A polêmica entrevista de Lula e a grande mídia: uma mesma leitura 

 

Entrevista com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exibida domingo
à noite, pela Rede Globo, marca início da semana política. Maioria
dos jornais destaca um mesmo trecho da entrevista, onde Lula
diz que o “PT só fez o que é feito no Brasil sistematicamente”.

 

A agenda política da semana começou marcada pela entrevista com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedida na sexta-feira a uma televisão francesa e exibida domingo à noite pelo Fantástico, na Rede Globo. Nela, Lula admitiu erros no PT mas enfatizou que não participa mais das decisões do partido. “A direção do PT fez o que é feito no Brasil sistematicamente”, afirmou o presidente, que acrescentou: “eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo”.

A entrevista foi cercada por uma áurea de mistério e solenidade. Os apresentadores do Fantástico, Pedro Bial e Glória Maria, fizeram questão de destacar que ela não havia sido feita pela Rede Globo, mas sim por uma jornalista brasileira que trabalha em uma tv francesa (não foi especifica qual), durante a recente estada de Lula em Paris. A Globo comprou os direitos de exibição e não teve qualquer participação nas perguntas formuladas ao presidente, anunciaram os âncoras do programa.

Leitura homogênea na mídia

A maioria dos jornais brasileiros destacou uma mesma frase da entrevista. As manchetes nesta segunda repetiram, com pequenas variações, um trecho da fala presidencial. “PT fez o que é feito no Brasil sistematicamente”, disse o Globo. “PT só fez o que é feito no Brasil sistematicamente”, repetiu a Folha de São Paulo. Zero Hora, de Porto Alegre, fez a mesma escolha: “A direção do PT fez o que é feito no Brasil sistematicamente”. E o Estado de São Paulo também: “PT fez o que sempre foi feito no Brasil”.

Uma das exceções foi o Correio Brasiliense que destacou: “Lula diz que não responde mais por atividades do PT”. Em todas essas abordagens, destacou-se a percepção de que Lula procurou enfatizar seu afastamento em relação às decisões da cúpula recém-afastada do Partido dos Trabalhadores. “Já faz tempo que eu deixei de ser presidente do PT. Fui presidente do PT durante três anos, mas depois que eu virei presidente da República eu não pude mais participar da direção do PT”, declarou o presidente.

“Os bastidores da entrevista”

O colunista de O Globo, Jorge Bastos Moreno, divulgou em seu blog, nesta segunda, o que seriam os bastidores da entrevista. Moreno descreve do seguinte modo a gênese da entrevista e como ela foi parar na tela do Fantástico: “a jornalista que entrevistou o presidente Lula trabalha para a produtora Melting Pot, que presta serviços para os principais canais de televisão da França, se chama Melissa Monteiro e estava envolvida havia meses com um documentário sobre Lula, que seria exibido durante a estada dele lá, em comemoração ao ano Brasil-França".

O colunista prossegue: "ela chegou a ficar um mês em Brasília tentando entrevistá-lo, mas, em função da crise, o presidente nunca a recebeu. Melissa voltou para a França com a promessa de que ele a receberia lá. A entrevista foi longa, tem muitos trechos sobre a vida de Lula, a repercussão dele no exterior e aquelas poucas perguntas sobre a conjuntura atual. Vendo que tinha matéria quente nas mãos, decidiu vendê-la a peso de ouro. Ligou domingo cedo para o ex-correspondente da Globo em Paris, o impoluto Caco Barcelos, que já está em São Paulo, oferecendo o material. Acabou vendendo a preço de mercado, bem alto por sinal para os padrões brasileiros”.

Tarso Genro fala em auditoria interna

Na entrevista, Lula sinalizou também que a direção que assumiu provisoriamente o PT deverá investigar todas as possíveis irregularidades no partido. Em Porto Alegre, onde passou o fim de semana, o presidente interino do partido, Tarso Genro, anunciou que proporá a realização de uma auditoria interna no PT. Embora não acredite que os acusados de irregularidades tenham agido em benefício próprio, Tarso pretende promover uma ampla investigação interna. “Precisamos verificar os erros e reconhecê-los perante a sociedade, lavando a roupa suja fora de casa”, repetiu em várias entrevistas.

Ele não acredita que simplesmente “entregar a cabeça” de Delúbio Soares e Silvio Pereira resolverá a grave crise que assola o partido. “Temos que investigar e ver que condições levaram a esses procedimentos”, propôs. Além disso, defendeu uma profunda reforma interna no PT, com a adoção de mecanismos que garantam maior controle e transparência nas decisões dos dirigentes, principalmente na área financeira. Esses temas serão discutidos na reunião da Executiva Nacional do PT, marcada para terça-feira.

 

Fonte: Ag. Carta Maior, Marco Aurélio Weissheimer, 18/07/2005. 


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