CHÁVEZ, MUSA INSPIRADORA
Governo esquece a República e investe contra a imprensa

Alberto Dines*

 

O tal "complô da mídia" contra o candidato Lula rendeu duas edições de CartaCapital. Depois, evaporou. Foi regiamente pago com a presença do presidente reeleito no evento comercial em que o semanário escolheu as empresas mais admiradas do país. 

E enquanto não cumpre a promessa de conceder uma verdadeira entrevista coletiva, na segunda-feira (13/11), na fronteira Brasil-Venezuela, o presidente Lula escancarou sem qualquer pudor, meias palavras ou metáforas futebolísticas o real objetivo da campanha encomendada à CartaCapital [ver abaixo a íntegra do discursos presidencial]. 

Igualando-se a Hugo Chávez, o caudilho militar fascistóide, o presidente Lula confirmou plenamente as hipóteses de que para continuar engabelando a sociedade brasileira será indispensável desacreditar a imprensa, intimidá-la permanentemente e, assim, impedir que assuma um papel efetivamente esclarecedor e moderador. 

Muito antes dos aloprados do PT tropeçarem no Dossiê Vedoin, quando toda a mídia reconhecia que Lula seria reeleito facilmente no primeiro turno, o candidato Lula já deblaterava nos palanques contra "a imprensa e as elites".  

O real propósito do Dossiê Vedoin, divulgado pela revista IstoÉ (meia-irmã de CartaCapital) pouco antes das eleições, não era destruir o fragilíssimo e incompetente candidato da oposição, Geraldo Alckmin. A jogada era mais sofisticada, de longo prazo: além prejudicar o quase-eleito José Serra para colocá-lo fora do baralho em 2010, pretendia-se neutralizar a imprensa no primeiro ano de governo.  

Os primeiros 365 dias de um novo governo são marcantes, vitais, sobretudo em mandatos de quatro anos, interrompidos no primeiro biênio com as eleições intermediárias – as mesmas que acabam de desmoralizar Mr. Bush –; em nosso caso, para eleger prefeitos, vereadores e parte do Senado. 

É preciso não esquecer que nos primeiros 365 dias do mandato anterior, a imprensa também foi silenciada, mas de outra forma: com as promessas de uma linha de crédito especial no BNDES, generosa iniciativa do então Comissário de Assuntos Políticos, José Dirceu. Naqueles tempos a imprensa não era golpista nem elitista, sua sobrevivência era uma "questão de Estado". A imprensa continua sendo uma questão de interesse nacional, só que o Estado brasileiro, de olho no calendário, começa a mostrar impaciências que o levam na direção contrária. 

Maquinações abjetas 

Neste segundo mandato, os primeiros 365 dias já começaram a ser contados desde o dia 30 de outubro. Significa que a imprensa deve ser encostada na parede desde já, antes que as conexões entre o "apagão aéreo" e a tragédia do Boeing da Gol fiquem visíveis, antes que se confirme o pífio crescimento do PIB, e antes que os afiados facões dos tecnocratas comecem a cortar os gastos públicos. 

O surto chavista antiimprensa exibido pelo presidente Lula na segunda-feira, às margens do rio Orinoco, não se deve ao forte calor ou ao estresse da campanha eleitoral. Deve-se à presença de outros aloprados ao lado do presidente Lula, convencendo-o de que a imprensa deve ser enquadrada e mantida sob suspeição.  

O que irritou esses estrategistas não foi a estúpida capa de Veja tentando denunciar o filho do presidente, duas semanas antes do segundo turno. Ficaram fulos com um artigo de uma coluna apenas, publicado em página interna da Folha de S.Paulo (24/8/2006) e assinado por seu diretor de Redação, Otavio Frias Filho, exigindo o segundo turno para legitimar estas eleições [ver "Anistia para Lula", link disponível para assinantes do UOL e/ou da Folha]. 

Os aloprados da mídia não irritam os aloprados palacianos. O que os deixa furiosos é a sensação de se sentirem iguais aos gorilas dos anos 1960-80 produzindo as mais abjetas maquinações para comprometer esta senhora decente chamada República, às vésperas do seu 117º aniversário. 

 

***  

 

O discurso do presidente

Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a inauguração da segunda ponte sobre o rio Orinoco; Ciudad Guayana, Venezuela, 13/11/2006. 

Senhores ministros de Estado da Venezuela, Nicolás Maduro, das Relações Exteriores; José Khan, da Indústria Básica e Mineração; José Davi Cabello, da Infra-Estrutura; Rafael Ramírez, de Energia e Petróleo e presidente da PDVSA, 

Senhores governadores da Venezuela, 

Senhores governadores brasileiros, 

Ministros Celso Amorim, das Relações Exteriores; Silas Rondeau, de Minas e Energia, 

Meus amigos governadores Blairo Maggi, e Eduardo Campos, do estado de Pernambuco, 

Senador Marcelo Crivella, 

Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, 

Meu caro Emílio Odebrecht, presidente da Odebrecht, 

Meus amigos deputados,  

Embaixadores,  

Governador da China,  

Homens e mulheres da Venezuela, 

Meus amigos da imprensa, 

Meu companheiro Chávez, 

Eu vou dispensar o meu discurso por escrito e vou falar um pouco do meu sentimento. Há pouco eu vinha no carro e o meu ministro Celso Amorim me chamava a atenção para a coisa fantástica da semelhança entre o povo da Venezuela e o povo do Brasil, estampada na beleza das pessoas, na cor das pessoas e, sobretudo, na alegria estampada no rosto de cada homem e de cada mulher.  

Eu estava pensando que faz 10 dias que terminaram as eleições no Brasil e, graças à generosidade do povo brasileiro, fomos reeleitos com 61% dos votos do povo brasileiro. E isso aumenta a minha responsabilidade, não apenas com o povo brasileiro, sobretudo com o povo mais pobre do meu País, porque eu quero governar para todos, para ricos e pobres, mas os pobres terão que ter preferência nas ações do nosso governo. E por que eu estou dizendo isso aqui na Venezuela? É porque eu conheço um pouco a história deste País, porque conheço um pouco a trajetória política do presidente Chávez e porque sei que aqui, como no Brasil, muitas vezes somos vítimas de incompreensões, de preconceitos de pessoas que governaram os nossos países durante séculos e séculos e que não aceitam que alguém que pense diferente, que alguém que queira cuidar do povo, seja governante. Eles se habituaram a governar o país para 30% ou 35% da população. Para muita gente na América do Sul e na América Latina, pobre é apenas um número estatístico, pobre não é levado em consideração na divisão da riqueza do país. Para nós, pobre não é um número estatístico, é um ser humano com alma, com consciência e com coração e que não reivindica nada que não possa ser atendido. Os pobres, presidente Chávez, querem ter o direito de trabalhar, querem ter o direito de estudar, querem ter o direito de acesso à saúde, querem ter o direito de acesso à habitação. Ou seja, eles querem apenas conquistar o elementar, que é a cidadania de homens e mulheres do nosso continente.  

Durante séculos isso foi negado. Milhares de pessoas já morreram neste continente porque acreditaram na liberdade, porque acreditaram na independência e porque queriam fazer justiça social. Agora, quis Deus, que nós tivéssemos uma América Latina e uma América do Sul um pouco diferenciadas. Já não é apenas o companheiro Chávez, presidente da Venezuela, já não é apenas o presidente Lula, presidente do Brasil, outros presidentes foram eleitos democraticamente. Poderia citar a nossa querida Michelle Bachelet, no Chile, poderia citar o nosso querido companheiro Kirchner, na Argentina, poderia citar Tabaré Vázquez, no Uruguai, poderia citar Nicanor, no Paraguai, poderia citar Evo Morales, na Bolívia, poderíamos citar tantos e tantos companheiros que vão sendo eleitos. E a mais recente eleição é a recondução da Frente Sandinista no governo da Nicarágua. Lógico que a democracia que nos elege para presidente nos impõe muita responsabilidade e exige muito de nós, porque quanto mais responsabilidade tem o povo, quanto mais democracia vive um povo, mais ele será exigente. Esteja certo, companheiro Chávez, que este povo que gosta muito de ti será muito mais exigente no segundo mandato do que foi no primeiro. 

Eu tenho consciência de que o povo brasileiro, que me deu a segunda chance, será também muito mais exigente e nós teremos que fazer muito mais por ele do que fizemos no primeiro mandato. Uma coisa eu quero que o povo da Venezuela compreenda, quero que os meus companheiros do Brasil compreendam e quero que o meu querido companheiro Chávez compreenda: não há saída para um país da América Latina sozinho. Ou nós acreditamos na integração de fato e de direito e trabalhamos para que essa integração aconteça no âmbito da política, no âmbito da cultura, no âmbito do desenvolvimento tecnológico e científico... porque todos vocês adoram a palavra integração, mas nada fala mais alto do que a gente olhar a imagem extraordinária de uma ponte que significa desenvolvimento para a Venezuela, significa melhoria da qualidade de vida para o povo da Venezuela e significa muito mais esperança para o futuro. 

Quero dizer ao meu companheiro Chávez que eu sei que tem eleições no dia 3. Eu não sou venezuelano, não posso dar palpite na política da Venezuela. Eu me lembro do discurso que você fez em Pernambuco, dizendo que não podia falar de política e falou, mas eu não vou falar. Eu não vou falar por uma questão muito simples: aqui neste país acontece exatamente o mesmo que acontece no Brasil. Eu conheço o tipo de crítica que fazem a você. É a mesma crítica que faziam a mim. Os banqueiros ganharam muito dinheiro no Brasil e, certamente, ganham muito dinheiro aqui na Venezuela. Alguns empresários ganham muito dinheiro aqui, como ganharam muito dinheiro lá. Mas, se tiverem que fazer uma opção entre você e um outro que seja mais próximo deles, não tenha dúvida de que o preconceito fará com que eles estejam do lado de lá. A nossa garantia é que o povo trabalhador, os estudantes e os empresários sérios de cada país sabem que, há muitos anos, o Brasil não tinha um governo para fazer as políticas sociais que nós fizemos. E eu não tenho dúvida de que aqui, na Venezuela, havia muitos e muitos anos que não tinha um governo que se preocupasse com a gente pobre como tu tens te preocupado. 

Eu vim aqui em 2003, estive aqui junto com Chávez, com Emílio Odebrecht, com Celso Amorim, há três anos esta ponte estava apenas começando. Depois eu fui a Caracas, vi a televisão, e voltei para o Brasil dizendo a mim mesmo que jamais eu tinha visto um tipo de comportamento de um tipo de meio de comunicação, agredindo um presidente da República, como tu fostes agredido. Eu jamais imaginei que isso pudesse acontecer no Brasil, e aconteceu o mesmo, querido companheiro. A coisa que mais consolidou a minha consciência, de que nós estávamos certos, é que o povo reagiu no momento certo. E o mesmo povo que elegeu a mim, que elegeu a Kirchner, que elegeu Daniel Ortega, que elegeu a Evo Morales, certamente irá te eleger presidente da República da Venezuela.  

E, no segundo mandato, todos nós, presidentes dos países da América do Sul e da América Latina, precisamos trabalhar a integração como jamais trabalhamos. Nós temos que fazer uma interligação entre as nossas estradas, temos que construir as ferrovias que precisam ser construídas, as empresas de petróleo de nossos países precisam trabalhar juntas. O Brasil precisa da Venezuela e a Venezuela precisa do Brasil. Os nossos empresários, Emílio, podem ajudar na transferência de tecnologia para a Venezuela, a Venezuela não pode ser eternamente um país exportador de petróleo e de gás, tem que ter indústria aqui, tem que ter conhecimento científico e tecnológico para que essa juventude tenha onde trabalhar e possa ter na Venezuela um paradigma de um modelo de desenvolvimento que dê oportunidade a todo mundo.  

Saio hoje da Venezuela mais convencido do que quando vim aqui há alguns anos atrás de que valeu a pena. Valeu a pena acreditar na aliança Brasil e Venezuela; valeu a pena acreditar na integração da América do Sul; valeu a pena fazer parcerias. E não se incomode, presidente Chávez, de vez em quando tentam fazer intrigas entre Chávez e Lula, tentam criar divergências entre nós. Eu aprendi, desde pequeno, a conhecer as pessoas boas, não apenas pelas palavras, mas pelos olhos e pelo coração. E eu acho que você, Chávez, demonstrou ao povo da Venezuela que é possível crescer economicamente fazendo justiça social, de que é possível desenvolver a economia de forma justa para que todos participem.  

Quero que saiba que o Brasil terá mais quatro anos de governo com os meus companheiros e que irei trabalhar com mais força, com muito mais ousadia para que a integração possa se consolidar e um dia um sonho daqueles que lutaram por liberdade na América Latina, que acreditaram em construir uma grande nação na América Latina, possa ser concretizado. Mesmo que tu e eu não consigamos viver esse momento, dormiremos com a consciência tranqüila porque fizemos a nossa parte e os nossos filhos e os nossos netos poderão viver na América Latina, sonhada por tanta gente que lutou. 

Meu querido irmão, hoje o dia é teu, afinal de contas, a ponte é tua e a Venezuela não é tua, mas tu és da Venezuela. 

Um grande abraço e boa sorte, companheiro Chávez. 

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Para ANJ, Lula quis "fazer média" com Chávez
Copyright O Estado de S.Paulo, 13/11/2006 

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma dizer que deve sua carreira política à imprensa, lembrou o vice-presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Júlio César Mesquita. "Só se ele agora criticou a imprensa brasileira para fazer média com Chávez", observou. 

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, e o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo Andrade, consideraram as declarações de Lula inoportunas. 

"Foi um exagero de Lula. O tratamento que a imprensa brasileira lhe tem dado é muito respeitoso, embora em alguns casos tenha havido uma certa agressividade na interpretação de fatos contra o presidente", comentou Azedo. 

Sérgio Murillo criticou a seqüência de episódios que ameaçam a liberdade de imprensa que ocorreram no curto período desde a reeleição de Lula. 

"As autoridades têm a obrigação de não esticar essa corda", ponderou ele, lembrando que "ninguém ganha com essa tensão". 

Mesquita avaliou que Lula pode estar "fazendo média" com Chávez. "Quem sabe ele não está sendo diplomático, na ânsia de agradar a seu amigo venezuelano, que detesta a liberdade de imprensa, e fez um discurso adequado ao palco", disse o vice-presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa da ANJ. 

Azedo, numa linha semelhante, disse que a fala de Lula só se explica se o presidente brasileiro tentou produzir "certa comoção" na platéia do comício. 

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Relação entre governo e mídia vive turbulência
Copyright Folha de S.Paulo, 13/11/2006 

No primeiro pronunciamento após ser reeleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse querer melhorar sua relação com a imprensa e prometeu dar mais entrevistas, a começar por uma coletiva. 

Duas semanas depois, ainda não houve coletiva. Em vez disso, ocorreu, nas palavras do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), um "acirramento" nas relações entre governo e imprensa. 

Em Brasília, jornalistas foram agredidos por militantes do PT. O presidente da sigla, Marco Aurélio Garcia, defendeu uma "auto-reflexão" da mídia, embora tenha ressalvado a importância da liberdade de imprensa. Indagado sobre uma possível reestruturação do PT, disse aos jornalistas que "cuidassem das suas Redações". 

Nos dias subseqüentes à eleição, três jornalistas da revista "Veja" foram chamados para depor na Polícia Federal. Responsáveis por reportagem relatando um suposto encontro entre Freud Godoy e Gedimar Passos na sede da PF, eles disseram ter sido intimidados por um delegado. 

Na semana passada, a Folha revelou que, no inquérito do dossiê, a PF pediu a quebra do sigilo de um telefone da Folha e do celular de uma repórter do jornal. A PF diz que não sabia que os telefones eram da Folha e que, após constatar a origem, não os investigou. Um relatório sobre as ligações de Gedimar, porém, inclui os telefonemas da Folha. 

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* Editor-responsável do Observatório da Imprensa (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/)

 

Fonte: ObservatóriodaImprensa, 14/11/2006


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