A FALÊNCIA MUNDIAL DOS FUNDOS
DE PENSÃO



Osvaldo Coggiola

Na Argentina, o governo Kirchner (0% de esquerda) propôs, como primeira medida de governo, a habilitação aos trabalhadores para passar dos fundos de pensão privados para o sistema de repartição estatal. Na verdade, na disputa com os fundos de pensão, Lavagna (ministro da Fazenda de Kirchner) busca, com a passagem dos trabalhadores dos fundos privados para o sistema de repartição, ficar com os títulos da dívida que hoje estão nas mãos deles. Desta forma cancelaria a parcela da dívida que se encontra nas carteiras dos fundos e evitaria que estas se apresentem na renegociação da dívida exigindo a redolarização da dívida que têm em seu poder. Mas o episódio não deixa de ilustrar a falência de um sistema, no país em que ele foi levado adiante mais "fundo". O governo tenta salvar os fundos privados com o dinheiro público (ou seja, do contribuinte): "todos os trabalhadores em atividade contribuiriam com uma administradora privada. Mas, na hora de receber o benefício, o trabalhador receberia uma parte da sua aposentadoria do Estado e outra da AFJP (“fondo de jubilación privado”, nome dos fundos de pensão na Argentina)”.[1]

Na França, por sua vez, a 13 de maio, dois milhões saíram às ruas contra a privatização da previdência social, em 115 cidades. A França viveu a mais importante greve geral dos últimos anos. Convocados unitariamente por todas as centrais sindicais, desfilaram pelas principais cidades do país, mobilizaram-se contra a reforma previdenciária do governo de Chirac-Raffarin. O movimento foi tão potente que conseguiu paralisar completamente a educação. A reforma da previdência pretende liquidar uma conquista histórica da classe operária francesa. Pretende-se alongar o período de contribuição, aumentar a idade para a aposentadoria e reduzir os rendimentos. Como as patronais francesas estabeleceram a norma não-escrita de demitir todos os trabalhadores que se aproximam dos cinqüenta anos, a conseqüência da “reforma” será a de que ninguém conseguirá reunir os requisitos para se aposentar (receberão um “subsídio para a velhice”). Esse subsídio é o que recebem hoje trabalhadores terceirizados e precarizados que chegam à idade de retiro. Como em toda a Europa, também na França a reforma previdenciária é vital para o grande capital. Em primeiro lugar, porque permitirá elevar os subsídios recebidos pelas patronais; ao mesmo tempo, o governo de Chirac-Raffarin está empenhado em reduzir os aportes e contribuições patronais à seguridade social. Em segundo lugar, porque a reforma obrigará os trabalhadores a permanecer por mais tempo no mercado de trabalho; a acentuação da concorrência entre os trabalhadores servirá para que as patronais baixem os salários e flexibilizem as condições de trabalho. A destruição da previdência social – que caminha de mãos dadas com a destruição do conjunto da legislação protetora do trabalho e do salário – é um passo no objetivo estratégico de estabelecer o chamado “contrato individual”. Finalmente, a reforma da previdência procura abrir um novo campo para a especulação financeira, mediante o estabelecimento de aposentadorias privadas “complementares”. Por trás da reforma previdenciária, existe toda a intenção de saída capitalista para a crise de seu regime social. O governo pretende aumentar a contribuição dos servidores públicos para com a Previdência dos atuais 37,5 anos para 40 (como no setor privado): em 2020 todos -servidores públicos e trabalhadores do setor privado - terão de contribuir por 42 anos antes de se aposentar, acabando com a aposentadoria aos 60 anos.[2]

Nos Estados Unidos e Europa, a aposentadoria privada está a ponto de quebrar: “A classe média britânica, por exemplo, acredita que sua aposentadoria privada está mais protegida que a dos europeus do continente, que têm um sistema estatal de distribuição. Três anos de colapso dos mercados de valores e ações de pronto os despertou. Agora, essa confiança é uma mera ilusão. Os fundos de pensão privados não estão mais protegidos do que a aposentadoria prometida pelo Estado. E isso é assim tanto para os esquemas de contribuição definida como para os ‘planos ouro’ (gold standart) de contribuições ocupacionais”.[3] Em outras palavras, o capitalismo britânico já não poderia evitar que os trabalhadores e a classe média de seu país tenham um futuro miserável. No entanto, a perda da aposentadoria é apenas parte do problema porque, ademais, estão caminhando para a falência as empresas que tinham planos associados de aposentadoria. A posição financeira dos fundos de pensão britânicos deteriorou substancialmente desde meados dos anos 1990. A razão é simples: as contribuições dos trabalhadores foram investidas em ações, bônus e outros títulos que substancialmente perderam valor.

A cada ano alarga-se a brecha entre o que se deve pagar aos aposentados e pensionistas e o valor dos investimentos dos fundos de pensão. Esse gap foi estimado pela agência Morgan Stanley em 85 bilhões de libras esterlinas. Em alguns casos, esse déficit é tão grande como o valor das próprias empresas: a Rolls-Royce tem um déficit previdenciário de 1,12 bilhões de libras esterlinas e o valor em ações da companhia é de 1,24 bilhões. Na Inglaterra, quase 40% dos rendimentos da aposentadoria provêm de fundos privados e 60% da aposentadoria estatal. Como acontece também nos Estados Unidos, a aposentadoria privada pode proceder de planos de aposentadoria de empresas ou de administradoras especiais, chamadas de “benefícios definidos”. Isto significa que, ao se aposentar, o trabalhador recebe uma aposentadoria definida (como porcentagem de seu salário) à margem dos rendimentos ou quedas das aplicações financeiras realizadas com as contribuições durante toda a sua vida economicamente ativa. Entre 1987 e 2001, segundo o Financial Times, havia 4.000 planos de aposentadoria deste tipo com enormes excedentes, porque os ativos financeiros estavam tão exagerados que superavam os compromissos previdenciários com os trabalhadores, motivo pelo qual as patronais reduziram suas próprias contribuições. Mas com o desmoronamento de bônus e ações, não apenas viraram fumaça os “enormes excedentes”  dos fundos de pensão como também os ativos das grandes empresas. Assim, a classificadora de risco Standard and Poor’s colocou “sob vigilância com perspectiva negativa a classificação das dívidas de curto e longo prazo de 10 grupos europeus em relação às suas obrigações com as aposentadorias de seus assalariados”.[4] Os grupos, que não podem honrar os planos de aposentadoria de seus trabalhadores são, além da siderúrgica alemã Thyssen Krupp, a Arcelor, Michelin, Deustche Post, GKN Holdings, Linde, Pilkington, Portugal Telecom, Rolls Royce e TPG.

Acontece o mesmo nos Estados Unidos. O Fundo de Garantia das Aposentadorias Definidas (PBGC) passou de um excedente de 7,7 bilhões de dólares em 2001 para um déficit recorde de 3,6 bilhões no último ano.[5] Nos Estados Unidos a situação é mais grave porque atinge tanto os grupos econômicos como os Estados. Na berlinda estão, por exemplo, a Ford e a General Motors; e afeta não só a aposentadoria como também a saúde: a siderúrgica Bethlehem Steel anunciou em 8 de fevereiro a suspensão de pagamentos de auxílio médico e do seguro de saúde aos seus 95.000 aposentados e seus familiares, e isto logo depois de o Fundo de Garantia das Aposentadorias Definidas se encarregar do pagamento das aposentadorias por 4 bilhões de dólares que o grupo não era capaz de cumprir. A conseqüência é que agora os antigos empregados do grupo siderúrgico terão um aumento explosivo de seu convênio médico de 6 para 200 ou 300 dólares mensais.

Acrescente-se a crise financeira dos planos de aposentadoria dos Estados, que passaram de um superávit de 112 bilhões de dólares em 2001 para um déficit de 180 bilhões no final de 2002.[6] Os mais comprometidos são Illinois, Ohio e Texas. Este déficit dos fundos de pensão representa cerca de 36% da arrecadação de impostos dos Estados. Diante dessa bancarrota, o que se buscou é que a crise caísse sobre os trabalhadores. Agora, pretendem dar um passo mais importante. O que as burguesias européia e estadunidense pleiteam é elevar a idade para a aposentadoria e, ademais, transformar esses planos de pensão definidos em indefinidos, isto é, que a aposentadoria privada dos trabalhadores dependa do valor dos fundos no momento de se aposentar, de tal maneira que o trabalhador assuma riscos financeiros. Assim funciona na Argentina a previdência privada. Por isso, apesar de que entre 1994 e 2001, segundo o Ministério da Economia, os recursos transferidos para os fundos (pelos trabalhadores) capitalizados ao longo do período atingiram 37,376 bilhões de pesos ou dólares,[7] no início de 2002, com a desvalorização e a queda dos rendimentos, esses fundos valiam 8 bilhões de dólares. Assim, os trabalhadores arcaram com o prejuízo, que se traduz em aposentadorias mais reduzidas.

Há risco de insolvência nos fundos de pensão dos Estados Unidos: segundo a consultora Merrill Lynch, até 346 fundos de empresas deste país (75% dos componentes do Standard & Poor’s 500) correm o risco de não ter dinheiro suficiente para honrar seus compromissos com os partícipes por culpa da queda das ações das companhias nas quais investiram. No total, poderiam faltar 640 bilhões de dólares aos fundos de pensão. Uma cifra que contrasta com os superávits de 2000 e 2001, situados em 215 e 500 bilhões, respectivamente. Entre as empresas afetadas figuram grandes grupos como a General Motors, Ford, SBC, Boeing e IBM que, agora, poder-se-iam ver obrigadas a fazer contribuições diretas aos seus respectivos fundos de pensões. Algo que aconteceu na Europa com empresas como a KPN ou BT Group. Ademais, as crises destes afetam a própria geração de renda das companhias. Até o momento, as respectivas filiais financeiras das empresas eram as encarregadas de gerir os fundos de pensão, e suas rendas passavam diretamente para os cálculos de resultados.[8]

A falência da Enron, o quinto monopólio mundial de energia, e o maior comercializador de gás e eletricidade dos Estados Unidos, evidenciou que manejava um fundo de previdência privada de seus trabalhadores de 2,1 bilhões de dólares, 60% investidos em ações da Enron, a própria empresa. Como a falência reduziu em 95% o valor patrimonial da Enron, os 2,1 bilhões de seus empregados agora valem 1 bilhão. Como os 40% restantes do fundo também devem ter sido investidos na Bolsa, a perda seria ainda maior. Em poucas palavras, os trabalhadores da Enron perderam o salário e a aposentadoria. E, ainda por cima, cerca de 120 das maiores companhias estadunidenses têm, pelo menos, um terço dos fundos de pensão de seus empregados em ações de suas próprias empresas: a General Electric tem 75%, e a Coca-Cola 78%, em ações.

Os fundos de pensão baseavam-se também na valorização das ações de companhias das “novas  tecnologias”: entre 1998 e 1999, o índice Nasdaq saltou de dos 1.000 para 4.800 pontos, ou seja, quase quintuplicou em dois anos, numa especulação que parecia não ter fim. Este crescimento sustentado de valores das ações da Internet permitiu o financiamento quase gratuito de numerosas “dot.com”. Em muitos casos, tratava-se de empresas simplesmente inviáveis que foram criadas para aproveitar a “Internetmania” e enriquecer seus criadores. Dos 29 milhões de páginas criadas em 1999, apenas 20% se encontram em funcionamento; o restante, só foi registrado. A imensa maioria dessas empresas jamais conseguiu obter um único centavo de lucro. A proliferação de empresas da Internet aparece, então, como um reflexo do movimento da especulação financeira. A queda dos valores das “ações Internet” confirmou esta caracterização e pôs a nú todos os elementos da crise capitalista. Para que se tenha uma idéia dos riscos da “capitalização” dos fundos, basta o panorama da lista das mais importantes falências acorridas nos EUA nestes últimos anos:

 

COMPANHIA

MÊS DA

BANCARROTA

TOTAL DE ATIVOS

PRÉ-BANCARROTA

Worldcom, Inc

jul/02

$103.914.000.000

Enron Corp

dez/01

$63.392.000.000

Texaco, Inc

abr/87

$35.892.000.000

Financial Corp.of America

set/88

$33.864.000.000

Global Crossinq Ltd.

jan/02

$25.511.000.000

Adelphia Communcations

jun/02

$24.409.662.000

Pacific Gas and Eletric Co.

abr/01

$21.470.000.000

Mcorp

mar/89

$20.228.000.000

Kmart Corp

jan/02

$17.007.000.000

NTL, Inc

maio/02

$16.634.200.000

First Executive Corp.

maio/91

$15.193.000.000

Gibraltar Financial Corp.

fev/90

$15.011.000.000

Finova Group, Inc., (The)

mar/01

$14.050.000.000

HomeFed Corp.

out/92

$13.885.000.000

Southeast Banking Corp.

set/91

$13.390.000.000

Reliance Group.Holdings, Inc

jun/01

$12.598.000.000

Imperial Corp.of America

fev/90

$12.263.000.000

Federal-Mogul Corp.

out/01

$10.150.000.000

First City Bancorp of Texas

out/92

$9.943.000.000

First Capital Holdings

maio/91

$9.675.000.000

Baldwin-United

set/83

$9.383.000.000

Total

 

$498.062.862.000

 

As falências totalizam 500 bilhões de dólares: duas Agentinas e meia faliram nos Estados Unidos como produto da crise do capital, levando consigo os fundos de pensões lastreados em suas ações. Na Europa, a situação não é melhor. A OCDE advertiu sobre o grave risco da queda nas Bolsas sobre os fundos privados de pensão, cuja viabilidade está ligada à evolução dos mercados de renda variável: “Existe o risco de que as pessoas que investiram nesses fundos recebam pouco ou nada depois de se aposentar” (grifo nosso).[9] As perdas nas Bolsas de Valores nos últimos cinco anos foram calculadas em 10 trilhões de dólares (um valor superior ao PIB dos Estados Unidos), dos quais, segundo Il Sole 24 Ore, 1,4 trilhão foram perdidos pelos fundos de pensões.  Para evitar a concentração dos fundos em investimentos das próprias empresas, está em aplicação na Espanha uma “externalização” dos compromissos pelas pensões: retirá-los do balanço das empresas, de modo que passem a ser administrados por companhias de seguros ou fundos de pensão.[10] Com isso, dispersar-se-ia o risco de investimento. Mas o problema é que o capitalismo atravessa uma crise generalizada e os chamados “investimentos financeiros” estão todos naufragando. Afirma El País que após o conhecimento de que os planos de renda fixa mista que colocam na Bolsa entre 15 e 30% de seu patrimônio perderam 5,67% de seu valor, os de renda variável mista e renta variável pura colheram quedas de 14,9% e 29%, respectivamente. Na Argentina, depois de obter suculentas comissões, os fundos (AFJP) fizeram com que os trabalhadores perdessem 10% de seus fundos, o que equivale a aproximadamente 2 bilhões de pesos. E, ainda assim, os fundos estão falidos, já que 90% dos fundos estão em títulos da dívida que são insolventes, impagáveis, e que se desvalorizam no mesmo ritmo da crise argentina.

Na verdade, tudo nos fundos depende do momento da aposentadoria. Em período de alta das bolsas, o cálculo de renda ou capital será alto. Mas, em período de queda, será baixo também. O economista Christian Weller calculou que, com base de contribuiçâo com a mesma soma durante 40 anos, um aposentado em 1966 receberia duas vezes seus depósitos. Dez anos mais tarde, outro trabalhador aposentado, nas mesmas condições, não receberia mais que 40%.[11] E a situação das bolsas piorou muito de 1976 para cá... Além disso, “os sistemas privados custam caro ao Estado. Em 2002, as isenções de encargos fiscais e contribuições de que se beneficiaram os fundos de pensão representaram, sozinhas, a metade (!) do déficit da Previdência Social [da França] (4,5 bilhões de euros)”.[12]

Na Europa, os trabalhadores enfrentam planos de “reforma da previdência” que tanto na Áustria como na França, na Itália ou na Alemanha, têm objetivos comuns: aumentar os períodos de contribuição, aumentar a idade de aposentadoria e alterar os métodos de cálculo dos rendimentos, para reduzi-los substancialmente. A central sindical austríaca denuncia que as “reformas” reduziram em até 20% os rendimentos da aposentadoria; a CGT francesa, por sua vez, antecipa que como conseqüência das “reformas” do governo Chirac, as aposentadorias estatais cairão em 30%. O ataque aos regimes previdenciários procura “liberar” fundos orçamentários para o salvamento do grande capital europeu; pretende também abrir caminho para os regimes “complementares” (privados), no exato momento em que o fracasso destes regimes privados na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos evidencia seu caráter confiscatório. O autoritarismo estatal aumenta em função das necessidades do capital: na França, logo após a rejeição por 53% dos assalariados de EDF-GDF de um acordo de reforma do sistema de aposentadorias das industrias de eletricidade e do gás, o governo fez saber que ignoraria os resultados do referendum.[13] Pela primeira vez em meio século, a central sindical austríaca, a OGB (social-democrata), convocou uma greve geral nacional em repúdio à “reforma da previdência” impulsionada pelo governo direitista. A magnitude do ataque obrigou à direção da central social-democrata a romper com sua tradicional política de “pacto social”: paralisaram o transporte público, as aduanas, o sistema bancário, as escolas e numerosas empresas privadas. Um acontecimento inusual: nas principais cidades houve grandes manifestações sindicais. Na Itália, as três centrais sindicais convocaram uma “cúpula” para coordenar as ações comuns contra a reforma da previdência de Berlusconi, incluída a greve geral. Na Alemanha, no 1o de Maio, os sindicalizados repudiaram a “reforma” de Schroëder que, além de atacar as aposentadorias, atinge o salário-desemprego e flexibiliza as condições para demissões.

O governo Lula no Brasil adotou a proposta do Banco Mundial, o que explica suas similaridades com os regimes que os governos “social-democratas” da Grã-Bretanha e Alemanha, e até os direitistas franceses, pretendem aplicar: “Como na maioria dos outros países da Europa, o regime de aposentadorias britânico está em crise. O aumento da expectativa de vida, a longevidade da geração nascida nos anos 50 (‘baby-boom’), a vontade dos empregadores de descarregar sobre os assalariados uma parte dos riscos financeiros e sobretudo a menor rentabilidade dos fundos de pensão, em razão da queda da Bolsa, põem em perigo os ingressos dos futuros aposentados”.[14] Diante dessa situação, a Associação Nacional de Fundos de Pensão (NAPF) propôs uma “reforma integral” com base em dois pontos: elevar para 70 a idade mínima para a aposentadoria (atualmente é de 65 anos), e que a aposentadoria estatal garanta uma “renda cidadã” de 100 libras ou 160 euros semanais, equivalente a 22% do salário médio, indexada sobre os salários e não sobre os preços. Sobre esta base, os trabalhadores britânicos que quiserem uma aposentadoria superior à “renda cidadã” contribuiriam com um fundo de pensão privado. Como a NAPF desconsidera a recusa dos trabalhadores a contribuir com esses fundos privados, propõe que haja incentivos fiscais para alentar a poupança para a aposentadoria, como deduções de impostos sobre estes aportes, o que não é outra coisa senão um subsídio estatal. Na Alemanha também está em marcha uma “reforma da previdência”, também para aumentar a idade de aposentadoria de 65 para 67 anos. Na França, a grande patronal busca uma reforma mais completa, porque abarcaria toda a Previdência Social – aposentadorias, acidentes e saúde. A proposta patronal é de que a Previdência Social deixe de cobrir doenças “leves” e que cada francês tenha um seguro complementar através de companhias de seguro, ou de cooperativas, para cobri-las.

Como se pode observar, há uma tendência geral do capitalismo de reduzir a “seguridade social” a um “benefício universal básico” (“renda cidadã”, “renda mínima”, etc.) e que qualquer benefício acima seja coberto diretamente pelo trabalhador, com contribuições obrigatórias ou voluntárias para companhias ou fundos privados. A proposta em favor da “renda cidadã” – um salário ou aposentadoria mínima para todos os cidadãos – inscreve-se dentro da tendência do capitalismo de destruir a seguridade social surgida nos anos 40 e 50. A ponta de lança desta reforma é o Banco Mundial, que a batizou como a “previdência dos três patamares”. Um primeiro patamar seria estatal, daria lugar a um benefício básico definido fixo ou com um piso e um teto, equivalente a uma cesta básica de indigência. Este “patamar” seria financiado com contribuições dos trabalhadores ou diretamente pelo Estado sobre a base dos impostos gerais. Um segundo patamar, seria privado (fundos ou companhias de seguros) com contribuições obrigatórias dos trabalhadores acima do porcentual de contribuição do primeiro patamar. O terceiro patamar também seria privado, com contribuições voluntárias dos trabalhadores.

Com este esquema, o que se quer é reduzir a aposentadoria estatal de modo a diminuir o gasto em aposentadorias e aumentar os pagamentos da dívida do Estado (no nosso caso, da dívida externa). Assim, o Estado “garantiria”, por exemplo, um “benefício universal”, e qualquer excedente sobre essa soma proveria de contribuições a um fundo, o trabalhador assumindo o risco pelo investimento do fundo. O aumento da idade para a aposentadoria é a chave: o que se quer é que o trabalhador contribua por uma maior quantidade de anos e receba durante menos anos o benefício. A palavra de ordem do BCE (Banca Central da Europa) é: "A Europa envelhece, reformas já!".[15] Na plataforma eleitoral e durante a campanha presidencial, o PT explicou qual reforma queria fazer: “Essa profunda reformulação deve ter como objetivo a criação de um sistema previdenciário básico universal, público, compulsório para todos os trabalhadores brasileiros, do setor público e privado”, diz o ponto 46 da Plataforma do PT. E continua: “Como complemento ao sistema público universal, para os trabalhadores tanto do setor público como do privado que aspirem a aposentadorias superiores às oferecidas pelo teto do orçamento público, haverá um sistema de planos complementares, com ou sem fins lucrativos, de caráter facultativo, e sustentado por empregados e empregadores”. Esta reforma que o PT impulsiona, Fernardo Henrique Cardoso começou a colocá-la em prática, e segue as recomendações do Banco Mundial. Consiste em estabelecer um sistema estatal básico obrigatório que pague aposentadorias básicas, eliminando definitivamente os rendimentos como proporcionalidade do salário. Com isso a burguesia obteria várias coisas: pagar aposentadorias mais baixas, reduzir conseqüentemente a contribuição patronal e “obrigar” na prática os trabalhadores que aspiram a uma aposentadoria conforme aos seus salários a contribuir “voluntariamente” a uma aposentadoria privada. Ao pagar menos em aposentadorias, aumentaria o superávit fiscal que o FMI exige para pagar a dívida. Que o objetivo é baixar as contribuições patronais, a Plataforma o dizia claramente: “O peso da contribuição dos empregadores (20% sobre os salários) é um elemento de redução da competitividade dos produtos brasileiros (porque poucos países adotam alíquotas tão altas) e, ao mesmo tempo, é um incentivo à falta de registro formal do trabalhador ou ao seu registro com salários inferiores”. Esta proposta vem do Banco Mundial: “A redução das diferenças entre o RJU e o RGPS será um grande passo para uma maior eqüidade e uma melhor distribuição do sistema brasileiro de previdência social. As administradoras públicas estão impulsionando reformas encaminhadas a conseguir harmonizar os benefícios de ambos regimes”, diz o Banco Mundial em informes confidenciais facilitados ao governo entre 1999 e 2000.[16] De qualquer maneira, se isto não avança, o Banco Mundial propõe que “a administração pública deverá executar as tarefas difíceis antes de se criarem os planos de aposentadorias. A primeira é retirar da Constituição a fórmula de cálculo dos benefícios do RJU, reduzir a taxa de substituição (o cálculo do benefício) e aumentar o período de referência (tempo de contribuição). A segunda consiste em remediar as debilidades do sistema de regulamentação e supervisão. Caso os trabalhadores incorporados ao RGPS não respondam aos incentivos da nova fórmula de cálculo dos benefícios, o governo terá que estabelecer também uma idade mínima de início dos pagamentos da previdência social” (aumento do tempo de serviço).

Uma intérprete das necessidades do grande capital comparou os gastos previdenciários de diversos países como percentagem do PIB, chegando à conclusão de que o gasto brasileiro é maior (4,7% do PIB, contra 3% da França, por exemplo), mas... sem comparar os PIBs respectivos (e relacioná-los com o número de beneficiários da previdência social)! Para concluir que "a gritaria dos servidores públicos contra a reforma da previdência já era esperada. Pode piorar, mas isso em nada deveria sensibilizar as pessoas que neste país são responsáveis por zelar pelo bem-estar da sociedade e pela decência do Estado".[17] Nós concluímos, ao contrário, que a reforma ora em pauta é ditada pelas necessidades do grande capital em crise, inspirada pelo Banco Mundial, e situada na contramão da História, pois adota um modelo que está demonstrando ou já demonstrou sua inviabilidade na maior parte do mundo, inclusive nos países tomados como modelo pelos "neo-reformadores". A adoção das reformas em pauta, se concretizada, só dexam entrever um futuro sombrio para a nossa e as futuras gerações.


 

[1] Lanzan un proyecto para reformar las jubilaciones. Clarin, 17 de maio de 2003.

[2] 1,1 milhão de franceses contestam reforma. Folha de São Paulo, 14 de maio de 2003.

[3] Financial Times, 17 de março de 2003.

[4] Le Monde, 11 de fevereiro de 2003.

[5] The Economist, 15 de fevereiro de 2003

[6] Financial Times, 14 de março de 2003.

[7] Clarín, 9 de março de 2003.

[8] América Economia, 1o  de outubro de 2002.

[9] La OCDE alerta sobre el impacto del desplome bursátil en las pensiones privadas. El País, 1º  de abril de 2003.

[10] El País, 9 de dezembro de 2002.

[11] EPI Issue Brief, 7 de fevereiro de 2002.

[12] Martine Bulard. Les retraités trahis par les fonds de pension. Le Monde Diplomatique, maio de 2003.

[13] Retraites: une réforme à haut risque. Dossiers et Documents, fevereiro 2003.

[14] Le Monde, 12 de outubro de 2002.

[15] Pensioni, alzare l'età del ritiro. Corriere della Sera, 11 de abril de  2003.

[16] Informe Banco Mundial. Dimensiones del Reto de la Seguridad Social en Brasil. Para uma análise geral dos efeitos da privatização da previdência social, ver: Riccardo Bellofiore. Il capitalismo dei fondi pensione. La Rivista del Manifesto n. 10, Roma, outubro 2002; Julio N. Magri. Jubilación Privada: la Bolsa o la Vida. Buenos Aires, Rumbos, 1992.

[17] Maria Clara R. M. do Prado. Imenso alívio com a nova previdência. Gazeta Mercantil, 16 de maio de 2003.

 


 

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