Escassez de água pode elevar conflitos no Mediterrâneo 

 

Como na maior parte do mundo, a situação da água na região do
Mediterrâneo é considerada grave. Privatizações e aumento do
custo são agravados por um quadro de má distribuição,
aridez do clima e possibilidades de desertificação que
podem causar ainda mais conflitos na área.

 

As avaliações preocupantes sobre a situação da água apresentadas no I Fórum Social Mediterrâneo, que terminou domingo (19), poderiam ser ouvidas em quase todas as regiões do planeta. Carro-chefe de outros fóruns globais e encontros sociais temáticos, o processo de mercantilização e suas conseqüências, como o automático aumento do custo da água e uma maior dificuldade de acesso, foram centrais também na discussão de dois seminários sobre esse tema em Barcelona.

No primeiro, intitulado “Participação Social e Pública nas Questões da Água”, foram criticadas as políticas de liberalização implementadas pelas multinacionais européias, especialmente as francesas e alemãs. O mascaramento de privatizações através da composição de sociedades mistas e a construção de obras de grande estrutura, que causam o deslocamento de comunidades inteiras muitas vezes sem indenização, também foram alvo de contestações por parte dos representantes de movimentos sociais e ONGs de inúmeros países, entre eles Espanha, Tunísia, Algéria, Marrocos, Bélgica, França, Palestina, Itália, Bósnia, Israel e Líbia.

Antes de introduzir no debate a preocupação com a escassez da água, com a baixa dos lençóis freáticos e com as milhões de pessoas que não têm acesso a esse bem essencial, o italiano Renato di Íncola, do Mediterracqua-Contrato Mundial da Água, ressaltou o caráter da dependência vital da humanidade à água.  “A água é fonte de vida e, portanto, não pode ser tratada como uma mercadoria. Nossos corpos são constituídos por mais de 80% de água. Esta, portanto, não é somente uma batalha política, mas uma batalha fundamental para a vida, pela capacidade de garantirmos a nossa e a sobrevivência das futuras gerações”, afirmou. Íncola lembrou ainda que 97% do total da água do planeta é salgada e que dos 3% restantes a maior parte está na forma de gelo, neve ou água subterrânea. Restando somente 1% disponível em lagos e rios.  

Problemas específicos

Os climas árido e semi-árido, preponderantes na região mediterrânea, juntamente com a irregular distribuição pluviométrica e a ampla utilização da agricultura intensiva, que necessita de grandes quantidades de água para produzir alimentos, são considerados sérios agravantes nessa área, que não possui um sistema eficaz de acesso e divisão dos recursos hídricos  

“Neste contexto, deve ainda ser considerada a crescente contaminação que vem ocorrendo dos rios, lagos e lençóis freáticos, especialmente pelo uso excessivo de agrotóxicos, em praticamente todos os países”, acrescentou Riccardo Petrella, do Fórum Mundial Alternativo da Água.  

O tamanho do desafio para a gestão hídrica no Mediterrâneo pode ser imaginado quando se acrescentam as problemáticas do crescimento populacional sem planejamento, dos inchaços urbanos e das possibilidades de desertificação, todas presentes na área. Mas esses não são ainda considerados os maiores perigos.

Disputa pelo controle de fontes

Para além de todas as considerações sobre estes aspectos, alguns globais outros mais localizados, dois fatos dão uma dimensão mais pontual da delicadeza da situação vivida na região e da necessidade de estratégias eficazes nas negociações políticas: o turismo e a disputa pelo controle e uso das fontes, reservas e lençóis freáticos.  

O desperdício e a má utilização dos recursos hídricos pelo turismo foi apontado como um fator causador de conflitos entre diferentes classes e setores sociais e econômicos em regiões como Andaluzia, Tunísia e Marrocos, onde a água é destinada prioritariamente aos turistas, em detrimento da necessidade das populações locais.  

Na Andaluzia, por exemplo, a maior parte da água é utilizada para a manutenção dos campos de golfe para o regalo dos turistas. Já em Marrocos e na Tunísia, as comunidades nativas chegam a passar por momentos de escassez, enquanto aos turistas é garantido o acesso abundante à água.  

O outro aspecto é o da disputa já existente na região pelo acesso e controle das fontes e lençóis. Saleh Alrabi, do grupo palestino Idrogeol, afirma que é o que acontece no seu país. “Israel se apropriou de muitas das nossas fontes de água e agora estamos na perigosa situação de termos de comprar água de nosso maior inimigo para sobrevivermos”, declara.  

As tensões e conflitos internacionais motivados pela preocupação com o controle da utilização da água envolvem mais seriamente países como Marrocos, Tunísia, Argélia e Líbia, dentre outros do Mediterrâneo.   
 

Fonte: Ag. Carta Maior, Patrícia Bonilha, Barcelona, 20/06/2005..


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