da análise científica dos dados. É possível que surja alguma pista sobre propriedades ainda não conhecidas da energia escura ou – mais improvável – da gravidade.

Depois do DES, diversos projetos mais ousados devem entrar em cena. A Europa discute até a construção de um telescópio espacial. Até lá, pode-se descobrir, por exemplo, que a energia escura é variável. O que isso significaria? "Aí não é mais com a gente, aí os físicos de partícula que vão ter que explicar para a gente o que faz isso acontecer", diz Luiz Nicolaci da Costa, do Observatório Nacional, um dos brasileiros no DES.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, Rafael Garcia, 15/6/2008.

 


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