Governo e PT pagam o preço por terem relegado “baixo clero”
Mauro Santayana*  
 

A vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) na eleição para a
Presidência da Câmara é o preço pago pelo governo federal e pelo
PT por terem descumprido os ritos próprios da política.
Desprezado, o chamado “baixo clero” deu o troco.
 

Brasília - A vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) na eleição para a Presidência da Câmara foi, sobretudo, uma derrota da arrogância. É difícil entender que parlamentares antigos, como é o caso de José Genoino, não soubessem que a Câmara dos Deputados é o Brasil em toda a sua diversidade - e não tivessem cumprido os ritos próprios da política. Não é uma representação ideal, a do Parlamento, mas é a que se faz possível tendo em vista o poder econômico e o sistema eleitoral existente. É a que aprova constitucionalmente as leis e elege seu comitê diretor.

Os intelectuais e pseudo-intelectuais, os moralistas e pseudomoralistas costumam desdenhar a maioria dos deputados federais, dirigindo-lhes a denominação de “baixo-clero”. Em primeiro lugar, ainda que haja, na maioria dos parlamentares, os que, por ignorância ou por interesse, tenham servido para a manobra de sucessivos governos, ela não vem sendo responsável pelo que pior ocorre neste país. Se examinarmos bem a história contemporânea, constataremos que o Poder Executivo governa como quer. O Sr. Fernando Collor e sua petulante ministra da Fazenda confiscaram todos os ativos bancários, sem que houvesse a reação dos prejudicados. O Parlamento – em seu alto e baixo clero, se aceitarmos a qualificação -, conduzido pelos líderes partidários, colocou as mãos no tapete, e aceitou a violência, sem chiar. Ainda bem que pôde – sob a pressão da imprensa e da opinião pública – identificar, mais tarde, os atos de peculato de que se fazia principal agente o Sr. Paulo César Farias, e expelir do poder, com o impeachment, o príncipe arrogante.

Fernando Henrique, com a assistência ética do Sr. Sérgio Motta, obteve as emendas constitucionais que lhe permitiram entregar tudo o que era do povo, em processo de privatização não muito bem esclarecido. E derrubou o dogma republicano da não reeleição, mediante a compra de votos, a fim de continuar servindo a seus amos estrangeiros por mais quatro anos. Que parlamentares destituídos de vergonha vendessem seus votos, para a reeleição e para as privatizações, nada a estranhar. Mas ninguém vende quando não há compradores.

Para a derrota contribuíram também outros componentes. O governo, como se sabe, são dois. Há o governo do ministro Roberto Rodrigues e o governo da ministra Marina Silva; há o governo do Sr. Luis Furlan e o governo do chanceler Celso Amorim; há o governo do Sr. Olívio Dutra e o governo do Sr. Ciro Gomes; há o governo do Sr. Guido Mantega e o governo do Sr. Joaquim Levy, secretário do Tesouro, que se jacta de mandar no presidente do Banco Central e no Ministro da Fazenda. Enfim, há o governo da área econômica e o governo da área social. O governo dos patrões e o governo dos trabalhadores. A luta de classes continua – e continua na administração central do país.

Sabe-se que o ministro da Agricultura se reuniu com a bancada ruralista, a fim de angariar sua simpatia para com a candidatura do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh – e não encontrou os argumentos políticos necessários, ou não os quis encontrar. Os parlamentares ruralistas saíram do encontro com a decisão de votar como quisessem. Com muita benevolência, podemos dizer que Rodrigues foi mais o latifundiário que é do que o ministro que está sendo.

Há outro e poderoso fator: a questão federativa. Por mais representantes de outros Estados estejam presentes no governo, o poder real se encontra com os paulistas de nascimento e os paulistas naturalizados. Além disso, o nome do Sr. Greenhalgh não surgiu nos corredores da Câmara, como costuma ocorrer tradicionalmente. Nos corredores da Câmara surgiram nomes como os de Sigmaringa Seixas, de Virgílio Guimarães, do atual líder do PT, o paulista Arlindo Chinaglia, e do professor Luizinho.

Uma das mais importantes lições do poder é a de que ninguém deve mandar, sem a certeza de que será obedecido. O presidente, mal aconselhado e mal orientado, sem uma visão objetiva da situação, determinou aos ministros e aos líderes que patrocinassem a candidatura de Greenhalgh. O melhor exemplo desse erro de avaliação foi o encontro do ministro Rodrigues com a bancada ruralista. Vale a experiência.

A morte da freira

A derrota do governo nas eleições parlamentares monopolizou a atenção dos meios políticos, desviando-a do assassinato no Pará da freira Dorothy Stanger, o que, do ponto de vista histórico, é muito mais grave. O crime demonstra a disposição dos grileiros - porque, ali, se trata de grileiros – em continuar matando os defensores dos trabalhadores sem terra. É curioso registrar que a violência é bem maior nas áreas de ocupação recente – nas quais terras públicas foram invadidas pelos fazendeiros – do que nas regiões mais antigas. Tanto no Pontal do Paranapanema, quanto nos Estados setentrionais, as terras ocupadas pelos latifundiários pertencem à comunidade nacional. Os títulos de propriedade são de autenticidade duvidosa, para dizer pouco.

A presença da freira há trinta anos no Brasil mostra que, acima das nacionalidades, há pessoas solidárias. O sacrifício da freira Dorothy Stanger nos faz ver com outros olhos o grande povo norte-americano – que nada tem a ver com Bush, Wall Street e seu poderoso complexo industrial-militar.

* Mauro Santayana é colunista da Agência Carta Maior. 

Fonte: Agência Carta Maior, 15/02/2005.


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