Ensino sem demagogia
Dermeval Saviani*

 

Professor da Unicamp ataca discurso vazio do governo na área e propõe soluções
para a educação no Brasil
 

Os mais variados diagnósticos põem em evidência o estado atual altamente precário da qualidade da educação pública brasileira. E o mais recente programa de enfrentamento da situação, o PDE [Plano de Desenvolvimento da Educação], se propôs a atacar de frente exatamente o problema da qualidade do ensino, mas tem um calcanhar-de-aquiles: o insuficiente investimento.

Tal situação agora repercute de forma ampliada por efeito da greve dos professores da rede pública estadual de SP [iniciada em 16/6], que põe em evidência o problema das condições precárias de trabalho que dificultam a ação dos professores e afetam a formação, desestimulando a procura pelos cursos de preparação docente.

Tanto para garantir uma formação consistente como para assegurar condições adequadas de trabalho, faz-se necessário prover os recursos financeiros correspondentes.

Eis o grande desafio a ser enfrentado. É preciso acabar com a duplicidade pela qual, ao mesmo tempo em que se proclamam aos quatro ventos as virtudes da educação, as políticas predominantes se pautam pela redução de custos, cortando investimentos.

Impõe-se ajustar as decisões políticas ao discurso imperante. Trata-se, pois, de eleger a educação como máxima prioridade, carreando para ela todos os recursos disponíveis.

Questão crucial

Não se trata de colocar a educação em competição com outras áreas necessitadas, como saúde, segurança, estradas, desemprego, infra-estrutura de transporte, de energia, abastecimento, ambiente etc. Ao contrário, como eixo do projeto de desenvolvimento nacional, a educação será a via escolhida para atacar de frente todos esses problemas.

Se ampliarmos o número de escolas, tornando-as capazes de absorver toda a população em idade escolar, se povoarmos essas escolas com todos os profissionais de que necessitam, em especial com professores em tempo integral e bem remunerados, estaremos atacando o problema do desemprego diretamente, pois serão criados milhões de empregos.

Estaremos atacando o problema da segurança, pois estaremos retirando das ruas e do assédio do tráfico de drogas um grande contingente de crianças e jovens.

Mas, principalmente, atacaremos todos os demais problemas, pois estaremos promovendo o desenvolvimento econômico, uma vez que esses milhões de pessoas com bons salários irão consumir e, com isso, ativar o comércio, que, por sua vez, ativará o setor produtivo (indústria e agricultura), que irá produzir mais e contratar mais pessoas.

De quebra, a implementação desse projeto provocará o crescimento da arrecadação de impostos, maximizando a ação do Estado na infra-estrutura e nos programas sociais.

Enfim, com esse projeto será resolvido o problema da qualidade da educação: transformada a docência numa profissão atraente em razão da sensível melhoria salarial e das boas condições de trabalho, para ela serão atraídos muitos jovens dispostos a investir recursos, tempo e energia numa alta qualificação obtida em graduações de longa duração e em cursos de pós-graduação.

Com um quadro de professores altamente qualificado e fortemente motivado trabalhando em tempo integral numa única escola, estaremos formando os cidadãos conscientes, críticos, criativos, esclarecidos e tecnicamente competentes para ocupar os postos do mercado de trabalho de um país que viria a recuperar, a pleno vapor, sua capacidade produtiva.

Falta de coerência

Estaria criado, por esse caminho, o tão desejado círculo virtuoso do desenvolvimento. Trata-se de uma proposta ingênua, romântica? Não. Ela apenas extrai as conseqüências do discurso hoje dominante, cobrando coerência aos portadores desse discurso.

Está lançado o desafio aos formadores de opinião, aos empresários, dirigentes dos vários níveis e dos mais diferentes ramos de atividade e, em especial, aos políticos.

Ou assumimos essa proposta ou devemos deixar cair a máscara e pararmos de pronunciar discursos grandiloqüentes sobre educação, em flagrante contradição com uma prática que nega cinicamente os discursos proferidos.

 

*Dermeval Saviani é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de, entre outras obras, "Política e Educação no Brasil" (ed. Autores Associados).

 

Fonte: Folha de S. Paulo.

 


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