A expansão da Universidade federal
Gustavo Balduino*
 

Todas as iniciativas para a abertura de vagas e o crescimento de matrículas em Universidades federais partiram delas próprias.

A sociedade brasileira reclama, com justa razão, a expansão do ensino superior, seja pelo interesse coletivo de prover o país de mão-de-obra qualificada, seja pelo legítimo desejo individual de ascensão social.

Publicamente, todos concordam com a necessidade de aumentar a oferta de vagas. A meta está no Plano Nacional de Educação (PNE). Na prática, barreiras silenciosas, porém concretas, se apresentam.

A falta de prioridade política, custos elevados, legislação restritiva, corporativismo e baixo poder aquisitivo, entre outras.

Desde a década de 60, os governos têm respondido a essa demanda com incentivos para o crescimento do setor privado.

Ao lado de limitações financeiras do Estado, essa opção refletiu, com intensidade variada no tempo, uma atitude ideológica.

Ocorre que esse modelo está se exaurindo – basta verificar os índices de inadimplência e o de vagas ofertadas e não ocupadas.

Nos anos 90, ocorreu uma explosão de vagas, meritória, mas ainda insuficiente.

Esse fenômeno teve pelo menos quatro características: hegemonia do setor privado, desigualdade regional de ofertas, baixa qualidade dos cursos e é irreversível.

Todas fruto do elemento regulador desse processo, o mercado, e da ausência de fiscalização.

Nesse contexto é que se insere o papel das Universidades federais e da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) na expansão.

A ação do Estado, quando planejada, e o comprometimento das instituições públicas podem corrigir distorções.

Registro: o papel das instituições de ensino superior estaduais é fundamental para o alcance da meta do PNE.

Em 1994, a Andifes propôs – e o MEC aceitou- e, de forma inédita, foi estabelecido um critério técnico para ser feita a distribuição dos orçamentos de investimento e de custeio de cada Instituição Federal de Ensino Superior (Ifes).

Ele aloca mais recursos em função do número de alunos, incentiva cursos noturnos e a interiorização e força a eficiência na relação entre ingressantes e concluintes.

Em 1998, a Andifes tomou a iniciativa e firmou com o MEC um protocolo de expansão. As Ifes cumpriram a sua parte, mas o governo não correspondeu.

No entanto, salienta-se que a instituição da gratificação de estímulo à docência ajudou na otimização da carga de trabalho dos professores.

No dia 5 de agosto de 2003, os reitores das Universidades federais foram recebidos pela primeira vez por um presidente da República.

A Andifes novamente apresentou uma proposta de expansão com 13 metas, entre as quais a de dobrar o número de alunos nas Ifes.

Em contrapartida, era necessário consolidar a autonomia, recompor a força de trabalho diminuída nos últimos anos e financiar adequadamente cada projeto, que deveria compor um planejamento nacional.

Portanto, a criação de novas Ifes e novos campi pelo atual governo -que merece aplausos- surgiu desse encontro.

Por isso, é forçoso reconhecer que todas as iniciativas para a abertura de vagas e o crescimento das matrículas nas Universidades federais partiram delas próprias e receberam maior ou menor acolhida dos governos.

Do Congresso Nacional nunca faltou apoio às propostas que ali chegaram. 

Hoje, observamos várias ações do MEC e das Ifes para expansão. Isso finalmente nos permite dizer que a batalha ideológica foi vencida. Existem mais de 50 campi ou instituições, além de cursos, em implantação.

Superou-se o tabu de não expandir o ensino superior com novas vagas federais, isto é, públicas, de qualidade e gratuitas.

O mérito da nova visão, porém, não a exime de falhas. O modelo peca pela falta de critérios e de sustentabilidade.

Em um ambiente de demanda real e generalizada, qualquer nova vaga pública se explica e será comemorada, mas, além disso, em um país com enormes desigualdades sociais e regionais, com escassez de recursos, é preciso que cada ação de governo também se justifique.

Os insumos para a instalação dos novos campi têm se restringido aos recursos financeiros iniciais, mas, sem constar do Plano Plurianual, compromete a continuidade.

Nenhuma vaga de professor ou técnico-administrativo foi criada.

Está em curso um perigoso processo de canibalizacão das vagas existentes -que já são insuficientes-, o que compromete a qualidade do sistema atual.

Os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) e da Secretaria do Tesouro Nacional comprovam que até 2003 o número de alunos aumentou, e os gastos atualizados, inclusive com pessoal ativo, diminuíram, assim como os recursos humanos das Ifes.

Essa relação inversa conduziu a capacidade de funcionamento dessas instituições ao limite.

Por isso, a expansão, que reflete o desejo da sociedade, deve ser planejada, programada e sem prejuízo do sistema existente.

Se assim for feito, as Ifes, como órgãos de Estado, cumprirão melhor o seu papel de instrumentos da sociedade para ampliar e corrigir as falhas da expansão baseada no setor privado, superando as desigualdades regionais, promovendo o desenvolvimento nacional e a democratização do acesso ao ensino superior.
 

*Gustavo Balduino, engenheiro mecânico, especialista em planejamento, orçamento e gestão pública pela FGV, é secretário-executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), co-autor do livro "Brasília 2002, memórias de uma eleição". Artigo publicado na “Folha de SP”. 

Fonte: Folha de S. Paulo, 20/1/06


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